Inverno Interior

Não adiantava, ele sabia que as sombras que o perseguiam continuariam perturbando sua mente doente, sedenta por sangue.

Já havia se passado algum tempo desde que Laurent perdeu a sanidade e atacou de forma mortífera àqueles que o faziam mal notoriamente, entretanto, os detalhes de seu ato atroz se faziam presente todas as vezes que ele abria e fechava os olhos; estavam presentes em cada segundo do tempo que se fazia demente em sua velocidade.

Em cada esquina de sua vida Laurent reencontrava Louis que, mesmo morto, não deixava de habitar os pensamentos do rapaz. Louis o fazia lembrar de todas as vezes que foi humilhado em sua vida; na verdade, a história com Louis era mais como um tipo de repetição – um tanto mais drástica – de tudo o que Laurent sofria diariamente.

Louis era um rapaz bonito e fazia um sucesso singular entre os que o conheciam; sempre o tornando mais. Por sua beleza notável, o rapaz se deixou embriagar com os tantos elogios e aplausos que recebia tornado-se cada dia mais pernóstico e intragável. Ele tinha prazer em desfazer dos mais tímidos e, Laurent, embora o admirasse a ponto de querer ser ele, era um rapaz tímido e reprimido, não tinha aquela vivacidade exacerbada do outro.

Laurent, observador, ficava por perto absorvendo todo e qualquer tipo de ação da arrogância personificada que Louis era até o dia que ele foi notado; notado e perceptivelmente humilhado com palavras de desdém.

O que melhor para acordar um monstro desumano dentro de um alguém que sofre a rejeição de outro que tanto admira? Naquele mesmo dia, Laurent saiu para longe de todos e, obcecado por uma vingança motivada, deixou um monstro nascer rugindo em seu inverno interior. Nascia naquele momento o assassino de Louis.

Detalhadamente premeditado, o plano que Laurent tramou era admiravelmente bem articulado. Ele iria não só acabar com a vida do outro que feriu seu orgulho, como também roubaria a fama que ele tinha entre os seus, tomando-a por completo para si. Era exatamente isto que ele queria: Tornar-se Louis.

Espreitando, sempre espreitando, ele aguardava o momento propicio para tomar posse de seu “novo eu”, afinal, ele sabia que as pessoas que aplaudiam os feitos supérfluos de Louis, aplaudiriam qualquer outro que o fizesse melhor; a platéia estava para quem mais a agradasse.

Voltando de uma de suas noites de glória efêmera, Louis vinha acompanhado com todos aqueles que faziam seu coro de prestígio e nem notou que havia passado por um rapaz pouco mais alto que ele, vestido por um completo negro denso e com um brilho diabolicamente psicótico em seus olhos. Laurent, em toda sua sutiliza, foi acompanho por entre a escuridão seu admirado, deixando que os seguidores alienados fossem aos poucos se dissipando até que restassem somente dois que, provavelmente, seriam os mais “fiéis”; ele queria testemunhas, seriam seus primeiros admiradores depois que tudo terminasse.

Louis estava apenas com dois quando Laurent se aproximou, decido, indagando os motivos de sua glória, como se quisesse apenas conselhos do “ilustre-senhor-fama-e-glória”. Logicamente, no começo houveram apenas gargalhadas debochadas que, por mais que irritassem, não fizeram sumir o sorriso malicioso e o brilho soturno de seus olhos.

Foi neste momento que, delicadamente, Laurent tirou seu athame – que era singularmente afiado – dourado, envolto por uma bela serpente esculpida, que mais parecia viva, transparecendo o ápice do sarcasmo por seus olhos de safira. Ele falava lentamente passando o athame de leve por sua boca escarlate e por seu pescoço branco, onde suas artérias saltavam de ansiedade. Desta vez, aquilo foi despertando o medo nos outros que, mesmo sem entender o real motivo daquela situação, sentiam pelo olhar convicto e fixo de Laurent que a razão era somente dele. Ele havia conseguido persuadir de forma sutil suas vítimas de que iriam morrer e eram as únicas culpadas por isto.

