Virando a mesa
Assustadora! Assim ficou aquela noite de sexta-feira para todos. Num piscar de olhos apareceu aquela névoa, como se já estivesse lá e ninguém reparasse. As pessoas caladas, como se pressentissem uma desgraça, andavam rápido, olhando para os lados, como se tentáculos monstruosos pudessem sair do nada e levá-las para o abismo da névoa.
Os bares fecharam mais cedo, deixando seus fiéis bêbados desamparados, as lojas fecharam porque o shopping fechou e as sessões de cinema cessaram suas atividades. A polícia e os bombeiros aquartelaram-se e os cidadãos ajuizados trancaram-se em casa.
Mas eu sabia que ele vinha atrás de mim...
Da varanda do meu apartamento, cuja vista é linda de dia ao surgir da aurora ou de noite ao surgir da lua, eu vi apenas o nevoeiro ficar mais forte. Ele estava perto e não tardaria a chegar.
Sentei na poltrona e uma reflexão surgiu sem ser chamada: não somos diferentes de qualquer outro mal que existe. Talvez mais assustadores por sermos famosos, mas somos a mesma coisa. Se você abre a porta ou a janela, atendendo ao nosso chamado, entramos, hipnotizamos você, te prendemos num pesadelo e te consumimos. Tudo porque você não resistiu.
Fui arremessada para fora dessa reflexão pela chegada triunfal da minha visita indesejada que entrou farfalhante pela varanda.
— Boa noite, Willelmina! Há quanto tempo!
— Boa noite, Conde. Nem tanto; apenas cento de dez anos!
Aquele olhar avermelhado ria maldoso para mim e eu ria triunfante para aquele mísero morcego.
— Venha para mim, Mina... — fez um movimento com a mão e eu não me movi. Vi o espanto no seu rosto e em seguida a fúria. Ele veio até mim, estendeu o braço para me agarrar pelo pescoço e eu segurei sua mão.
— Eu sou a dona do mundo, Conde, e ele é pequeno para nós dois. — mostrei-lhe minhas presas num sorriso e cortei-lhe a cabeça.