MONTNOIR

O que eu vi jamais deveria ter sido visto, o que eu ouvi jamais deveria ter sido ouvido. Meu deus que horror! Quando poderia eu imaginar que os delírios de Claude o levariam a cometer ato de tal forma grotesco e de tal forma hediondo. Não tenho força mental para descrever mais de uma vez o que fui capaz visualizar e escutar na meia-luz na qual se encontrava aquela sala. Só escreverei uma vez aquilo que me foi uma revelação grotesca das capacidades selvagens das vontades mais íntimas do ser humano.

Primeiro devo descrever meu amigo, Claude du Montnoir, para falar do que foi aquela visão tantálica. É um jovem hoje de vinte dois anos, magro e frágil de compleição, dono de uma pele branca ao extremo, lembrando com certo realismo a imagem de um doente, e de olhos azuis que invariavelmente demonstravam tristeza e melancolia mesmo nos momentos que estava na mais completa euforia . Apesar de ser um grnade amigo meu, devo admitir que a presença de Claude em qualquer ambiente era capaz de tornar o ambiente de tal forma depressivo e sombrio– chegando a lembrar em alguns casos o mais gótico dos personagens da literatura romântica– que parecia um arauto lúgubre ou um cortejo fúnebre em nossa frente.

Talvez essas feições do rapaz de alguma maneira sejam a origem de sua personalidade. Era um homem que apresentava uma profunda sensibilidade poética, sendo um anacrônico poeta baudelairiano que possuía ainda os exageros emocionais da mal-du-siècle e todas as suas bizarrices e gostos excêntricos.

Sua família é de uma antiqüíssima linhagem que se prolonga até o período da dinastia merovíngia, dona de uma vasta riqueza. Era dona de muitos castelos, senhora de muitos vinhedos e , mais recentemente, investia com muita freqüência nos mais diversos setores da economia mundial. Nunca houve necessidade de Claude trabalhar para obter seu dinheiro. Outro detalhe que era interessante na família du Montnoir era que esporadicamente surgia nela figuras que eram semelhantes a figura de meu amigo. Uma vez me disse que um antepassado seu correspondera-se por longo período de tempo com o divino marquês– chegava a afirmar que muito do os cento e vinte dias de sodoma havia sido uma adaptação das epístolas de seu antepassado com Sade– noutra vez, me disse que outro de seus antepassados havia sido colega de exílio de Villon.

Em muito também esse bizarro fato se deve a figura de Lorraine. Quando ambos se conheceram, ela era dançarina em um dos mais renomados prostíbulos franceses e das mais desejadas pelos mais ricos aristocratas de nosso tempo e de todo mundo. Dona de um magnífico cabelo ruivo, volumoso e liso, de uma pele perfeita em maciez e brancura, de um rosto angelical que nos olhos verdes e na rósea boca carnuda apresentava a mais profunda das expressões de sensualidade, sem contar com um corpo que seria a maior das torturas para os escritores do barroco. Ela poderia ter todos os homens que quisesse se curvando em reverência, ela que era a mais perfeita das belezas humanas, capaz de fazer os homens se contorcerem como helmintos; porém ela preferiu aquele jovem rapaz mirrado e melancólico que a olhava com uma expressão de nada. Foi amor a primeira vista, um amor maior que a morte.

Assim que se casaram ambos foram viver no chateau da família de meu amigo na Normandia, castelo o qual marcava a origem de sua família. Em suas correspondências me afirmava constantemente estar vivendo o período mais feliz de sua vida desde sua infância, elogiava sua esposa como uma mulher gentil, amante da arte, interessada naquilo que ele lhe mostrava. Claude me dizia ver ali tudo que nem sua mãe nem seu pai foram capazes de dar-lhe.

Eu li estas cartas por meses a fio. Até que uma delas se mostrou totalmente diferente das outras.

“Meu amigo, preciso de sua companhia aqui comigo mais que em todas as horas. Venha ao Chateau du Montnoir, na semana que vem. Lorraine morreu de pneumonia, estou já está enterrando seu corpo. Preciso que me acompanhe neste luto, temo que no estado mental em que me encontro em breve cometerei sucídio. Venha por favor!

Te esperarei enquanto choro minha lenora”

Ao saber da necessidade de meu amigo, de prontidão arrumei minhas malas. Em menos de três horas já havia embarcado num trem destinado a normandia.

O castelo era marcado por um profundo estilo gótico medieval, com alguns detalhes do estilo neogótico em alguns pontos da área externa. A fachada do castelo era decorada por gárgulas com aparências medonhas feitas de pedra negra e por várias janelas antigas. Logo na frente do castelo se encontrava também um lago que nda mais posso dizer sobre ele além da horrível impressão de estar observando todas as ações humanas que transcorriam no castelo por meio daquela superfície baça. O interior era igualmente triste e opressivo, oriundo da presença mórbida de rosas negras em todos os vasos presentes em todos os ambientes e pelo aspecto sombrio de todas as câmaras do chateau em virtude das janelas fechadas por cortinas pesadas. Eu notava isso na progressão que avançava pelo corredor central na companhia do mordomo, que parecia incrivelmente feliz dentro de tal ambiente.

Se antes a opressão me abatia ao entrar na casa, agora ela me consumia como uma parasita faminta quando pude me deparar com o perfil de meu amigo. Era agora magro ao ponto de lembrar uma vítima das mais negras fomes africanas, seus olhos eram fundos e marcados por olheiras semelhantes a hematomas, a íris era uma tonalidade de azul que me causava mais espnato quando me tocava da terrível semelhança com aquele horrível lago baço na frente do castelo. Não samente isso, mas seus gestos me soavam de forma incrivelmente neurótica- notei constantes tremeliques de sua mão, seus olhos estavam constantemente arregalados e rondavam os ambientes como um animal temeroso do ataque de um predador. Ao olhá-lo sentia meu cérebro sendo afogado em féretros e matéria putrefata– eu contemplava o perfil da loucura.

