1965 - Caçada Noturna
São duas horas da manhã em São Miguel Paulista. Nesta noite fria e escura de 1965 não há ninguém nas ruas.
Pelo jeito ele teria de sugar algum mendigo, mesmo incomodado pelo cheiro deles, pois faz três noites que Saturno não se alimenta.
- “Terá que ser qualquer coisa...” - pensa faminto.
Vê do alto de um prédio comercial um homem sentado no meio fio, soluçando, bêbado.
A roupa toda desalinhada, camisa cheirando a pinga e calça boca-de-sino suja e amarrotada.
- “Bem, um bêbado ainda é melhor do que um mendigo podre”.
Quando se prepara para saltar do alto do prédio vê algo saindo de dentro de um bueiro. Algo grande e azulado.
Uma criatura cheirando levemente a amoníaco.
A camisa verde-musgo de Saturno balança com o vento frio que sopra no alto do prédio. Aperta os olhos negros para tentar enxergar melhor o que acontece a um quilômetro de distância.
O estranho ser anda de um modo diferente, balouçando como um pingüim. Os pés chatos batem com força, como se não estivessem acostumados com a dureza do solo.
Intrigado, o vampiro observa atentamente. Que bicho será esse?
A criatura vai até o jantar do indígena e o levanta do solo, abraçando-o lentamente. Tentáculos começam a envolver o bêbado.
O rapaz de longos cabelos negros levanta-se subitamente.
Isso é demais! Esse bicho está comendo sua comida.
Saturno corre atrás da estranha criatura. Das costas do ser, tentáculos se retorcem em todas as direções.
De um salto o imortal pára em frente ao ser.
Sua mente vampírica toca a da criatura e ele descobre o quanto seu antagonista é diferente.
Seus pensamentos são abstratos, quase animais.
Imagens estranhamente líquidas, meio flutuantes entre bolhas confortáveis.
Outros monstros semelhantes a ele, atravessando o espaço sideral em uma velocidade incomensurável dentro de um tipo de veículo.
- Puta merda! Você é um alien!
Saturno está boquiaberto.
O alienígena solta o bêbado que cai rígido no chão. Entrando em posição fetal, as mãos contra o peito.
De perto a criatura fede fortemente a peixe podre. Com as costas das mãos escamosas, limpa a bocarra que escorre uma espuma branca de aspecto gorduroso.
- Glucc. Aglacc. Blup. Aglucc. – fala o Alien em sua língua incompreensível.
O filho da noite ataca. Não entende o que o ser do outro planeta diz. E nem se importa...
Seu punhal corta o ar, levando um tentáculo junto.
- É mais fácil do que pensei! Vou parti-lo em pedaços! – diz, satisfeito consigo mesmo.
Quando está próximo de feri-lo novamente é subitamente paralisado pela espuma branca que o monstro expele em um jorro.
A criatura de pesadelo agarra Saturno e o suspende à altura de sua cara de peixe espacial. Os olhos profundamente negros, levemente ovalados e líquidos observam o vampiro.
Sua boca abre-se novamente soltando um bafo de peixe podre e para horror do filho da noite, uma língua azulada é forçada em sua boca.
O ser baba. Seus olhos inumanos procuram alguma reação específica do índio, mas tudo o que vê é nojo.
Os tentáculos que recobrem suas costas começavam a cercá-lo quando derrepente o bicho o solta, insatisfeito.
Vira as costas para o vampiro e começa a andar em direção ao bueiro de onde saiu.
Saturno vomita no chão e limpa o queixo coberto com a baba fedida.
- Vou matar essa coisa!
Começa a correr atrás dele, mas quando falta menos de cem metros o Alien se vira. Um terceiro olho, até então oculto no alto da testa por uma pálpebra se abre.
Começa a irradiar uma luminosidade azulada.
Saturno pára. O ar a sua volta começa a crepitar com o calor e logo seus braços e costas pegam fogo.
PIROCINÉSIA!
O filho da puta pode atear fogo nas coisas com o poder da mente!
Ele foge em chamas, a alta velocidade apaga o fogo pouco a pouco. Seus cabelos e costas consumidos e queimados lentamente se regeneram.
Minutos depois ele volta ao local onde ocorrera a luta. O corpo do homem sumiu.
- “Que merda está acontecendo aqui?” – se pergunta entre o negror da noite.
Resolve ir atrás do bicho. Entra no bueiro e entre os ratos e baratas começa a seguir o rastro deixado no lodo apodrecido.
