POIESIS
Mantinha seus olhos fixos na tela do computador, não podia acreditar que o fim estava tão próximo, depois de meses escrevendo seu novo livro bem ali estava o último capítulo.
Os livros de Jonas sempre foram conhecidos pelas tramas bem escritas, personagens cativantes e finais tão polêmicos quanto inesperados. Premiado e venerado no meio literário, Jonas mantinha um estilo de vida bastante simples e recluso em seu apartamento. Lia e escrevia o tempo todo. Esta noite não foi diferente.
Porém algo o incomodava - era a vida de Veníni. Sua deusa, sua inspiração, a heroína de seu novo livro e amor idealizado que ele tinha absoluta certeza que seria imortalizada na obra que ele faria o possível para transformar em um clássico. Era o último capítulo, não tinha como Noscro, o vilão, não matá-la.
Pensava, relia os capítulos anteriores, fumava, xingava, bebia café, voltava a pensar, gritava, tinha que salvá-la.
Mas não conseguia, todos os capítulos levavam Noscro a querer vingar-se do que ele achava ser a traição de Veníni. Mesmo colocando todos os detalhes e situações possíveis Werner era incapaz de cuidar de sua amada no final.
Jonas encarava a tela, seus olhos já estavam pesados, mas ele não queria parar até conseguir achar uma maneira de salvar Veníni, ela era o ápice de tudo o que ele já tinha conseguido criar, não se daria ao luxo de descansar sabendo de seu final.
Fechou os olhos, deu um suspiro, abriu e tomou um susto – o quarto, as velas, o espelho, os quadros...ele conhecia aquele lugar – era o quarto de Veníni!
Ouviu a porta abrindo, escondeu-se atrás da longa cortina.
Veníni entra, está linda, em palavras ele jamais conseguiu descrever a beleza que agora ele contemplava, ela estava acompanhada, era Werner.
- Conseguimos, aqui Noscro jamais nos encontrará, finalmente estamos a salvo, meu amor.
- Ele te fez sofrer demais, mas agora ele não poderá mais te machucar, minha querida.
Werner tira de seu sobretudo um revolver e o coloca na mesa próxima a cortina.
- Ele, você...foi difícil?
- Sim, jamais matei alguém, mas Noscro não merecia compaixão, saquei a arma, mirei e atirei. Depois fui até o corpo e me certifiquei que ele estivesse morto.
- Meu Deus, que horrível, nunca pensei que um dia seria uma...
- Não diga nada, meu amor, foi escolha minha, não podia mais assistir a tudo que você passava nas mãos dele e não fazer nada, aquele manipulador maldito pensava ter o controle sobre a sua vida, te escravizava, aquele verme...
- Não digas nada, não estraguemos nossa primeira noite nos lembrando dele...
A cabeça de Jonas doía, ele não entendia como Werner, o seu herói, tinha se tornado um assassino tão frio, nem um homem tão decidido... a indecisão e o martírio da dúvida são a alma de qualquer herói... e sua amada, sua bela Veníni, era então isso? Uma simples cúmplice de um crime barato? Uma reles mortal que se entregava a paixões mundanas e era capaz de concordar com o assassinato de um outro ser humano? Ela não era uma deusa, ela era uma mortal, os deuses sentem prazer em sofrer para a alegria de seus carrascos e assim manter toda a sua soberania no mais sublime dos mundos – o ideal, só os mortais são capazes de gastar as suas vidas pensando que têm direitos plenos para apaziguar o sofrimento da existência.
Jonas sai detrás da cortina e pega o revólver, Veníni olha aterrorizada para o homem que ali está. Werner, pálido, não consegue falar, apenas abraça a sua amada.
Isto aumenta o ódio de Jonas, ele olha nos olhos de Veníni, aquela mulher falsa que ele se comprometera em tornar eterna, não sabia ela que ele era o senhor de sua vida? Não sabia ela que ele estava lutando o tempo todo para aumentar o tempo de vida dela? Ela não tinha nenhum valor. Ele puxou o gatilho.
Werner assiste sua amada morrer em seus braços, com as mão molhadas de sangue, ele foi apenas capaz de balbuciar:
- Eu te matei.
Outro disparo, Jonas chega perto dos dois corpos, checa se estão mortos, havia encontrado o final que, se não era perfeito, era o justo para duas almas tão malditas.
Olhou ao redor, observou atentamente o quarto, pegou uma das taças sobre a mesa, deitou o revólver e bebeu lentamente o líquido.
A empregada chegou cedo e, primeiro achou que Jonas dormia sobre o teclado, mas ao chegar mais perto e notar o revólver e os dois tiros na tela soube que havia algo de errado. Chamou a polícia e uma ambulância mas era tarde demais. A perícia encontrou uma taça com veneno encima de sua mesa e a autópsia confirmou o envenenamento. Encontraram em seu computador o último arquivo em que ele trabalhou, uma centena de páginas em que estavam digitadas uma única frase: “ Não és digna de minha obra”.