Adoro um Jack Daniels. Tomo de um gole só, depois uma Budweiser bem gelada, acendo um cigarro e começo o dia.
 
Brenda é uma garçonete feia e mal humorada, joga os pratos nas mesas, berra os pedidos e o cozinheiro responde com sinais. Bar de beira de estrada. Sujo e empoeirado:- Um dia você vai morrer com o estômago podre
 
- Ouço isto há anos querida e nada aconteceu.
 
- Ainda...
 
- Olhar para você todas as manhãs já é castigo suficiente, dá pra calar a boca?
 
Ela sai rebolando a bunda gorda no uniforme apertado, ainda usa saltos altos e muita maquiagem. Não sei mais a idade dela, mas já passou dos cinqüenta há muito tempo.
 
Nunca fechamos. Os caminhoneiros já nos conhecem e sabem que a comida é limpa e honesta.
 Minha mãe me fez prometer que sempre faríamos as receitas que ela deixou.
Tenho um cliente que vem aqui todo mês comer torta de maçã. Dez anos e ela continua igualzinha, sem tirar nem pôr.
Ele acha isso o máximo, o infeliz roda o país inteiro e pára sempre nos mesmos lugares. É um vínculo, sei lá, contanto que pague, não me importo. Que pense que somos amigos. Não somos.
 

Uma vez por mês organizo uma caçada. A floresta começa logo atrás do bar, durante o dia preparo a trilhas, monto armadilhas, crio algo novo e perigoso. Tenho tudo perfeitamente planejado.

 
Adrenalina.
 Somos viciados nesta aventura mensal, as pessoas acham engraçado porque nunca trouxemos nenhuma caça. 
Um bando de bêbados tolos que passam a noite na floresta bebendo até cair. Isto é o que eles acreditam.
 
Esta noite é especial, estou apostando alto nesta rodada.
 Meu time hoje é Stan e Louis. O segundo time é do Paul e seus dois primos esquisitos, JJ e Tommy. Nosso único contato é no dia do Jogo.
 
Começamos esta brincadeira há dois anos, já éramos parceiros de pôquer e estávamos entediados. Precisávamos de alguma adrenalina naquele fim de mundo.
 
O que caçamos?
 Qualquer coisa interessante que tiver a infeliz idéia de pedir carona para um deles.
 
 Onze horas  em ponto iniciamos a subida. O tempo frio pedia um gole. A garrafa foi passada de mão em mão e começamos a caçada.
 Em algum ponto adiante Stan libertou a presa.
 
Começamos a vasculhar o terreno, a noite está clara, lua cheia. Não trocamos palavras, sinalizamos um para o outro a direção.
 
A garota está correndo pela trilha aberta.
 Stan havia dito que a jovem era ágil e bastante agressiva.
A última vítima foi um estudante obeso e muito fraco. Terminamos em menos de duas horas. Não foi nada divertido.
 
 Ela estava ficando cansada:- Que droga Stan, você disse que ela era forte, que havia lutado para fugir.
 
- Cala a boca. A garota maldita sumiu.
 
Resolvemos nos separar. Segui a trilha principal os outros entraram na mata. Era fácil para nós seguirmos os pontos luminosos pregados nas árvores. Todo o caminho havia sido sinalizado.
 
O silêncio era esperado, tínhamos usado cola nos lábios da vadia.
 Ouvi um grito abafado seguido de um rosnado, algum cachorro do mato com certeza. Não havia outros animais maiores no local.
 
 Alguns passos adiante Stan estava caído em uma poça de sangue. Braços e pernas destroçados, a cabeça torcida em posição grotesca.
 Os olhos arrancados e vários pedaços faltando no pouco que restou. Ele tinha sido parcialmente mastigado.
 
Peguei o rádio e chamei os homens. Eles não responderam. Teclei o código de emergência, aguardei alguns segundos e nada. O vento frio tinha cheiro de morte.
 
Ouvi barulho de passos cada vez mais próximos. Não eram poucos, estavam escondidos entre as árvores, meu rifle pronto para disparar.
 
Parado no meio da clareira alguma coisa atingiu meu ombro. Era um braço humano. Pedaços estavam sendo atirados. Cabeças, pés, braços, uma chuva de horror que não tinha fim. Todo respingado de sangue fiquei bem quieto, arma em punho esperando minha vez.
 
Finalmente um deles saiu vi sua feições.
Eram parte lobos, poucos traços humanos. Quase dois metros de altura e um odor horrível.
A bocarra escancarada, dentes podres e a língua preta pendurada emitindo rosnados longos.
 Mal pude acreditar quando Brenda veio caminhando tranquilamente em minha direção. Passou no meio das feras sem medo algum:- E então caçador?
 
- Que horror é este Brenda? O que é isto?
 
- Isto são meus meninos. Minhas crianças e elas estavam com fome.
Elas sempre se alimentaram com os restos das suas caçadas nojentas, hoje você trouxe um deles.
 
- A moça? Não sabíamos. Ela parecia normal...
 
- Eles tiveram que comer seus amigos Joe. Pobrezinho do Stan. Louis gritou muito, não ouviu? Paul e os meninos tiveram um fim mais rápido.
 
 - E agora vão me matar? Levo você junto sua bruxa.
 
- Nem ouse apontar esta arma para mim. Eles te matam antes do primeiro tiro. Quero você vivo fazendo seus jogos normalmente.
 
- Brenda, isto é loucura, muita gente sabe que estes homens estiveram aqui. A polícia vai fazer mil perguntas.
 
- Caminhoneiros desaparecem todos os dias.Você é um grande mentiroso, sei que consegue dar um jeito.
 
Desci correndo, desesperado, nunca acreditei em monstros ou sobrenatural. O bar estava vazio, as luzes baixas e o cozinheiro dormindo nos fundos. 

O caminhões dos rapazes não estava no pátio, alguém devia ter levado. No mais, um completo silêncio.
 
Cinco horas da manhã. O bar lotado. Todos famintos e apressados. A maioria precisa sair depressa para cumprir horário.
 
 Tomo um café bem forte e assisto Brenda ajudar a moça com a boca arrebentada beber um “milkshake” de canudinho.
 
Ela parecia ainda mais feia com a sombra verde brilhante:- Joe, esta é minha sobrinha Tina, veio ajudar aqui no Bar, não é uma boa?
 
Olhei a garota magra, pálida e tão estranha quanto Brenda. Os olhos  castanho amarelado como de um cão. Quando ela sorriu mostrou os dentinhos afiados e a expressão assassina:
 
- Oi Tina.

- Vejo que finalmente está melhorando seus hábitos alimentares, isto é bom.
 
Na verdade decidi parar de beber e me manter bem sóbrio. Talvez tenha perdido o gosto pela bebida. Não sei ainda.
 
Aquela coisa em forma de mulher estava sempre se escondendo pelos cantos.
Vigiando noite e dia, seguindo meus passos por onde eu andasse.
Minha vida estava acabada e eu precisava organizar uma caçada, escolher novos parceiros. Não havia como fugir, comecei a refazer meus planos.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 30/04/2008
Reeditado em 28/10/2008
Código do texto: T969040
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