3257 - A Nação Vampira

Faz quase um ano que Saturno está viajando.

Subira todo o continente Americano e no ponto em que pelos seus cálculos, está mais próximo do continente europeu, na Fria e distante Groenlândia, constrói um barco comprido e tosco, aprisiona três grandes Morsas e vai ao mar gelado.

Orienta-se pelas estrelas, como fazia milênios antes no Brasil, quando queria se deslocar de um ponto a outro.

Noite após noite o imortal pesca e deixa os peixes dentro da jaula de madeira dos animais.

No começo elas mal ligam para o alimento, alguns dias depois, porém os animais até brigam pelos peixes.

Saturno tenta ficar até uma semana sem alimento.

Depois pega uma das Morsas e crava seus dentes sugando profundamente, evita matar o bicho para não ficar sem ter o que comer.

Ao raiar do dia ele entra sob o barco, onde a luz do sol não o toca diretamente.

Amarra-se pelo tronco a uma corda de sisal, e a embarcação improvisada fica a deriva.

O vampiro tenta muito repousar, mas a luminosidade do oceano o incomoda muito. À noite volta a sua rotina.

Até ocorrer a tempestade.

O céu estava escuro, grossas gotas começam a cair no mar. Logo o oceano está selvagem.

Uma onda gigantesca vira o pequeno barco improvisado.

Após desvirar a embarcação por três vezes, o vampiro toma uma decisão radical.

Pega as duas Morsas que estão mais fracas e bebe o sangue delas até se saciar.

- “Vai ser mais fácil manter apenas uma viva!”.

A tempestade dura dois dias. Apesar de saber que já é dia, o céu está tão escuro que Saturno nem precisa entrar debaixo do barco.

Ele vê um ciclone se formando no mar.

- Assustador... – murmura, estarrecido com o poder da natureza.

Quando a tempestade amaina, deixa o céu limpo e estrelado.

Pela posição das estrelas, o filho da noite percebe que percorrera centenas de quilômetros em direção à costa européia.

Pelos seus cálculos, passara ao largo da Islândia e deveria estar a algumas centenas de milhas da costa européia.

- Mais uma tempestade assim e eu chego lá! – ri o rapaz de longos cabelos negros.

Rema por mais uma semana até vera costa ao longe.

Suga a vida da Morsa e continua sua viagem.

O barco não agüenta uma segunda tempestade e ele salta para o mar.

Mesmo sentindo-se doente com a água salgada, nada a noite inteira até chegar a um recife. Escala as rochas e entra em uma floresta fechada.

A natureza pouco a pouco, livre da mão podre do ser humano, começa a recuperar seus domínios.

Pela manhã, Saturno se enterra no chão duro e frio até o retorno da escuridão.

Quando levanta, penetra o mais fundo possível na floresta, anda em linha reta até encontrar vestígios de civilização.

Está na Noruega. O que já fora uma bela cidade européia, agora não passa de escombros que coroam a imbecilidade do Poder humano.

Anda por vários meses e quanto mais se aproxima do mediterrâneo, melhor fica a temperatura.

Certa manhã, quando está na parte da união européia que fora Bruxelas, na Bélgica sente um cheiro suspeito.

Um cheiro de outro vampiro.

Antes que possa investigar o odor, leva um murro tão bem aplicado que cai por terra.

Dá um salto caindo em pé. Atento aos ruídos a sua volta.

- Maldito Caçador de irmãos! – ouve uma voz vampírica murmurar baixinho.

Por instinto o brasileiro apara outro golpe.

Um vampiro magro o segura e logo saca um tipo de espeto de ferro. O filho da noite amassa o ferro com facilidade e segura o outro pelo antebraço.

Ele arregala seus olhos azuis, emoldurados por longos cílios negros.

- Não sou um Caçador. – procura convencer o outro imortal,

Após tentar se libertar inutilmente, o vampiro olha bem nos olhos de Saturno, como se quisesse ver o interior de sua alma.

Solta a mão levemente.

- É você não é um caçador, ou já teria me atacado. Eu sou Tyerri.

- Me chame de Saturno. – diz o índio estendendo a mão para o francês.

Reconhecera a língua, que mesmo com as alterações de milênios ainda assim é facilmente identificável.

