Os Cobradores da Noite (Parte 3 de 4)
Antes do conto em si, queria dizer que fico tão feliz em saber que alguém tão especial quanto a Zeni está ainda frequentando o site, espero que voce goste do desfecho desse conto minha querida amiga. A parte 4 será postada amanhã, ela é mais curta igual a primeira parte, os principais pontos do conto estão nessa parte aqui, por isso estou comentando no inicio para não atrapalhar a experiencia depois.
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A madrugada se estendia como se o próprio sol se negasse a iluminar o rosto daqueles moradores, sua tristeza e culpa. Eles sabiam que era horrível o que acontecera a jovem, mas também sabiam que suas mãos estavam tão sujas quanto a dos cobradores, e a maioria também carregava consigo um secreto sentimento de alívio, pelo menos não fui eu, pelo menos mais um ano de fartura.
Mas não na fisionomia de Damian, que já ardia em raiva quando gritou: - Quem irá comigo até aquele maldito castelo?
Houve um instante de silêncio, alguns murmúrios, todos se entreolhavam, constrangidos.
- Ora, eu não sabia que morava entre covardes! Eles a levaram, uma de nós! Quem sabe o que fazem com eles naquele lugar? - apesar do murmúrio ao redor ter ficado mais audível, ninguém se pronunciava, e o jovem continuou, apressado andando entre eles enquanto falava, cuspindo as palavras nos seus rostos culpados - Até quando vamos aceitar que nos levem assim? Que nos matem e apenas abaixamos a cabeça como cordeiros? Até quando vamos aceitar que entrem na nossa casa, que nos observem, que nos toquem, eu sei, eu já ouvi vocês falarem que eles os tocaram, no braço, na perna, no peito! E eu sei que é verdade, eu senti! Quando eu era mais novo senti o toque e tenho a cicatriz pra provar, aqui, aqui no meu braço - levou a blusa para mostrar a pequena marca - O que eles fazem com a gente? O que farão no futuro? Vocês não acham que está na hora de acabar com isso?
– E morrermos com a peste? - Alguém gritou.
- Se nosso destino era morrer, que se cumpra! - Damian retrucou imediatamente, aquelas palavras já estavam entaladas há muito tempo, prontas para explodir. - Mas que ao menos a gente lute para escapar dessa maldição!
A discussão em praça pública ainda duraria muito mais tempo, mas o jovem sabia que não poderia esperar, então aceitou que aquelas pessoas podiam até estar tristes ou amedrontadas com a situação que viviam, mas não a ponto de fazer alguma coisa para mudar. Foi apressadamente até a oficina do ferreiro e pegou com ele o machado mais afiado. Damian sentia o arrepio da noite quando começou a subir o pé da colina, e que surpresa foi a dele ao ouvia o grito nas suas costas:
- Espere um pouco!
Ao virar-se viu o dono do pub caminhando em sua direção - Você tem razão, garoto. Já basta.
Outros dez homens o seguiram, carregando marretas, machados e outras armas para enfrentar os malditos cobradores. Damian sabia que sozinho estava caminhando para a morte, mas quando viu que estaria com alguns dos homens mais fortes da vila pensou que talvez tivesse chance de vencer, seja lá o que eram aqueles cobradores.
Ao chegar nos altos muros, eles tentaram fazer o mínimo de barulho possível, mas mesmo que tivessem conseguido atravessar a muralha através de uma falha na construção que os moradores conheciam muito bem - estava ali desde a época do Barão, que usava aquele buraco para deixar entrar suas amantes estrangeiras sem a baronesa ficar sabendo - Damian notou algumas sombras se movendo lá dentro das janelas, como se algo já os estivesse observando, e agora que notaram que eles entraram corriam.
- Como vamos entrar?
- As janelas são muito altas - Damian respondeu, sussurrando. - Porém existe uma passagem que leva aos dormitórios dos servos. Deve ser nos fundos do castelo.
