A RISADA

Eu escrevo isto não em minha casa, nem em um café. Nem em um hotel confortável em meio a uma viagem. Escrevo isto preso, contudo não escrevo em uma prisão qualquer. Estou preso em um sanatório. O motivo para estas letras é o fato de estar aqui, que me leva progressivamente a perder a minha sanidade mental; não questiono muito que este seja o último texto qeu serei capaz de escrever dentro da plenitude de minhas faculdades mentais.

Só posso culpar uma pessoa por minha internação: minha irmã. Sim! Foi ela que me jogou neste inferno na terra.

Sempre nos odiáramos, eu e minha irmã. Considerava-me ela um homeme preguiçoso, mimado e grosseiro, duas coisas que ela jamais foi capaz de suportar em qualquer ser humano. Em contrapartida, sempre a considerei uma mulher arrogante, falsa e sádica, que de minha parte considero como coisas horrendas

Não eram, todavia, nem seu sadismo, nem mesmo sua arrogância ou sua falsidade extremas que me inspiravam ódio. O que era minha maior agonia ao estar na sua presença era sua risada. Era uma coisa insuportável. Era estridente, era alta, era cortante como um punhal. Aquela maldita risada era para mim a súmula de todo seu sadismo, de todo sua falsida, de toda a sua arrogância. Meu Deus! Que risada maldita!

Foi aquela maldita risada que escutei por naos que me fez pensar em matá-la.

Ambos vivíamos na enorme casa que nosso pai nos deixara antes de morrer. Na noite em que eu a matei chovia muito; grossos pingos d’água batiam ininterruptamente em nas janelas da casa, que também sofriam o golpe violento de fortes ventanias. Lá ao longe explodiam os clangores tantálicos dos trovões que não paravam de cair.

Primeiro, fui a cozinha pegar uma faca enorme que nosso cozinheiro usava. Aproximando-se do quarto dela, notei que sua porta estava entreaberta. Isto mostrava-me que não havia luzes acesas ali dentro

daquele quarto. Isto já me indicava alguma coisa: ou el dormia já, ou estava adormecendo.

Usando a escuridão a meu favor, entrei naquele quarto. Já era capaz de ver alguns vultos; e por conta disso percebi que minha irmã dormia de barriga para baixo e com a cabeço voltadda para a parede exatamente oposta àquela que ficava na minha direção. Tudo me mostrava que eu estava nas melhores condições de cometer meu crime sem maiores esforços.

Pensei melhor, de nada valia matá-la na sua própria cama. Fazê-lo somente poria meu crime em maior evidência– exporia a quem quisesse ver o sangue, o que não era de minha vontade. Passei então a olhar em volta, nada naquele quarto era capaz de esconder meu crime. Tudo que ali se encontrava somente evidneciaria minha culpa. Olhei para a janela. Lá, exatamente abaixo da janela, existia um enorme arbusto com roseiras bem vermelhas, vermelhas como o sangue. Deixando que seu sangue pudesse cair ali, para fora da janela, ele se esconderia nos interiores daquele denso arbusto. Com o passar do tempo o sangue apodreceria e pensei que nada seria capaz de dar errado com aquele plano.

Escondi-me num canto do quarto onde nenhuma luz alcançava. Peguei um objeto em seu porta-jóias, uma caixa de marfim de um bom peso. Arremessei a caixa diretamente contra o vidro da janela, que se quebrou em vários pedaços e em enorme estardalhaço.

O som do quebrar do vidro fê-la acordar. Seus instintos, por uma sorte somente dada por Deus, levaram-na não a acender as luzes do quarto,- fato que prejudicaria meus planos e os levaria ao fracasso– mas sim levaram-na a rumar automaticamente para a janela quebrada. Em algum momento da vida ela me foi prestativa– e o foi para morrer.

Tive e fui rápido. Instintivamente segurei-lhe o crânio com uma das mãos, que também tapava sua boca. A outra empunhava a faca que cortar-lhe-ia a garganta. Pude sentir o romper dos músculos e das veias em um momento de êxtase, enquanto ouia sua voz insuportável tentar escapar do cárcere de minha grande mão. O sangue jorrava farto em virtude da abertura da veia jugular e artéria da aorta. Jorrava, jorrava e jorrava– tudo para fora da janela. Estava convencido que o sanguw jamais seria encontrado.

Para esconder o seu corpo não pensei em nada que fosse complexo. A idéia era a mais básica possível. Não podendo sair da área da propriedade, somente poderia enterrá-la ali mesmo no solo do jardim. Peguei de uma pá na garagem e simplesmente fui fazer o serviço de cavar uma cova, digo, um buraco para ela.

O vento era avassaladoramente frio, cortante e forte, enquanto cavava eu tremia intensamente, sem cessar um só instante. A chuva era forte e pesada, causava possas ao longo de todo o jardim; e, associada a força do vento frio, incidia golpes poderosos sobre minhas costas. Concomitantemente ao frio do vento e a força lacerante das chuvas, os raios persistiam em cair ao longe e com inda maior freqüência, poderosos! Titânicos clangores da ira dos deuses que escondiam o ato de cavar.

Antes de sepultá-la, deu-me a vontade de de contemplar seu semblante pela última vez. Estava preenchido pelo medo, irradiando sofrimento e desespero. A boca contorcida enunciava o quão possante fora seu medo na hoa final; seus olhos ainda estavam abertos e gritavam toda a profunda agonia que ela senti com o corte da faca, que agora era não mais que uma grotesca visão de pus e de sangue se coagulando de maneira nauseante. Joguei-a em seu buraco.