O vampiro olha para o indígena com estranheza. Não reconhece o gesto de apertar as mãos.

- Você é um fugitivo também?

- Não. Vim de além do mar em busca de minha amada. – explica Saturno.

Tyerri se espanta por um momento, mas logo depois ri esganiçadamente.

- Impossible! Não existe nada além do mar! – avisa com convicção.

O brasileiro cruza os braços, impaciente.

- Há quanto tempo você é um vampiro? E quem disse que só existe esta terra? – o imortal está cada vez mais curioso.

Tirando uma mecha de cabelos negros da frente dos olhos, o francês se empertiga todo:

- Sou um vampiro a muitas e muitas e muitas luas. E quem disse que não existe nada além desta terra foi o próprio Rei!

Antes, porém que o índio pudesse perguntar mais alguma coisa, os dois são surpreendidos por alguém próximo.

- Fugitivos hein? Já sabem a pena! – Avisa a voz entre as sombras.

- Corra! – grita Tyerri fugindo.

Saturno nunca fora de fugir, suas raízes indígenas não lhe permitem a covardia.

Ele finca os pés, e espera para ver se a força de seu atacante é grande ou se este só usa o medo para aterrorizar suas presas.

- Ora, ora... Queres morrer então? Não sabe que sou um dos Quinze? – pergunta o vampiro.

- Se você é tão poderoso assim, por que se esconde? – quer saber o indígena.

O vampiro que se esconde por trás dos Olmos, sai da mata. Ele parece um rapaz pequeno e franzino.

Saturno não se engana com sua aparência. Os vampiros sempre são mais mortais do que aparentam.

O pequenino avança sobre o brasileiro com uma espada de ferro fundido.

Há muitos séculos, Saturno teve um pequeno punhal, porém após o grande Cataclismo de 2538 perdeu-o; no Novo Brasil, fez um punhal de ferro.

Tão fino e afiado que a lâmina corta feito um bisturi.

Quando os dois se atracam, as faíscas saltam com o choque das armas.

O índio apenas se diverte com o inimigo, pois notara que ele não tem nem velocidade ou força o bastante para vencê-lo.

Aproveita para ir tomando informações sobre o lugar para onde pretende ir em breve.

Fica sabendo que aquele é um reino de vampiros, onde o Rei se comporta como um tirano. O ditador não aceita oposição e governa há trezentos anos com mão de ferro.

O soberano é também, o vampiro mais poderoso do reino.

Sabendo o bastante resolve acabar com a luta.

- Então você é um dos Quatorze, hein?

Desvia-se imediatamente de um golpe poderoso.

- Quinze! Nós somos quinze! – grunhe o inimigo.

- Pois agora será Quatorze!

Saturno ataca.

Com seu punhal extremamente afiado, corta o tronco do inimigo como se fosse um arbusto podre.

O jovem franzino cai uivando de dor.

Limpa o punhal na barra da calça e vira as costas para ir embora.

- Me mate! Não vou conseguir suportar a vergonha! – grita.

O índio vira-se, observando-o de lado.

- Não precisa se preocupar. O sol vai acabar com você em breve e eu direi aos Quatorze que você lutou bravamente. – tranqüilizou-lhe o imortal.

Seu inimigo suspira aliviado.

Após correr por quilômetros, guiado apenas pelo cheiro, encontra Tyerri.

O convence a levá-lo até os limites do reino. Relutantemente, ele o guia por duas semanas através dos Pireneus.

Eles conversam muito e Saturno absorve o máximo de informações que pode, pois sabe que vai ser muito útil quando chegar a seu destino.

Fica extremamente curioso sobre a Rainha Vampira. Pela descrição, bate com sua Ângela, mas ela nunca fora tão sanguinária.

Alimentam-se das marmotas montanhesas enquanto deixam o território Francês.

Aos pés das imponentes montanhas, já em solo espanhol entram nos limites do Reino.

- Daqui eu volto!– avisa o Francês.

O índio o abraça e agradece:

- Volte daqui a trinta luas e será bem recebido!

Tyerri não responde. Em seu olhar há pena.

Já considera Saturno Morto.

Este atravessa um longo arco de pedra.

Logo que chega ao outro lado, o rapaz de longos cabelos negros vê duas estátuas colossais.