– Meu amigo!– me disse num estado de euforia que soava ao bizarrismo– como esperei ansiosamente por você! Mon dieu! A morte acaba conosco os vivos– adotando um tom irônico– eu estou acabado com a morte de Lorraine! Quero voc^^e aqui pois você é o único para quem posso contar meu segredo maior, porém espere um pouco, fique um tempo. Bertrant vai lhe mostrar seu quarto, mas não agora. Conversemos um pouco.

Falamos sobre morte basicamente, falamos sobre lorraine quase o tempo todo. Nem mesmo Poe poderia ter imaginado choro maior por uma mulher amada. Eu via ali um transtorno horrendo.

Eu quis saber somente de dormir quando cheguei a meu quarto, que de uma maneira curiosa era capaz de ver tanto o cemitério quanto o horrendo lago que me vigiava.

Na manhã seguinte eu decidi prestar minhas homenagens a falecida. Fui a cidade mais próxima comprei algumas rosas para tal intento.

Em virtude da antigüidade da linhagem de meu amigo, eu já esperava que me demorasse um pouco para encontrar a lápide, ou efígie, ou o que quer que fosse que guardasse o corpo de Lorraine. O cemitério era uma mistura morbidamente bela de obras de arte góticas, renascentistas, neoclássicas e neo-góticas. Era uma mar de morto cobertos por estátuas de anjos da guarda de olhares ferozes, anjos que choram, ninfas e todo uma mixórdia de mitologia pagã e cristã.

Eu fiquei horas procurando pela lápide certa para entregar as rosas. Olhei fileira por fileira de túmulos. Eu li cada lápide de cada Du Montnoir, de cada agregado, de cada amante, de cada filho bastardo. Eu li vários nomes, li vários epitáfios, porém não consegui encontrar em nenhum momento o nome Lorraine Du Montnoir.

Ao pedir a um empregado que me ajudasse a encontrar o corpo da mulher de meu amigo, somente vi uma expressam de susto. Não poderei dizer que era uma expressão de medo, pois sei muito bem que o medo legítimo provoca olhares tantálicamente mais intensos, provoca a laceração do espírito. Ele tomou um susto rápido, porém um susto que rapidamente foi disfarçado. Ele continuou com seus serviços, me ignorando discaradamente. Não fiz esforço para obter sua atenção.

Pensei depois que o corpo dela havia sido sepultado em uma das cidadezinhas próximas. Porém a cada vez que eu investigava nos cemitérios próximos diziam que não havia registro de qualquer Lorraine Du Mont noir.

A partir daquele momento compreendi que algo estava errado.

A revelação no entanto surgiu uma semana depois. Era madrugada, eu lia o The Fall of the House of Usher de Poe perto da minha janela. A lua era um olho amarelo e inchado coberto pelas nuvens, as rosas que eu havia comprado já estavam mortas, totalmente negras, e aquele lago brilhava horrivelmente, rompendo a neblina quase pantanosa que envolvia a casa.

De repente, eu comecei a escutar passos no corredor. O chão de parquês velhos rangia, fazendo os sons do arranco de um finado. O som chegava a minha porta, chegava cada vez mais próximo. Como a porta estava entreaberta, pude ver a origem do barulho. Lá fora caminhava sorrateiro como um rato meu amgio Claude. Algo, talvez o ambiente que naquela noite era horridamente macabro, talvez o conto escabroso que eu estava lendo, talvez o mero instinto animal que existe em todos nós, não posso dizer precisamente, me dava idéias pavorosas sobre o que meu amigo faria naquela noite.

Somente sei que meu instinto me fez segui-lo.

Eu deixei que houvesse um distância razoável entre nós, poi somente precisava seguir o som dos passos de claude, que eram absurdamente pesados naquela noite.

O caminho que fazíamos era descendente, descemos por sete andares. Entramos num corredor perto da cozinha que dava para o porão e também para a adega do castelo. Descíamos agora por um corredor antigo. Era úmido, horrivelmente apertado e escuro. Era tão escuro que não mais conseguia perceber sequer os contornos de Claude. Porém o que era realmente incômodo era o cheiro cada vez mais intenso de algo talvez pútrido, talvez de bolores ou mofo, que se tornava a cada passo mais intenso enquanto eu seguia meu amigo.

Entramos em uma câmara onde havia uma porta entreaberta por onde escapva a parca iluminação de um ambiente. Aquela luz permitiu que eu visse meu amigo entrnado naquele quarto.

Fiquei ali encostado na parede na qual se encontrava essa porta. Dali eu podia ouvir a voz de claude fragmentada:

– Ah!… está aí… eu estava contando… para nos vermos de novo… está linda!

Eu fiquei curioso, ouvindo aquilo– havia outra pessoa naquele recinto!

Deus, porque a curiosidade me levou a ver aquilo?! Lá naquele quarto estava Claude se deitando numa cama onde, isso eu pude ver com clareza, havia uma mulher. Não era uma mulher qualquer- deus quisesse fosse que mulher qualquer– lá estava, exalando um cheiro abominável de morte e decomposição, o corpo decomposto com a carne já esfacelada e o rosto sendo uma exposição macabra de ossos e carne. Lá estava meu amigo se deitando com o corpo pútrido de sua mulher Lorraine!

Even in death their love goes on