Dali em diante os vermes lhe roeriam como se fossem remorsos lentos.

Ao chegar ao quarto, talvez em virtude de toda a energia psicológica que envolvia a frieza de se cometer um assassinato pela primeira vez, talvez em virtude do profundo cansaço físico que foi produzido pelo ato de cavar, fui acometido por uma opressiva, possante, feroz, sensação de sono. Se o que for, somente sei que naquele momento adormeci.

O sono que me abateu jamais será esquecido por mim enquanto mantiver minhas faculdades mentais, na mesma medida que jamais esquecerei o que foi o sonho que tive naquela noite. Conquanto me lembrar e mantiver minha lucidez, saberei que não foi um sonho agradável aquele que tive.

Fui atormentado em meus sonhos pela hórrida visão de um abismo monumental, no qual eu me posicionava em seu cairel, em plena iminência de queda. O abismo era negro, portador das trevas obscuras que prenunciavam a criação divina. Apesar de tamanha escuridão naquela fenda, era possível diferenciar o perfil grotesco de milhares de demônios que se movimentavam em sua superfície ao mesmo tempo que gritavam com vozes de tal forma macabras que até mesmo o cristo se veria apavorado diante de tal espetáculo das hordas das sombras. Era tão negro que parecia guiar para os infinitos onde fica o inferno..

Fiquei ali postado em meu pesadelo, especulando qual seria o número absurdo daqueles seres deformados que encontrava naquela medinha paisagem. De repente, senti uma presença plúmbea, que parecia ser opressiva que o peso carregado pelo titão Atlas. Fosse o que fosse, causava mais pavor aquela presença inominável nas minhas costas que o abismo de demônios a minha frente.

– Esta será sua tumba– disse em meus ouvidos a presença estranha, com sussurros feitos por sua voz de tumba que ultrapassava em intensidade aquela infernal algazarra feita pelos demônios. Neste momento senti forte pressão sobre meu corpo. Havia sido empurrado!

Somente pude senti pavor. Somente pude sentir aquela miríade infinita de mãos repulsivas ao redor de meu corpo, ósseas, escamosas e deformadas. Somente pude me deparar daquele momento em diante com gritos, urros e uivos vindo daqueles horrores miltonianos; e conclui que nenhum homem está pronto para as coisas mais aterradoras- que se escondem do lógico e do consciente por talvez piedade, talvez por indiferença– nos prados que são regidos por morfeu.

Acordei, logicamente, assustado, assustado de tal forma que jamais senti na vida tal sensação e depois daquela noite jamais senti tamanho medo novamente. Meu medo era tão grande que não apresentava coragem para abrir meus olhos e saber se meus pesadelos daquela noite eram terminados ou se eu ainda estavam em poder do reino dos sonhos. A falta de coragem não advinha só do cérebro, o corpo, eu pude notar, recusava-se a abrir os olhos, suava profusamente, de tal maneira que o suor se acumulaa em meus poros, impedido de seguir seu fluxo, e as pontas dos dedos não conseguiam parar de tremer.

Lá fora a tempestade se mostrava ainda mais intens, o som da chuva contra a janela era avassalador, e trovões lá fora caíam sem cessar e ainda mais rápido que em todas as outras vezes que prestei atenção neles naquela noite.

Foi no momento seguinte ao despertar que pude notar um som maior que todos que advinham daquela chuva, um outro mais terrível, sabendo que estava totalmente sozinho em minha casa. Havia passos pelas escadas na medida que tb havia o som de algo arranhando ferozmente a madeira dos degraus. Algo subia as escadas para o andar onde eu estava!

Não deveria haver na casa nada além de mim. Não deveria ouvir nada que não fosse a tempestade lá fora. Porém havia e eu escutava seus passos. Não advinham de um delírio esquizofrênico como podem dizer os mais céticos e de mente mais limitada, eram reais. Aqueles passos produziam um som de lama sendo pisoteada. Meu medo daquela ameaça desconhecida era tão grande, tão intenso, que não mais havia vontade em mim de abrir os olhos.

No transcorrer de meus pensamentos, passei a escutar então o som de algo que batia À porta de meu quarto. Não somente batia, como arranhava e pressionava. Ouvi o som de gotas que caíam. Algo fazia demasiada força naquela porta– única barreira que impedia o caminho da ameaça ignota

Uma pressão titânica arrombou a porta. Os passos vinham agora rumo a cama. Foi quando notei que não poderia caminhar de maneira normal uma craitura que permanecia arranhando a madeira do chão. Ou ela movia de forma quadrúpede ou arrastava-se pelo chão.

Meu suor era frio, cada vez mais frio. Meu coração batia de tal forma acelerado que eu claramente poderia escutar meus batimentos.

Senti lgo em minha perna. Uma mão magra e ossuda com unhas longas fincava-se em minha carne apavorada. Esse ato fez com que eu me colocasse em posição fetal. Neste instante escutei algo, que de tal forma era traumático, foi capaz de obliterar todas as memórias dos moemntos seguintes e do próprio som. Esqueci de tudo daquele momento até acordar neste sanatório.

Ao despertar-me aqui, nada pude entender. naquele momento, como ainda agora, vi a situação como kafkiana. Perguntei a um enfermeiro então qual era o motivo de uma pessoa lúcida como eu estar internada neste lugar, nunca esquecerei aquela resposta dada entre risos:

– Qunado chegou em sua casa, seu cozinheiro ouviu gritos no seu quarto. Você balançavao corpo todo olhando para a porta entre-aberta, os olhos esbugalhados e tremendo. Gritava sem parar “Pare de rir! Pare de rir!”