Têm cerca de quinze metros de altura provavelmente feitas de granito.

Ele não pode acreditar. A estátua da rainha tem o rosto de sua amada.

- Ei! É proibido ficar aqui fora hoje! – grita um imortal de aparência doente.

Saturno não tem certeza de como deve responder. Não quer levantar suspeitas tão cedo.

- Eu... Tive que vir aqui fora por um momento...

Não esperava a reação do outro imortal.

- Na noite do quinto centenário do reino dos Noturnos? MENTIROSO! – ele saca uma espada.

Sem alternativa, Saturno desarma o vampiro instantaneamente e enfia a espada no estômago dele.

- Qual o nome do seu Rei?

- Sylex...

- E da Rainha? – quer saber o indígena.

- Quem é você? – pergunta o vampiro doente.

O brasileiro retira a espada e a aponta para o pescoço do vampiro indefeso.

Ele grunhe de dor.

- Eu sou Saturno seu inseto! – avisa.

O imortal ferido arregala os olhos. Cheio de medo.

Satisfeito em saber que a simples menção de seu nome causa temor nos vampiros, Saturno abre um sorriso.

Ele é uma lenda.

Enterra a espada com violência, separando a cabeça do corpo de seu inimigo.

O grito de morte de um vampiro é uma das coisas mais horríveis de se escutar.

Mas você se acostuma após destruir algumas dezenas.

Ele entra silenciosamente em um salão enorme escavado na rocha, repleto de filhos da noite.

Vestem roupas cheias de pompa, enquanto humanos com túnicas brancas comem do bom e do melhor nas mesas.

Volta e meia, um vampiro ordena que um deles se aproxime, e o humano vêm, submisso.

Levanta a manga da túnica e oferece seu pulso.

O imortal sacia-se com o líquido rubro.

Depois o humano se retira com uma cesta, recheada de carne e frutas.

Apesar de não estar vestido corretamente para o evento, Saturno dirige-se discretamente a um vampiro empolado.

- Diga-me... Onde encontro o Rei Sylex?

O vampiro que ele interpelou o olha com cara de espanto, como se ele tivesse perguntado se ele sabia as regras do Xadrez.

Grita imediatamente.

- É um intruso!

Saturno o abate com um poderoso soco e vê vários guardas vindos em sua direção.

Olha em volta rapidamente analisando suas possíveis opções.

Pensa em escalar uma das íngremes paredes e quando se volta para cima têm vertigens.

Não pela Altura.

Vê Ângela.

Ela está de lado em uma espécie de camarote escavado na rocha, com uma expressão aborrecida no rosto muito alvo.

Quatro vampiros de armadura o cercam.

- Parado! Você não é bem vindo em nosso reino! – disse um deles.

O índio continua olhando para a moça no alto.

- Com licença. Preciso falar com sua rainha!

O filho da noite fica furioso com o fato de Saturno não ter medo dele.

- Você sabe com quem está falando? – grita ele.

- Sei, sei... Você é um dos Quinze... – responde o rapaz de longos cabelos negros de olho em Ângela.

Alguns vampiros que se ajuntaram em volta da confusão chegam a ver saturno pegar no cabo do punhal, mas nenhum deles viu o golpe. Tão rápido foi aplicado.

Os dois vampiros guerreiros à sua frente perdem a cabeça.

Antes dos corpos tocarem o chão, o brasileiro já corre em direção ao camarote de sua amada, com o punhal na mão.

Outros guerreiros o seguem de perto.

Ele troca golpes enquanto tenta escalar o paredão de trinta metros.

Sylex e Ângela percebem o alvoroço abaixo.

O rei sussurra algo no ouvido dela.

Ângela se despede e o tirano dá um beijo de leve nos lábios da moça.

Os olhos de Saturno enchem-se de ódio. Ele para e encara seus perseguidores.

- O que vocês acham de chamar os outros Nove? Ou então convocar todos os vampiros do Reino? Aí eu mato todos juntos! – urra o índio.

Os dois perseguidores se entreolham, não sabem que ele já tinha matado quatro deles.

Fazem um sinal e os outros vão cercando Saturno.

- Estão todos aqui? Ótimo!

O Rei apenas observa do alto.