Seduzindo-os com suas palavras ocas e olhares enfeitiçadores, Laurent ia se aproximando cautelosamente de Louis que, estático, sentia um prazer e uma atração indescritível pelo corpo do outro. Por mais incrível que possa parecer, toda aquela situação causava no rapaz um prazer inigualável; saber que iria morrer pelas mãos daquele ser insano a sua frente o excitava. O sorriso malicioso de Laurent despertava sensações sexuais a acordava o corpo de Louis que mesmo temendo sua morte estava gostando. Que poder demoníaco era aquele que o rapaz emanava? O cato da seria? As presas de um vampiro? Não importava! Quando Louis se deu por si novamente estava ajoelhado encarando as safiras de brilho estonteante da Naja que envolvia o athame dourado coberto por manchas vermelho-sangue em sua lâmina. Em seus lados, os outros dois rapazes estavam estendidos no chão com poças de sangue por debaixo de seus pescoços, e neste exato momento, uma dor insuportável o abraçou; ele não via nada, percebia somente que tudo escurecia e ele perdia o controle de seus corpo. Na verdade, ele via sim. Ele podia ver com nitidez os olhos da serpente e os olhos de Laurent tomados de prazer enquanto passava suas mãos ensangüentadas em sua boca sorridente e insana. Louis não compreendia; deixando sua vida escorrer por seus pulsos, a única coisa que queria mesmo era beijar de maneira selvagem os lábios desenhados e muito mais vermelhos de seu assassino; era seu último desejo, incontrolável. Ele precisava dos lábios do outro desesperadamente – e por mais estranho que fosse, era recíproco.

Vendo Louis deitado no chão, quase sem vida, Laurent foi impulsionado a beija-lo; de um ímpeto sem explicação. De forma súbita, ele o fez. Perdendo os sentindo, Louis se deu conta de que estava sendo beijado ferozmente, e deixou assim, o calor do beijo tomar conta daquele momento; saboreando o gosto amargo de sangue e fumo.

Laurent, por sua vez, sentia como se sugando a glória efêmera e a vivacidade do outro através daquele beijo que para ele era gélido e sem gosto. Quando o soltou, ele experimentou de um asco enorme por sua vítima, ma também por um prazer imensurável. Estava acabado. O que ele via estendido no chão era seu próprio eu sem valor e desprezível; agora ele havia se tornado - em seu psicológico doentio – Louis. Agora sim a glória o esperaria, ele seria adorado e não tinha dúvida disto, no entanto, mão foi assim. Quando a notícia se espalhou – e Laurent não fez questão alguma de esconder seu “grande feito” – as pessoas que ele achava que seriam suas admiradoras simplesmente se afastaram, temendo o rapaz , e isso fez com ele fosse se encontrando cada vez mais sozinho e revoltado, sem entender o motivo de sua desgraça. O que poderia ter dado errado? Ele tomou a força do outro! Onde estava sua recompensa?

Aos poucos, Laurent só conseguia pensar no que tinha feito e aonde poderia ter errado. Ele não se arrependia, mas por ver Louis todos os dias e em todos os lugares, tinha o mesmo desejo assassino todas as vezes, era uma constante. Louis sempre aparecia com um sorriso excessivamente irônico fazendo o outro se irar cada vez que era forçado a encará-lo. Não existia saída; Laurent se perderia mais e mais dentro de seu inverno interior que desta vez era assombrada pela face mórbida e pernóstica do belo Louis.

Dentro de sua insanidade ele já não encontrava nenhuma esperança e sabia que seguiria desta maneira até o dia de sua morte que, infelizmente, ele ainda não havia conseguido causar. Ele era covarde demais para tirar a própria vida, todavia, o suicídio era sua única alternativa. Bastava esperar o tempo passar para os fatos se consolidarem. Ele estava só.