O Olho da Górgona
3735 A.C.
Perseu, filho de Danai e Júpiter, ajudado pela deusa Minerva, derrota a temível Medusa. Com a cabeça da criatura acaba por derrotar o Kraken, conquistando assim o trono de Polidecto.
Colocada no tesouro real, pouco a pouco a cabeça apodrece, descarnando ao ponto de sobrar apenas os ossos.
Jogada a um canto por centenas de anos, o próprio crânio se transforma em poeira. Mas os olhos, ah, os olhos...
Mantêm a maldição de Minerva para todo o sempre.
Quando a Grécia é subjugada por Roma, suas riquezas são saqueadas. Ânforas do mais puro azeite, toneladas de ouro, prata e eléctron; tudo muda de mãos, inclusive os olhos do mal.
Um dos globos some nessa época e sob as ruínas de um palácio da antiga Grécia, escondido entre os escombros, ainda transforma pequenos insetos em pedra, quando, por descuido, o olham diretamente.
O outro globo ocular da Górgona, coberto por camadas e camadas de poeira, agora é confundido com uma pedra.
Um ourives romano, querendo agradar sua amante, mulher de um senador, engasta o curioso globo pardo em uma tiara de prata.
A peça amaldiçoa todos que a tocam e o ourives é executado por suas relações com a nobre.
O senador e sua família são punidos com a morte por conspirarem contra o César. Todas suas posses vão para o tesouro do Estado.
Roma entra em decadência e se divide em duas.
No ano 476 D.C o lado oriental cai e grande parte do tesouro é disperso.
Por mais de um milênio e meio a tiara some, passando de mãos em mãos. Por onde passa atrai desgraças e calamidades.
2199 D.C.
Anita Kirchner-Peron, aproveita o mito criado em torno de mulheres poderosas na Argentina.
Assim como sua tataravó Eva e sua bisavó Cristina, abusa de seu poder.
Ao se declarar Ditadora da República Argentina, convoca a mídia mundial para avisar que pretende atacar o rival histórico de seu país: O Brasil.
Resolve colocar a tiara Romana que confiscara da casa de um inimigo da pátria. Um jornalista que denunciara os desmandos e atrocidades do novo Governo para o mundo.
Anita acha a prata muito fosca e manda uma empregada polir a peça, usando um poderoso abrasivo.
- Rápido estúpida!
Mal nota a súbita imobilidade da serviçal, ou suas feições esculpidas em mármore.
Coloca a tiara na testa e entra na sala de imprensa, onde meia dúzia de técnicos preparam os equipamentos sem olhá-la.
Noventa e nove por cento da população mundial esperam a transmissão, pois a Argentina, sendo o primeiro país a dominar a bomba de Nêutrons, dispõe apenas dessa arma para ameaçar seu vizinho mais poderoso.
Todo o mundo está apreensivo e os Estados Unidos já prometem entrar na guerra, ao lado do Brasil. Venezuela, governada por sucessores diretos do trapalhão Hugo Chávez, mantêm sua retórica esquerdista rasteira.
- Está no ar! – avisa o técnico olhando pela primeira vez para a governante suprema de seu país.
Ela abre os braços dramaticamente, como uma Eva Perón futurista.
- Cidadãos do mundo! Nós, o povo Argentino, não vamos tolerar este... Este...
Anita hesita.
À sua frente seis estátuas em poses humanas a encaram. Fora da Casa Rosada, tradicional palácio dos presidentes e líderes Argentinos, a população em júbilo se torna subitamente silenciosa.
Um pressentimento terrível toma conta da mulher. Sem entender o porquê, a ditadora sai correndo da sala, topando com estátuas assistindo sua transmissão em Tv´s portáteis.
Chega à sacada onde vê um espetáculo assustador: Milhares de estátuas, ainda em poses sorridentes, vêem em um telão sua transmissão ao vivo.
O silêncio é opressivo e a terrível verdade transparece: Por algum motivo que Anita Kirchner-Peron desconhece, todos que a assistiram se tornaram em pedra.
Anita grita semi-enlouquecida. Rasga a roupa e arranca os cabelos.
Sobe no parapeito da sacada, pronta para se suicidar e por um momento, um brilho chama sua atenção.
A prata da Tiara.
A pedra engastada no centro da jóia a encara.
O olho da Górgona.
O que cai do alto da Casa Rosada, não é uma Ditadora, mas uma estátua que se despedaça entre seus semelhantes.
Fim