A MALDIÇÃO DO FANTASMA - Parte II - Revivendo o Passado

II. REVIVENDO O PASSADO

Por que aquilo acontecia? Quem era aquela mulher que atormentava minhas noites? Eu a conhecia, mas quem era??...

Anoitecia. O lusco-fusco abafado prenunciava chuva. De repente, um temporal de verão rompeu os ares. Trovões, vento forte, relâmpagos. A luz se apagou e anoiteceu rapidamente. O amor da minha vida não havia ainda chegado. Eu estava só e a casa parecia imensa. Eu vagava pela casa. Queria luz!! O medo do escuro me paralisava e eu tremia.

Em meio ao clarão de um relâmpago, percebi que não estava mais sozinha!!

- Meu amor, quando chegaste? Que bom que já estás aqui!! Não ouvi teus passos nem te ouvi abrindo a porta!?

E despenquei-me louca para aquele vulto que eu vira à luz bruxuleante do relâmpago. Braços me abraçaram. Mas não eram os braços ternos e firmes do abraço do homem que eu amava mais que minha vida: eram braços gelados, pegajosos, rijos, que me apertavam num abraço terrível! Eu não estava em meu quarto, em minha cama! Eu estava em minha sala! Ela sempre aparecia quando eu ia adormecer, no meu quarto e quando o meu amor já dormia! Ela nunca aparecia enquanto ele estava acordado. Parecia temê-lo. O que fazia então, ali, nesta hora, nesta sala??

Uma voz sarcástica me respondeu:

– Era “teu” amado que esperavas?? “Teu” não, meu, meu! Ele é meu!! Ele é meu!! Querias luz? Terás!!

Ouvi a mesma risada sarcástica e nervosa e mil luzinhas se acenderem perto do meu rosto: era ela!! Desta vez sem véus, impecavelmente vestida, e de seus cabelos louros, muito louros, milhares de pequenas cobras amarelas dançavam uma dança macabra, enquanto de seus olhos faiscantes saiam as luzinhas que vi!!

– Quem és tu? – consegui falar – Eu sei que te conheço! Mas, de onde??...

Suas órbitas vazias faiscaram, saindo delas uma luz roxa e vermelha e, baixando sua cabeça cheia de cobras, semelhante à Medusa, disse:

– Levanta a cabeça!! Estás com medo?? Olha para mim e te farei lembrar! Vamos passear pelo mundo da escuridão!

Eu queria gritar, mas não podia! Minha voz sumiu. Queria lutar, mas não tinha forças... Tinha asco de seus braços gelados me envolvendo.

Senti que voava junto com ela atravessando as paredes da casa sem sentir nenhum impacto e, paralisada ante o medo que sentia, ela envolveu-me num turbilhão de imagens, confusas, a princípio, como em um imenso redemoinho. Senti uma tontura. Estava enjoada. E enojada. Então vi como se minha vida toda aparecesse num repente diante de mim e cenas se repetiram, primeiro sem nexo, depois ordenadas em uma seqüência lógica. Eu parecia mergulhada no inferno...

Vi o homem que amava (meu professor) alegre e sorridente, falando do assunto que eu tanto gostava, Filosofia, e me vi em sua aula. Vi-o depois a conversar comigo, meu amigo, meu confidente, ouvinte atento de minhas tristezas, paciente, educado, gentil. Aos poucos a amizade foi-se consolidando e um dia ele me relatou sua vida: tinha casado muito cedo, com a primeira namorada, uma mulher linda! Como ele havia amado esta mulher! Ela pertencia a fina-flor da sociedade e ele, professor universitário, não tinha como manter-lhe o padrão de vida a que a esposa estava acostumada. Nos primeiros anos, ela suportou as dificuldades econômicas, as ausências do marido para a Universidade, suas ausências durante o Mestrado. Quando precisou fazer o Doutorado, ela não tinha mais paciência com tudo aquilo. Marido ausente, dinheiro pouco, festas distantes, era impossível agüentar! Onde estavam suas roupas caras, jóias, perfumes, viagens e menções nas colunas sociais?? As conversas do marido não lhe faziam sentido! Ela falava em roupas, moda e festas e ele vinha lá com “sua Filosofia!!” Ele, para ela, era um fracassado! “Só quem não presta para outra coisa é que vai ser professor!!” Os livros que escrevia, ela não lia. Seus textos publicados nada mais eram que “bobagens, que não rendiam coisa alguma!” Ela o humilhava. Fez-se a distância. Fez-se a solidão.

Conversávamos, meu professor e eu, sempre no jardim da Faculdade, no final das aulas ou em algum intervalo. Um dia, enquanto falávamos em Merleau-Ponty, Bacherard, Durand e outros, eu vi um belo carro estacionar. Ele estava sentado de costas para o estacionamento, mas eu não. Do belo carro, desceu uma mulher: belíssima! Muito loura. Impecavelmente arrumada, caminhando com elegância, encaminhou-se para onde nós estávamos.

(continua)

[NOTA: Quaisquer semelhanças com fatos ou pessoas, mortas ou vivas, são mera coincidência.]

ESPERANÇA
Enviado por ESPERANÇA em 27/01/2008
Reeditado em 21/09/2009
Código do texto: T834650
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