O vampiro normalmente não caça nada além de seres humanos, pois já tivera experiências terríveis uma década antes, mas esse monstro é diferente. Ele destruiu o jantar do imortal o que o deixou muito, muito irritado.
Infelizmente para Saturno, no meio de tanta podridão o cheiro da criatura logo se confunde com muitos outros dejetos da sociedade.
Ele perde o rastro.
Sai por outro bueiro e vê que está na Avenida Imperador. Próximo do Cemitério da Saudade.
- O negócio é caçar um rango! – diz entredentes, meio contrariado por perder sua presa.
Sobe no muro do cemitério, onde fica de cócoras, camuflado pelas densas folhagens de uma árvore.
Após quinze minutos começa a se entediar.
- Que bosta! As ruas estão mais mortas que o pessoal desse cemitério!
Logo em seguida escuta um grito, sufocado em seguida por um barulho de esguicho.
- “Opa! Pelo jeito meu amiguinho “rouba-pão” está com sorte, vou fazer uma surpresinha para ele!” – pensa o imortal.
Quando vai pular do muro para ir atrás do ser, este vira a esquina, saindo de frente ao cemitério.
Saturno franze a testa. Jurava que o grito tinha sido mais longe. E também... Que o monstro parecia menor. Ou seria só impressão?
No colo, o Alien carrega uma mulher de cerca de trinta anos.
Catatônica. As mãos manicuradas apertam no peito um belo crucifixo de prata.
Quando o ser espacial está próximo pressente a presença do vampiro e levanta a cabeçorra.
O imortal pula do muro em frente ao bicho que imediatamente abre o terceiro olho.
Rápido como um raio avança sobre a criatura, seu punhal fino arranca o topo da cabeça que salta para fora junto com um jorro de um sanngue azulado, malcheiroso.
- Ahá! Esta brincadeira eu já conheço! Tem outra?
As costas do vampiro que começavam a crepitar de calor, gerado pelo Alien, pararam imediatamente.
Largando a mulher no chão, o estranho ser começa a agonizar, fazendo um barulho borbulhante.
O pedaço viscoso da cabeça que bateu contra o muro do cemitério escorre deixando uma pasta azulada.
A cabeça ferida do ser começa a se refazer sozinha.
- Ahá! Então você também se regenera! Vamos ver até quando...
Ele ataca.
Com seus movimentos felinos o vampiro vai desmembrando o alienígena, arrancando nacos de carne fedida.
Como o ser parece desprovido de ossos é facílimo destruí-lo.
Apesar de tudo, a cabeça da criatura que continua inteira, faz incessantemente o barulho gorgolejante.
Irritado, o filho da noite pisoteia o crânio, sentindo algo cônico e duro lá dentro.
Ele quebra a cabeça do monstro no joelho, abrindo-a como um coco, e entre os miolos azulados encontra uma estranha peça transparente do tamanho de uma latinha de fermento.
Dentro, um líquido de aparência leitosa.
Tenta quebrar a peça, tenta abrir e como não consegue acaba por desistir pondo o objeto no bolso da calça jeans agora manchada pelo sangue azul do ser espacial morto.
- Depois eu vejo o que é isto – resmunga baixinho – Agora, comer!
Põe o vidro no bolso da camisa manchada com o sangue azul da criatura morta.
Toma muito cuidado com o crucifixo.
- “Estas coisas são perigosas!” – pensa – Agora. Comer!
Morde cuidadosamente o pescoço da mulher, mas o sangue está intragável.
O imortal retira seu punhal do século XVI e pula o muro do cemitério carregando a mulher.
Olha-a nos olhos e vê que sua mente está perdida. A mulher está catatônica.
Esfaqueando-a repetidas vezes no pescoço e no peito, simula um assassinato, evitando tocar o crucifixo.
Consegue enxergar uma estranha luminosidade na peça cristã.
Muitas pessoas devotas emitem esse tipo de energia, fatal para os amaldiçoados.
Joga o corpo em uma vala, notando que ela usa uma aliança de casamento.
Tenta não sentir compaixão. Lembra que fora algumas exceções ele ataca apenas marginais ou pessoas de quem ninguém sentirá a mínima falta. Pessoas más.
A manhã se aproxima depressa e o filho da noite resolve dormir no cemitério.
Antes de entrar na catacumba, senta em uma lápide e tira o estranho tubo retirado de dentro do crânio do alienígena, examinando-o atentamente.
Pega a peça pelas extremidades, entre o polegar e o indicador e um minúsculo furo se abre pingando algumas gotas do líquido leitoso.