Quando eles atacam o indígena tem a vantagem de ter um milênio e meio a mais de idade.

Seu corpo cura os cortes e fraturas rapidamente.

Um a um seus inimigos são abatidos. Quando quatorze vampiros já foram mortos, o Rei salta do camarote.

Passando por um dos outrora Quinze, toma sua espada e manda que todos se afastem com exceção do capitão dos quinze, Axel.

- Creio que quis chamar minha atenção! – sorri o tirano.

- Na verdade você pouco me importa... Eu quero falar com Ângela.

O brasileiro os observa cuidadosamente.

Ao lado de Saturno, o capitão Axel se move perigosamente. A malha de aço do capitão não pode ser perfurada por um simples punhal.

Com movimentos rápidos, o índio corta todas as alças de couro do colete e do capacete.

Antes de o capitão dar um passo, sua armadura vai ao chão, deixando-o nu da cintura para cima.

- Manda esse paspalho embora. JÁ! – ordena.

O tirano faz um sinal e Axel sai do grande salão.

- O que o faz pensar que pode me vencer? – pergunta o rei.

- Eu só quero ver a rainha... – pede Saturno.

O rei Sylex não parece escutar seu pedido.

- Eu tenho oitocentos anos! Sou um poderoso vampiro e não vou deixar você roubar meu trono! – diz o rei.

O vampiro índio já está de saco cheio.

Em um instante suspende o soberano pelo pescoço. Seus olhos puxados estão vermelhos e os dentes completamente expostos.

O rei Sylex enfia a espada no estômago de Saturno, engasgado e surpreso com sua força.

O índio quebra o pulso do rei e junto a lâmina da espada.

Joga o soberano longe e com a mão livre arranca a espada, jogando-a ao chão pedregoso.

Sylex não acredita no que vê. No momento em que a espada é arrancada do corpo, a ferida se fecha.

Mesmo ele que é o vampiro mais velho do reino, não alcançou tal nível.

- Espero que você me escute agora. – avisa Saturno.

O rei vampiro se levanta, prestando bem atenção em que seu adversário diz.

Saturno dialoga calmamente com o rei, como um adulto conversa com uma criança birrenta.

- Eu quero apenas falar com a Ângela, pode ficar com sua cidadezinha e seu título real.

- Impossível! Ela é minha companheira! – diz Sylex exaltado.

Os olhos negros do índio ficam novamente vermelhos. Ele franze a testa.

Seus dentes começam a crescer involuntariamente.

- Você dorme com ela? – quer saber o índio em um tom ameaçador.

Sylex mexe as mãos negativamente.

- Eu? Não, não! Esta honra foi apenas do Grande Saturno I de quem ela é órfã.

Obviamente, ele ainda não percebeu com quem conversa.

- Eu quero vê-la! – pede Saturno.

- Mas é claro! Acompanhe-me! – Sylex começa a guiá-lo.

Saturno o segue vigilante. Eles caminham por corredores escuros e silenciosos.

Param em frente a uma porta de madeira grossa. O soberano bate com força.

Após alguns momentos de silêncio, uma voz feminina responde.

- É você Sylex? Você sabe que não gosto de ser incomodada! – reclama a vampira.

- Eu... Quero que converse com alguém...

Silêncio.

- Se for algum panaca da corte eu to fora! – avisa ela.

Saturno treme de ansiedade, não agüenta mais e bate na porta quase rachando a madeira.

- Angel? Sou eu! Seu Saturno! – grita ele.

O rei Sylex dá um passo atrás. Põe a mão sobre a boca, como se quisesse esconder seu espanto.

Dentro do quarto, Ângela fica silenciosa.

Após um curto tempo ela abre a porta, furiosa.

- Seu desgraçado! Vou quebrar sua cara maldito!

Quando ela dá de cara com Saturno, que sorri, abre a boca de espanto.

Logo se recobra e acerta um poderoso murro em Saturno. Ele cai sentado.

- Quem você pensa que é? IMPOSTOR! – grita Ângela.

O índio se levanta e quando a vampira torna a atacá-lo, ele a detém com uma mão.

- Um impostor conseguiria fazer isso? – pergunta ele.

- Não... - diz ela espantada.

A puxa para bem perto dele. Os corpos colados.

