Feia, de uma magreza esquisita. A postura alterada,  acentuava o aspecto da corcunda. A risada nervosa e a voz fininha soavam desagradáveis. No entanto, estava sempre bem humorada e sorridente.

A natureza havia pecado inúmeras vezes contra aquela criatura.  Consciente das limitações, ela criou um personagem. Vivia encerrada na figura gótica  e misteriosa. Atraía olhares por onde passava e era sempre o centro das atenções.

Não era solitária, ao contrário, tinha muitos namoradinhos. Usava roupas sensuais e botas de cano alto, correntes e o cabelo vermelho bem comprido. Exótica feiúra, exalando sensualidade e alegria.

Fazia faculdade de letras e escrevia poemas e músicas. Participava de todos os eventos, era popular e querida. A ausência da beleza, Fafá compensava em simpatia.

No grupo de ‘’amigas’’,  Laura era a mais bonita, fazia o gênero Barbie, sempre de salto alto e muitos acessórios: - Nossa a Fátima hoje está um horror, coitada da Mortícia Addams.  Não avisaram para ela que o ''Halloween'' já passou?

-  Quanta  maldade ! Você não suporta a menina.

- Está com pena? Deviam proibir esta louca de sair na rua.

E Laura continuava rindo e debochando. Passava o tempo inteiro criticando e falando sobre Fátima:- Você não está com inveja? Desculpe mas você não para de falar sobre ela

- Está louca?  Do monstrinho? Tenho pena dela.

- Não deveria. Olha o Carlinhos colado com ela, no maior romance.

- Carlinhos? Não acredito.

Fátima realmente saía com muitos homens e não dava a mínima para a opinião dos amigos. Janaína e Laura,  mal acreditaram quando viram os beijos escandalosos no ponto de ônibus:- Estão se devorando, o que isso? Olha Jana, olha.

- Estou vendo, só queria saber a macumba que ela freqüenta.  

- Não estou achando graça. Eu estava saindo com o Carlinhos e ele pediu um ''tempo''. O que ele viu nesta ''piranha''?

- Desculpa Laura não sabia, não devia ter brincado, vamos sair daqui?

- Claro que não, vou ver até onde isto vai, se não for minha amiga pode ir embora, vou sozinha.

Pegaram o mesmo ônibus e não tocaram mais no assunto. A viagem de quase duas horas,  até Jacarepaguá foi feita em silêncio. Laura estava furiosa: - Ela é metida a bruxa, vai ver fez mesmo alguma ''simpatia'' para encantar o Carlinhos

- Vão descer no ponto do motel, não disse? Vão transar  a tarde toda.

- Cala a boca Janaína, vou dar uma lição nesta ''maga de araque''

Laura estava corroída pelo ciúme. Sem medir conseqüências,  comprou um livro de feitiços na lojinha de artigos religiosos do bairro:-  Laura, não faça , você é tão bonita, pode ter qualquer homem aos seus pés.

- Vou fazer. Sabe de uma coisa? Você está me atrapalhando. Vá embora!

Escolheu  o '' trabalho'' mais forte, invocações com todos os nomes do demônio. O ódio que trazia no coração era o mais potente dos ingredientes.

Estava disposta a ir até o fim e obter resultados. Fez um feitiço de separação e usou o próprio sangue para fortalecer a magia negra. Um vento estranho soprou no exato momento em que acendia grossas velas negras, um vento cheirando a desgraça.

Coincidência ou não, o casal amanheceu morto no dia seguinte. Um vazamento de gás  no banheiro,  havia posto fim ao romance recém nascido. As famílias e os amigos estavam estarrecidos.

O enterro reuniu uma multidão.  Os jornais anunciavam a tragédia:  '' O casal de namorados'' e a infeliz tragédia dos jovens  apaixonados...

Laura sentiu muita raiva, não havia pedido nada disto nos seus feitiços. Queria separar o casal e não matar Carlinhos. Com o tempo, perdida em remorsos entrou em profunda depressão.

Em dois meses, desfilava uma magreza mórbida.  Pintou o cabelo de vermelho como a defunta e o preto era a única cor que se permitia. Longos vestidos negros e maquiagem pesada.

Os amigos preocupados tudo faziam ajudar. Laura havia criado um mundo sombrio e vivia reclusa. Os pais decidiram internar a menina, já haviam tentado todos os recursos.

Sentada no pátio da clínica psiquiátrica Laura conversava animadamente com sua melhor amiga, horas e horas compartilhando histórias antigas e muitas risadas.

Tinha adquirido a mesma postura curvada de Fátima e os que haviam conhecido a morta ficavam chocados com a absurda semelhança entre as duas meninas: - Fafá, eu não gosto mais de ficar presa neste lugar.

- Amiga, aqui é tão bonito, cuidam de nós com carinho, ficamos juntas todo o tempo.

- Não vai me abandonar Fafá? Você me perdoou não é?

- Claro que perdoei. Vamos ficar juntas para sempre Laura, não se preocupe.

Os médicos observavam Laura sozinha no banco do jardim. Após um ano de tratamento ela insistia na amiga imaginária e não interagia com mais ninguém.

Os pais,  visitavam a filha toda semana . Ficavam olhando de longe. Nenhuma tentativa de aproximação surtiu efeito:- Não sabemos mais o que fazer com Laura.
-Nossa filha está definhando. É uma morta viva. Laura está cada dia pior. Estamos assustados doutora

-Estamos fazendo tudo, o caso de Laura é complicado, vamos aguardar o efeito de um novo medicamento, precisamos ser otimistas. Tudo de mais moderno será utilizado no tratamento da sua filha.
- Salve nossa menina, é tudo que temos na vida.

Algumas vezes discutindo com o invisível, Laura  tinha ataques e desmaiava.  Gritava que não conseguia respirar e estava sufocando. A situação tornou-se crítica.
Laura era mantida amarrada á cama. Mesmo sedada ela delirava:- Fátima ? Fale comigo amiga, você está aqui? Fátima não me abandone...

- Estou ao seu lado , falta pouco para deixarmos este hospital de malucos.

- Você tem certeza? E para onde vamos?

- Vamos para um lugar muito bonito. Não tenha medo, não vou te abandonar, vamos ficar juntas.

- Prometeu que nunca ia me deixar sozinha Fafá, você prometeu...

- Nunca vou te deixar Laura . Feche os olhos querida, descanse...


Quando os enfermeiros encontram o corpo sem vida de Laura ficaram assustados com a expressão da morta. Um sorriso torto e os olhos muito abertos, as mãos retorcidas como garras. Não houve quem não rezasse uma prece ou fizesse o sinal da cruz. Ninguém acreditou que aquela alma houvesse partido em paz.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 28/03/2008
Reeditado em 02/11/2008
Código do texto: T921106
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