Coloca o tubo na mão direita e o furo desaparece. Saturno lambe as gotas distraidamente.
Derrepente estranhas sensações tomam seu corpo. Suas mãos, pernas e braços parecem encolher e esticar ao mesmo tempo.
O céu se tinge de mil tons. O vampiro dá gargalhadas do vento, da foto do morto na lápide, de tudo.
E geme de prazer.
O orgasmo chega naquela lápide fria, deixando-o paralisado de prazer.
Delira sozinho enquanto o amanhecer vem implacavelmente.
Desperta subitamente.
Seu corpo ainda molenga, sem fome alguma. Estranhamente saciado.
Os pêlos da nuca se arrepiam. O dia está bem ao seu lado.
Correndo como um louco, logo parece apenas um vulto escuro.
O zelador do lugar, cético, resolve conferir o som do que pensou ser, erroneamente, um casal de namorados fazendo amor.
O vulto com forma levemente humana que passa ao seu lado gritando, mais o pé de vento que levanta as folhas secas e joga seu chapéu longe criam muitas estórias de fantasmas, além de uma calça mijada no local.
Perseguido por seu inimigo mais mortal, o vampiro entra em uma catacumba qualquer. Arrancando a pesada tampa de mármore como se esta não pesasse nada entra na tumba cobrindo-se em seguida com o mineral frio.
Vira-se para repousar na escuridão junto a um cadáver apodrecido.
Pega no rosto descarnado, povoado pelos vermes e lhe dá um leve beijo de bom dia dormindo a seguir.
Ao entardecer volta a sair. Vendo o estado de sua roupa resolve ir atrás de algum bandido que além de comida ainda vai renovar seu vestuário.
Passando pela vala onde atirou o corpo da mulher dá uma olhada de relance.
Vazia.
É neste momento que repara nas pegadas no barro. Não são humanas, e pior: São muitas!
Ataca um tal de João, assassino e estuprador, e ao invés de matá-lo, troca suas roupas com as dele. Diante da gritaria dele quebra seus dois braços e arranca-lhe alguns dentes.
Uma ótima isca, enfraquecido pelo sangue retirado, amarrado e amordaçado.
Depois de algum tempo de espera, o primeiro ser do espaço surge no na curva da Avenida Pires do Rio.
Do alto de um prédio Saturno apenas observa
Pegando o homem apavorado pelos braços (o vampiro sorri, vendo o medo e a dor em seus braços quebrados), o monstro rasga a mordaça com a língua e a insere na boca de João.
O assassino, que a princípio se debate, aos poucos para os movimentos.
A criatura o pega no colo, e ele assume uma posição fetal.
Dirige seus passos chapinhantes em direção ao cemitério.
Vendo isso, Saturno conclui que eles não conhecem a raça humana ou o monstro teria percebido que o homem está imobilizado.
Começa a seguir a criatura, deixando uma grande distância entre os dois, para que o ser espacial não perceba sua presença.
Em 1965 a iluminação é escassa e o movimento de pessoas nas ruas, muito fraco.
Saltando de casa em casa, ocasionalmente descendo à rua - sempre nas sombras - o imortal não tira os olhos de sua presa.
Próximo à entrada do Cemitério da Saudade, ele vê outro monstro, também com uma vítima no colo.
- “como desconfiei, eles estão estocando comida... Mas por quê?” – pergunta-se o vampiro em pensamento.
Sobe rapidamente pelas paredes de um sobrado, chegando ao telhado, pode ver todo o interior do cemitério.
- Mas que MERDA!
O lugar está cheio. No mínimo ele conta uns oitenta e chegam mais a cada instante.
Observa que todos os seres descem rumo a um fosso, próximo do local onde ele dormira na noite anterior.
Após todas as criaturas desaparecerem no interior do fosso ele desce também.
Mas o fosso está vazio.
- Impossível – resmunga entredentes.
Por algum lugar eles têm que ter saído. Para o cano que leva ao rio talvez...
O cano tem um metro e meio de raio, ratazanas e baratas correm em todas as direções e a água suja chega ao seu tornozelo.
Bingo! Acerta na mosca. Há traços recentes no lodo em volta, além de objetos pessoais que as vítimas carregadas deixam cair pelo caminho.
Saturno anda rapidamente meio encurvado, a escuridão é absoluta. Mesmo ele, um imortal, tem dificuldade em enxergar.
Escuta o som de água caindo ao longe e dá um passo descuidado.