Ele sente os contornos sensuais da vampira e a beija na boca sentindo a mesma emoção de cinco séculos antes.

Um beijo longo e molhado.

- Um impostor faria isso? - pergunta ele.

- Não... Sá? – quer saber ela com os olhos semicerrados.

- Sim. Sou eu... – responde ele aspirando o perfume suave que exala da moça.

O rei apenas observa, horrorizado. Não consegue acreditar no que vê.

Ângela se move rapidamente e acerta um murro tão forte no estômago de

Saturno que quebra algumas costelas.

O imortal dobra o corpo em dois.

- E onde você estava todo esse tempo, desgraçado? – grita ela.

Caído no chão, o índio se levanta rindo, as costelas se refazendo rapidamente.

- Um bom tempo congelado, outro levantando informações sobre onde você estava e algum tempo planejando a travessia pelo atlântico!

O rei sai silenciosamente pelo corredor.

- Por tantos séculos, pensei que você estava morto... – diz ela derramando várias lágrimas.

Ela passa a mão no rosto pálido dele parta se certificar que ele está mesmo ali; que não é um sonho.

Sylex corre na escuridão, não pode deixar que roubem sua coroa.

Ele sabe o que fazer, começa a bater nas portas dos vampiros mais fortes do reino.

- Nós precisamos ir embora, o rei fugiu, mas vai voltar! – avisa Saturno.

- Sylex? Ele é bom. Não faria mal a uma mosca!

Saturno balança a cabeça. Mesmo após quinhentos anos sua amada não mudou muito.

Logo eles ouvem nos corredores os passos de uma multidão que se aproxima.

- É? Pelo jeito ele conseguiu te enganar!

Saturno aponta para Sylex, que vem a frente de mais de duzentos vampiros armados de machados e facões.

- Ali está a traidora! – grita o soberano.

Saturno levanta seu punhal e avança sobre a multidão que reage também.

Faíscas saltam do aço que se choca, mãos e braços são decepados sem piedade.

- Parem! Ele é SATURNO! – grita Ângela.

Todos que não estão diretamente envolvidos na batalha param surpresos. O nome do índio é venerado como o de um Deus.

- é mentira! A rainha está louca! – acusa Sylex.

A vampira ordena que Saturno pare de ferir seus súditos.

O brasileiro larga a arma. Imediatamente é cercado e dominado por dezenas de vampiros.

- Eu posso provar o que disse! – avisa Ângela.

- Pois terá que provar mesmo!

O tirano tem planos para os dois, mas para seu desgosto, o conselho de vampiros decide ficar com a guarda da Rainha e de Saturno até o fim da investigação.

Frustrado, logo o Rei pensa em um estratagema.

Há no reino um vampiro louco. Ele havia aparecido há algumas décadas atrás.

Ele é um mutante, monstruosamente deformado.

Ninguém sabe quem o tornara um imortal, e nem o porquê de sua força gigantesca.

Fora necessário uma grande quantidade de imortais para capturá-lo e prende-lo.

Após uma semana presos, os dois voltam a se ver em um grande tribunal. O rei Sylex, acusa a rainha Ângela de traição e loucura.

Ele também propõe sacrificá-la.

A vampira rebate, dizendo que ele é o lendário Saturno. O autêntico.

Aquele de que todos falam.

E é exatamente o que o rei espera que ela diga.

- Se ele é “Saturno”, deve provar, lutando com o vampiro mais poderoso do reino! – argumenta Sylex.

Os membros do conselho começam a discorrer e o juiz pede silêncio.

- E este vampiro seria você? – quer saber o juiz.

- Não, não senhor! Se ele é o Grande Saturno, deve lutar contra o “anormal”!

Ângela fica mais pálida do que já é.

Todos começam a cochichar baixinho.

- Silêncio! – grita o juiz. – E você? O que diz nossa soberana?

A sugestão é clara. Se ela não concordar está mentindo para o povo.

- Eu acho... Que envolver o anormal é um erro... Existem outras maneiras de se provar... – ela hesita.

- E eu digo que se ele é o grande Saturno, é o único que pode sobreviver em uma luta contra o anormal! – grita Sylex interrompendo-a.

Ângela pesa fortemente as palavras do tirano e quando vai responder é interrompida pelo juiz.

