O jatinho pousou na pista da fazenda,  escondida no meio da mata cerrada em um ponto perdido do planalto. Na discreta clareira no meio do nada, o carro aguardava com o motor ligado. O motorista foi impedido de ajudar com um aceno, rapidez era a única gentileza que o passageiro exigia.

Minutos depois, um jovem e conhecido advogado,  entrou  apressado na casa grande e luxuosa. Havia intenso movimento e murmúrios de ordens. Pessoas com túnicas roxas e pretas ocultavam o rosto sob o capuz , cada qual  sabia seu posto e não podia haver erros ou atraso.
O mais importante e famoso sacerdote  verificava o salão ritualístico.   Um aposento iluminado por velas escuras, o enorme pentagrama desenhado em mármore negro,  contrastava  com o restante branco em torno de toda extensão, demarcando  o local do sacrifício.

Três altares com símbolos diversos  e desconhecidos mas claramente voltados para a Magia Negra, haviam sido  preparados e  o punhal da cerimônia repousava sob a mesa.  O jovem político entrou no salão,  muito nervoso e apressado:

-Está tudo certo? A polícia já foi alertada, pensam que estou em Curitiba, minha família está ligando sem parar. Querem que eu volte imediatamente. Tente ser o mais breve possível. Não percamos tempo!


Mestre  Inácio apontou a menina nua , amarrada pelos pés pairando no ar bem no meio do pentagrama, uma corrente com um gancho mantinham o corpo imóvel:

- Veja Daniel, tudo preparado conforme combinamos. Ela nunca saberá quem a trouxe até nossa casa.

- Não quero que ela sofra, não dá para ser mais breve?

- Faremos da maneira correta, o sofrimento é parte da recompensa. Você sabia disso quando fez o pacto.

A criança estava gemendo baixinho, o som abafado por um saco branco amarrado na altura do pescoço. Exigência  do tio  que não queria ver o rostinho.

O Oráculo  havia ordenado que o sacrifício final fosse sangue do seu sangue.
A ambição foi mais forte e a  escolhida foi  a garotinha de cinco anos, sua afilhada e sobrinha.
Passara toda a rotina aos sequestradores e agora aguardava. 

Ansiava o  início da cerimônia, pouco importava o que fosse preciso, ele só queria os resultados prometidos. 
Faltavam poucos minutos para a meia-noite quando o culto começou.
Um grupo entoou cântigos , conjurando fortes invocações e após extenso ritual,  a jugular da criança foi cortada e o sangue escorreu rapidamente. 
O corpinho estremeceu no espasmo final.  Profundo silêncio. Havia terminhado a primeira parte.

A poderosa energia envolveu o recinto,  Daniel sentia-se  atordoado e febril. Nas vezes anteriores não havia sido tão forte. Desta vez estava sentindo muito mais a Presença. Uma angústia estranha e indesejada o perturbava. Sufocado, abriu um pouco a camisa , suava muito, o  peito oprimido em fisgadas... Havia alguma coisa errada. 
A menininha foi colocada  sobre uma cama de ervas  aromáticas e o cântigos recomeçaram..  Daniel estava perdendo o controle:- Acabe  logo com isso, não estou me sentindo bem.

O  Mago ajoelhado ao lado da criança exangue , murmurava palavras estranhas  enquanto abria o peito e removia o coração. Completamente alheio às súplicas do devoto.
Faltavam  tres dias para a eleição e  Daniel, o deputado mais popular de Brasília, estava obcecado com a vaga no senado. Finalmente um dos sacerdotes  retirou o saco que ocultava o rosto da menina :- Minha filha! voce matou minha filha. O que voces fizeram? Meu Deus, Gabriela. Meu Deus!

Imediantamente foi agarrado por dois homens da seita e arrastado até o meio do salão: - O que  estão fazendo? que loucura é essa, Mestre Inácio, o que é isso?

A porta foi aberta e seu adversário e inimigo político entrou tranquilamente, ajoelhou-se  e  beijou  a mão do Mestre. A incrível semelhança pela primeira vez se evidenciou :-  Meu pai, estou ansioso para agradar nossos mentores com este duplo sacrifício. A semente do mal será plantada no centro do poder graças ao nosso convidado.

Nu e com os pés amarrados na mesma posição ocupada anteriormente pela filha, o deputado gritava e se debatia inutilmente...
Uma grande bacia de cobre havia sido colocada no chão, um punhal bem  maior aguardava o momento preciso, não havia como fugir do destino.

Neste momento viu vultos de muitas crianças rodeando o pentagrama numa grande roda , todos exibiam a garganta e o peito aberto. Eram pequenas vítimas que vinham assistir e leva-lo para o local adequado ao castigo. Seu tormento maior estava para iniciar...No inferno que havia plantado.




Menção Honrosa no Concurso do Vale das Sombras:http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=8910225

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 24/02/2008
Reeditado em 16/11/2016
Código do texto: T873301
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