Derrepente o vampiro cai dezoito metros em um buraco escavado no solo.
A escuridão é mais que absoluta e um jorro de água suja cai sobre o vampiro.
O silêncio só é quebrado pelo barulho do líquido mal cheiroso.
Uma luminosidade azul acende ao longe, logo seguida de muitas outras.
Saturno está ferrado!
- Opa! Eaí? Beleza?
Ele murmura cercado por uma multidão de aliens. O ar a sua volta começa a crepitar.
- Ah não! Isso não! – berra ele sacando o afiado punhal.
Começa a cortar cabeças em uma fúria insana. Cobre sua retaguarda fazendo círculos mortais.
Decepa tudo em volta. É nesse momento que se instala o caos entre as criaturas do espaço.
Os do fundo tentam queimar o vampiro, mas, sem vê-lo acabam queimando seus irmãos mais a frente.
Fez-se uma parede de fogo, os aliens que se sacodem tentando apagar as chamas dos próprios corpos, acabam ateando fogo aos vizinhos.
Com sua agilidade inumana o imortal salta sobre os alienígenas que queimam, atacando os que estão mais ao fundo. Seu punhal corta fundo o carne dos monstros, que logo também pegam fogo descontroladamente.
O vampiro ri-se da imbecilidade deles. Tantos, e derrotado por um só.
Após checar e dar cabo dos sobreviventes, usando o braço em chamas de uma dos seres espaciais, sai à procura de mais deles.
A caverna é vasta e Saturno percorre toda sua extensão.
Logo encontra uma passagem na rocha. Chega à outra caverna.
Menor em extensão, ele vê ao centro um amontoado de corpos. Chegando mais perto, vê alguns leves movimentos na pilha de cadáveres.
Os mortos não passam de comida, para pequeninas larvas de alien em desenvolvimento, que disputam o macabro jantar com insetos e vermes. Necrófagos naturais do planeta.
Um corpo semidevorado chama a atenção do vampiro. É a mulher que ele esfaqueara na noite anterior, vítima de um apetite alienígena.
Um dos pequeninos começa a mordiscar as falanges descarnadas da defunta. Saturno pisoteia implacavelmente, a nojenta criaturinha.
Todos os outros param seu banquete noturno. São cerca de trinta.
Seus pequeninos terceiros olhos se abrem.
O imortal sente diversos pontos de seu corpo esquentar, sem dúvida são os trocinhos do espaço.
Eles ainda não têm energia suficiente para tostá-lo.
Ainda.
Com asco, o filho da noite começa a pisoteá-los um a um.
Suspira profundamente quando termina de matá-los.
- Acabou...
Uma súbita explosão joga seu corpo longe. Com as costas arqueadas bate contra a parede de rocha.
Ele se levanta de um salto ficando frente a frente com seu antagonista.
A boca do vampiro se abre, porém não consegue pronunciar uma só sílaba.
O alienígena a sua frente têm quatro metros de altura, seus tentáculos que saem das costas são da grossura da perna de um adulto formando um aglomerado que não para de se agitar.
Os olhos de um negro profundo são do tamanho de uma T.Vde vinte polegadas e faíscam de ódio contra o intruso.
Seu olho central aberto é do tamanho da cabeça do vampiro e brilha como uma lanterna azul.
O monstro dá um passo à frente. Saturno dá um passo atrás.
Assustado, o imortal tropeça e cai sentado na pilha de corpos em decomposição.
A criatura espacial olha casualmente para baixo, e vê além do índio, alguns pequeninos corpos esmagados.
Um ou outro ainda produz um barulhinho borbulhante.
Saturno agora sabe.
O monstro gigante é a mãe das criaturas, todos os aliens que ele matou.
Cerrando as manoplas, o ser medonho urra, fazendo o som de um furacão pelo assassinato de seus filhotes.
O vampiro acabara de sentir na pele o que a rainha-alien, havia feito apenas por ele ter invadido seu território. Não quer ver o que ela fará furiosa.
Apostando que ela, como os filhotes, não têm ossos; tenta atravessá-la.
Assumindo a posição de mergulhador, as mãos juntas, dá um impulso com as pernas, salta rumo ao ventre da criatura.
Rasga a carne, pegando-a desprevenida. Atravessa seu corpo deixando um grande buraco na barriga azul-anil.
Coberto da cabeça aos pés pelo fétido sangue azul, Saturno começa a correr em direção à passagem.
Uma bola de fogo vem em sua direção. O vampiro se joga no solo enlameado.