- O que acham conselheiros? O estrangeiro diz ser o Grande Saturno! Deve ou não provar quem é em uma prova de força? – instiga o juiz.

Pela leve piscada do Rei, Ângela percebe que todo o julgamento não passa de uma grande encenação.

Os conselheiros conversam entre si.

E logo decidem: o índio deve provar quem é vencendo o anormal, na próxima noite de lua cheia.

Saturno é levado para uma cela e passa o dia guardado por mais de trinta soldados.

A vampira também é escoltada aos seus aposentos, onde fica encarcerada até a noite de lua cheia.

Apesar da dificuldade de se comunicar mentalmente durante o dia, o rapaz de longos cabelos negros faz um esforço para entrar em contato com Ângela.

- “Você acha que sou capaz de vencê-lo?”

- “Eu não sei.” “Ele é fortíssimo, e pior, não sente medo algum da morte e isto o torna muito mais perigoso!”. – responde ela em pensamento.

Saturno resolve descansar o máximo possível para a luta. As noites passam rapidamente, trazendo nas costas a tão esperada lua cheia.

O índio é tirado da cela e levado até um grande salão, cujas paredes são feitas de imensas pedras sólidas, lixadas até ficar liso como sabão.

Uma grossa porta de metal fundido se fecha sobre suas costas.

Enquanto está dentro do grande corredor, lhe oferecem o sangue de um escravo humano.

O imortal recusa, pois acredita ter energia suficiente. Se apenas imaginasse o que lhe está reservado, talvez tivesse aceitado.

O salão é circular e a quinze metros de altura, grandes camarotes protegidos por grades.

Nestes camarotes estão os mais influentes membros da sociedade vampira

Ângela está cercada por dezenas de guardas.

No lado oposto ao de Saturno, uma grande porta de metal se abre. Uma criatura monstruosa aparece, mancando de uma perna.

Leva nas mãos um escravo.

O mesmo humano que o índio recusara-se a sacrificar.

Aquela ser monstruoso, chamado de anormal, arrasta os restos do humano por uma das pernas.

O escravo está morto, teve a espinha partida e seu sangue drenado corre nas veias pulsantes do Anormal.

Saturno rosna sua ira.

Quando a criatura vê outro vampiro na arena, sua face deformada toma uma expressão maléfica.

Atira o cadáver sobre o rapaz de longos cabelos negros.

É como atirar uma pluma contra um rochedo.

Saturno olha fixamente o Anormal, pronto para atacar.

Em um milésimo de segundo, se surpreende. O monstro some de seu campo de visão e o atinge por trás.

O índio cai no chão, surpreso, com a velocidade e força do golpe que sofreu.

Rapidamente salta e com suas garras, corta profundamente o peito nu da criatura.

Esta grita e devolve um soco tão poderoso, que o indígena voa, batendo violentamente contra a parede de pedra do outro lado da arena.

Ângela solta um gritinho, assustada.

O Anormal, apesar de forte, não é acostumado a sentir dor.

Algo, na altura do seu estômago se mexe.

Para o espanto de toda a platéia que já vira centenas de lutas do monstro, um par de olhos e uma boca torta se abrem no estômago do Anormal.

Com uma voz rouca, aquela coisa na barriga da criatura começa a choramingar.

- Poooooor Favooooooooor... Maaaataaaa eeeleeee... Euuu nããããããuuuuuu queeeero ficarrrrr cooooommm essteeeee moooonstro!

Muitos se levantam, horrorizados.

Saturno abre a boca, sabe que aquele é um gêmeo parasitário, que provavelmente se fundira durante a gestação. Coisa comum em filhos da radiação.

Está tão espantado, que desvia no último instante por pouco de um golpe.

O vampiro monstro abre um buraco na rocha da parede com o soco que deu. Saturno corre para o outro lado da arena.

O anormal vê um enorme pedaço de rocha e levanta suas duas toneladas, pronto para atirá-lo contra seu inimigo.

O brasileiro nota que o anormal está sobre uma grossa chapa de ferro. Antes que o anormal jogue o bloco, Saturno avança e pega na ponta da chapa, puxando-a.

Depois se afasta para ver tudo cair.

O bloco esmaga o braço direito da criatura, se faltava algo para enfurecê-lo, não falta mais.

