A Coisa de Baixo da Serra
Carlos viajava de Curitiba para Blumenau. Era final de outono, e a neblina descia como um manto espesso sobre a BR-376. Dirigia sozinho, com a janela entreaberta para não dormir. A estrada cortava as montanhas como uma cicatriz antiga, e o GPS avisava: "prepare-se para uma descida longa."
Ele sabia que viria a famosa Serra do Mar, onde muitos caminhões perdiam o freio, onde acidentes aconteciam sem explicação. Mas Carlos era experiente. O que não sabia... é que naquela noite a serra estava viva.
Quando começou a descer, a neblina ficou tão densa que os faróis pareciam luz de velas. Os olhos já ardiam, e o rádio só chiava.
Foi então que ele viu algo na pista.
Um homem?
Não. Muito alto. Curvado. Com o corpo coberto de peles escuras e secas. Tinha a cabeça torta, como se o pescoço tivesse quebrado, e os braços longos demais arrastavam no chão. Parado bem no meio da faixa.
Carlos freou, mas a criatura não se moveu.
Ele buzinou.
A coisa virou a cabeça.
E o que viu… não era um rosto.
Era uma fenda. Um buraco negro onde deveria haver olhos, nariz, boca. Um vazio que parecia sugar a luz.
Carlos deu ré, engatou a marcha e tentou voltar. Mas a neblina atrás havia se fechado — um muro branco. Ele virou o volante para fazer o retorno, e o carro apagou.
Silêncio.
E então, o barulho. Não motor. Não vento.
Mas raspas. Como unhas enormes arranhando o asfalto.
Carlos trancou as portas.
Olhou para o lado.
A coisa estava lá.
Do outro lado da janela, parada. A pele tremia como se cheia de insetos sob a superfície. E então a coisa falou.
Mas não com voz.
Com pensamento. Entrando direto em sua mente, frio como gelo.
— Você passou por cima da minha sepultura. Onde os homens cortaram o morro, cortaram meu sono. Agora, levo comigo quem acorda os mortos.
Carlos gritou, tentou sair, mas estava preso no próprio corpo. O vidro estalou. A porta afundou. Um som de ossos quebrando encheu o carro. E tudo ficou escuro.
Na manhã seguinte, encontraram o carro parado no acostamento. O motor estava intacto. Não havia sinais de acidente.
Nem de Carlos.
Mas os bombeiros disseram algo estranho: bem debaixo do asfalto, onde o carro estava, havia ruínas soterradas por camadas de pedra.
Ruínas… indígenas, talvez. Ou algo mais antigo.
Na última curva antes do ponto onde ele sumiu, alguém rabiscou no guard rail:
"A Coisa de Baixo da Serra ainda está com fome."