A explosão derruba parte da entrada da caverna maior.
Em pânico, o imortal levanta e corre, pulando os escombros em chamas, o som da Rainha chapinhando o chão às suas costas o encoraja a não parar.
O olho da criatura medonha ilumina tudo.
Sem olhar para trás, o vampiro corre.
Sente o calor crescer atrás de si e seu instinto primordial o faz executar um salto mortal de três metros de altura.
Uma bola de fogo passa crepitando por baixo do rapaz de longos cabelos negros, indo se estatelar em uma parede dezenas de metros à frente.
O tremor é intenso e grandes blocos de pedra se soltam do teto instável.
O buraco no alto da caverna está próximo agora.
Com um salto formidável, o vampiro se segura à borda da parede de pedra e lama que leva a superfície.
Se cair está morto.
Puxa o corpo no exato momento em que outra boa de fogo passa tão próxima que derrete as solas de borracha de seus sapatos
Sobe desesperadamente pela lama, enfiando o antebraço no barro.
Olha para cima, tentando enxergar a saída, quando escuta um tipo de borbulhar louco abaixo.
Consegue agarrar a borda do cano e um galho que desce junto com a água quase o derruba novamente.
Segura o galho musgoso que fica travado no buraco.
A água podre do fosso cai ininterruptamente sobre ele, os detritos lavam seu rosto indígena.
Algo agarra violentamente sua perna, puxando-o para baixo.
Com as garras da mão direita afundada na madeira semi-apodrecida, Saturno olha para baixo.
Um dos tentáculos se enrola em sua perna, logo abaixo, subindo rapidamente, o monstro.
- Ah, merda!
Com um esforço nascido do desespero, tira o punhal do cinto de couro trançado e começa a partir os tentáculos. Infelizmente, por mais que ele os corte, outros tomam seu lugar.
O galho começa a envergar com o peso.
A mão direita da criatura esmaga a perna do vampiro.
Mesmo após ter os quatro dedos decepados, a Rainha-Alien não solta a perna do assassino de sua prole.
Quando vai dar mais um golpe, para decepar a mão inteira, o imortal é atingido.
A bola de fogo queima seus cabelos, pele e todo o céu da boca, quando este foi gritar.
- Mal... Agh... Maldito! – engasga com a garganta carbonizada.
Segura a arma pela ponta da lâmina agora vermelha, incandescente, como um atirador de facas profissional.
A atira contra o olho luminoso da criatura do espaço que se prepara para soltar outra bola de fogo.
A alien borbulha de dor, soltando o corpo das alturas.
Sua mão ainda agarra Saturno e o vampiro ainda segura o galho, grosso como o tronco de um homem.
O inevitável acontece.
O galho se parte com o peso. Precipitando os dois ao fundo da caverna.
Ignorando o próprio corpo parcialmente em chamas, o vampiro carbonizado agarra com as duas mãos o tronco pontiagudo.
Com destreza, o aponta para a cabeçorra da mamãe-monstro.
A mão do alien ainda segura a perna quebrada com força.
Os corpos dos dois batem violentamente contra o chão. O galho, impulsionado pelo vampiro, atravessa a cabeça da Rainha-Alien saindo pelas costas, entre os tentáculos que se agitam sem parar.
Na queda, Saturno parte o maxilar em dois pedaços e um dos braços também.
Quando solta o galho queimado, a pele de sua mão fica grudada nele.
A água do fosso do cemitério da Saudade apaga as chamas de seu corpo.
Saturno fica longas horas arquejando.
Depois de muito tempo, verifica a morte da criatura espacial, e retira seu punhal do olho do bicho.
Parte de seus ossos aparece entre a pele cremada.
Seus ferimentos demorariam alguns anos para sarar.
- Tudo bem,tenho toda a eternidade – sorri desfazendo um pedaço do rosto com esse gesto.
Sobe lentamente rumo à superfície, rastejando com o único membro funcional. Muitas perguntas lhe vêem a cabeça:
- De onde vieram esses aliens? Haverá mais? Que líquido é aquele, que sacia sua fome, mas lhe causa fortes alucinações?
Se Saturno apenas imaginasse que cada macho daquela espécie sideral, alcança oito metros de altura, vasculharia com mais cuidado a caverna.
Talvez encontrasse um filhote, de pouco menos de um metro alimentando-se de cadáveres humanos em um canto isolado.
Em sua pequena mente, o rosto do assassino de sua raça e o desejo de vingança cresce nele.
Mais tarde. Agora ele come. Come para crescer.
Fim.