Ele se livra da rocha e parte para cima do índio.

Os dois começam a trocar golpes na arena. Saturno chuta o anormal no estômago, o gêmeo grita de dor.

- Poooooor favoooooor! Meeeee Maaaaateeee... – grita o amalgamado.

O anormal agarra o brasileiro e começa a esmagá-lo em seus potentes braços.

Logo o brasileiro começa a se debater, tentando se soltar.

Uma das portas de ferro se abre e o capitão Axel entra. Carrega uma comprida e afiada foice.

- Não! – grita Ângela.

O capitão ri e avança sobre Saturno, cravando a foice nas costas dele. O índio sente a dor aguda nas costas e olha para trás.

Acerta um chute tão forte na cara do capitão que seu nariz afunda no rosto.

Axel dá alguns passos para longe da batalha.

Saturno crava as garras no gêmeo, ouve um gemido horrível e sabe que ele está morrendo.

- Obrigaaaadooo...

O gêmeo fecha os olhos para sempre.

Sentindo uma dor rasgando seu corpo, o monstro solta o índio.

Axel, já recuperado, volta a atacar Saturno. Este revida, acertando um murro no pescoço do capitão.

Ele cai no chão e o rapaz de longos cabelos negros arranca a foice das costas.

Axel salta e cai em frente à Saturno. Este faz uma meia-lua com a foice cortando o corpo do capitão ao meio.

A parte de cima de Axel fica se contorcendo como uma barata.

Saturno, pego por trás, é atirado contra a parede por um murro do anormal.

Finge-se de morto, até a criatura deformada chegar mais próximo. E só então crava profundamente a foice no peito do monstro.

Este parece não sentir, levanta Saturno pelo pescoço, aponta o gêmeo morto e tenta falar algo.

Tudo o que consegue são guinchos ininteligíveis. Mas o Anormal parece feliz, excessivamente feliz.

Neste momento Saturno compreende:

Ele lhe tinha feito um favor ao matar o irmão.

- Desgraçado! – urra o índio.

Com uma mão tenta alcançar o cabo da foice, e com a outra, evita ser estrangulado pelo Monstro.

O anormal sorri perversamente. Percebe a intenção de do rapaz de longos cabelos negros e arranca ele próprio a ferramenta afiada.

A joga longe do alcance do índio.

Silenciosamente o rei Sylex desocupa seu trono e começa a descer em direção à arena.

Todos estão distraídos com a luta e ninguém além de sua guarda pessoal nota a ausência do soberano.

O anormal gargalha e com as duas mãos estrangula Saturno.

Mais alguns segundos e ele vai destroçar sua coluna vertebral e então será o fim. O corpo do rapaz de longos cabelos negros não conseguirá se curar tão rápido.

Entrando na arena, o Tirano pisa no corpo do capitão Axel e devagar saca a própria espada.

Independente de quem saia vivo, ele será o único vencedor.

Ângela, vendo que Sylex pretende matar os dois, rapidamente toma a espada de um segurança distraído.

Após derrubar diversos vampiros que tentam lhe deter, ela desce em direção a Arena.

Está desarmada. Deixou a lâmina cravada na cara do Juiz.

O índio sente sua vida esvair pelos dedos do anormal. Ele é extremamente poderoso.

Nunca imaginou encontrar um imortal assim. Sua única chance é atacar a mente da criatura.

Entra nas lembranças dele como um balde de ácido, corroendo suas memórias.

Escava as lembranças podres com dedos invisíveis.

Descobre que o Anormal é tão deformado por dentro quanto por fora. É um psicopata.

Sua única lembrança boa é de uma mulher humana, que cuidou dele quando bem pequenino.

O único ser que não o rejeitou por sua aparência monstruosa.

Saturno se esforça ao máximo, para que a criatura a veja em seu lugar.

A ilusão é tão perfeita que mesmo outros vampiros menos experientes se levantam nos camarotes, sem entender como aquela mulher fora parar na arena.

O monstro para, e com lágrimas nos olhos começa a sorrir.

O vampiro indígena aproveita os poucos segundos de vantagem e enfia a mão no buraco aberto no peito do Anormal. Arranca o coração do monstro surpreso enquanto a ilusão se desfez.

O filho da noite deformado urra e com o pouco de força que lhe sobra quebra o pescoço de Saturno.

Os dois vão ao chão. O Anormal está morto, e o índio não pode se mover.

Está consciente e vê quando o rei Sylex puxa o cadáver do monstro.

- Agora eu sou o mais poderoso! – clama ele levantando a espada.

A vampira acaba de entrar na arena, rápida e silenciosamente, pega a foice. Os súditos, vendo isto, fazem um silêncio mortal.

Corre na direção do soberano para matá-lo.

Infelizmente, o rei vê o reflexo de Ângela nos olhos negros do brasileiro. Vira-se quando ela está ao alcance de um golpe.

A espada penetra-a pelo peito, saindo pelas costas.

Um filete de sangue escorre pela boca da rainha e ela larga a afiada ferramenta, caindo de joelhos.

Saturno grita, mas sua voz não sai, pois sua traquéia está esmagada.

Sylex puxa a espada lentamente, saboreando o sofrimento da rainha que ele tanto odeia.

Com sua intensa força mental, o rapaz de longos cabelos negros consegue fazer seu braço esquerdo se mover.

Ângela cai no chão pedregoso. De seu peito ferido escorre um sangue que não é dela. O sangue tomado aos escravos humanos.

Saturno obriga seu corpo a se levantar. Não sente nada e passo a passo, caminhando como um autômato aproxima-se de Sylex.

Sua mão esquerda agarra o rei firmemente pela nuca. O tirano acuado enfia a espada na barriga do estrangeiro, torcendo a lâmina para que ele sinta dor.

Saturno não sente nada.

A parte abaixo de seu pescoço está completamente insensível.

Com a cabeça caída de lado sobre o ombro, o índio sorri com os olhos completamente vermelhos.

Segura o corpo de Sylex e puxa a cabeça com extrema violência.

A coluna vertebral sai junto com o crânio. Se contorce fora corpo como uma cobra, mostrando a dor inacreditável que ele deve estar sentindo.

O sangue jorra aos borbotões e dos olhos do Tirano escorrem lágrimas rubras.

O corpo de Sylex cai no solo e os expectadores que começaram a gritar ao vê-lo ser atacado voltam a fazer um silêncio fúnebre.

Saturno arranca com alguma dificuldade a espada do próprio estômago. Em frente aos espantados vampiros, corta a cabeça de Sylex ao meio, dando fim ao seu reinado do mal.

O grito de morte do tirano ecoa pelas paredes da arena.

Pouco a pouco o corpo do filho da noite índio começa a voltar ao normal, embora muito dolorosamente.

Ângela se levanta, o ferimento no estômago fecha lentamente. Os vampiros começam a invadir a arena.

Todos os olham com medo e ódio.

- “Me deixem em paz!” – ordena Saturno mentalmente.

Todos escutam sua fúria ecoando dentro de cada um deles.

Em poucos segundos a Arena está vazia.

Saturno pega sua amada no colo. Ela o abraça sentindo deu rosto frio.

- Vamos embora?

- Não. Eu não vou. – avisa a vampira.

Ele a olha com muito espanto.

A garota se explica: Há muitos séculos ela é a rainha e edificou uma cidade. Impôs leis.

Ela não pode simplesmente abandonar seu povo!

Após enfrentarem a pouca resistência dos antigos aliados de Sylex, Saturno é coroado rei.

Passa alguns séculos felizes com sua amada, mas logo algo começa a lhe incomodar.

Deixando Jean como seu suplente, resolve partir.

Ângela cobra uma explicação.

- Quero procurar os anciões. – avisa Saturno.

- Eles estão mortos... – a vampira tenta demove-lo, com lágrimas nos olhos.

Ele fica quieto por um momento.

- E eu estava?

O silêncio de sua amada é resposta suficiente para o vampiro. Ele a toma nos braços uma última vez.

Seu beijo é longo e amargo, um beijo com gosto de despedida.

Com seus poucos pertences em um alforje, Saturno vira as costas. Naquela noite escura, Ângela continua observando o portal de pedra, por onde seu amor foi embora.

- Saturno...

O vento sussurra seu nome junto com a vampira.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 04/04/2008
Código do texto: T930170
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