Subitamente, os homens passaram a ouvir cantos de dentro de construção, mas numa língua estranha, como se acontecesse algum ritual lá dentro. “Eles estão invocando alguma coisa” Damian não sabia de onde o pensamento veio, mas o castigou na espinha de alto a baixo.
Encontraram a entrada de servos, uma porta revestida em limo e fungos, certamente não era usada há muitos anos. com o canto ficando cada vez mais alto, eles conseguiram usar o machado para romper o velho cadeado e entraram no lugar.
O ar gelava as paredes, não havia mais mobília nenhuma naquela cozinha, o que os cobradores comiam nesses treze anos em que viveram aqui? O canto agora era revestido de gritos, como se eles soubessem da presença dos invasores e os tentassem expulsar dali pelo medo. Alguns homens até pensaram nisso, mas com Damian marchando em frente nenhum deles teve a coragem de desistir.
Ao chegarem no salão principal viram o que já imaginavam: um círculo de homens em túnicas pretas, cantando em fúria aquela melodia diabólica, mas onde estava Meredith? no meio deles havia apenas uma mesa de pedra com um livro de capa preta, sujo com o que só podia ser sangue.
- Quem ousa invadir o salão de Satã? - um deles esbravejou e todos se voltaram na direção dos homens, como se já soubessem que eles estava ali.
- Onde está ela? - Damian respondeu em fúria. enquanto os outros homens se tremiam com a frase que o cobrador dissera. Blasfêmia, blasfêmia.
- Ela é nossa! O acordo firmado está claro! A jovem é nossa, voltem à vila ou não restará nenhum de vocês, traremos o demônio em pessoa ao recinto e suas almas estarão perdidas para sempre!!!
Os outros ainda cantavam, todos parados encarando os moradores. Dois deles correram, tinham medo demais desses assuntos de demônio e inferno, sempre souberam desde que o pacto fora firmado que estavam envolvidos com isso, mas nunca foi vendo cara a cara, nunca foi tendo que ficar frente a frente com Satã, como o cobrador dissera.
No entanto Damian não desistiu, não estava brincando quando dissera que morreria tentando te-la de volta. - ONDE - falava lenta e firmemente, se aproximando deles com o machado em riste, brilhando contra a luz das tochas. - ESTÁ - quando ele já estava tão perto que conseguia sentir a respiração de um dos cobradores também percebeu que por baixo dos capuzes não se tratavam de criaturas ou de monstros ou demônios, ali estavam homens, carne, osso e sangue. - MEREDITH!
E ao gritar o nome dela se encheu da coragem e deferiu o primeiro golpe, acertando a pesada lâmina na cabeça de um deles. Ele não caiu imediatamente, seu crânio partido em dois ficou grudado no machado enquanto vertia sangue. Foi só quando Damian levantou o machado outra vez, soltando-o da cabeça do homem que ele se estrebuchou no chão e os outros entenderam que não conseguiriam expulsar os moradores com ameaças, nem que fossem as mais demoníacas possíveis.
E que surpresa os moradores tiveram ao ver aqueles homens correndo, fugindo como covardes, agora que na correria o capuz de suas túnicas caia Damian notava que não só eram meros homens, como também eram homens fracos, seus rostos eram frágeis como os de alguém que nunca tocou numa lavoura, alguns tinham aquelas lentes para enxergar melhor que Damian só via entre os mais ricos nobres do reino.
Ora, quem são essas pessoas?
O dono do pub seguiu o exemplo de Damian e acertara uma marretada na cabeça de outro, e teve certeza que um segundo antes de deferir o golpe o viu chorar. Um terceiro morador gritou perguntando para onde eles levavam quem eles pegavam na vila, mas a resposta que ouviu foi:
- Vocês não sabem o que estão fazendo! Vocês não fazem ideia! Nunca vão entender! - fffff, a lâmina do facão lhe cortou o pescoço logo em seguida.
Eles morreriam sem dizer nada, isso era evidente, mas Damian foi mais esperto, percebeu que um deles, o que parecia o líder corria na direção sul, onde uma ante sala escura levava até as escadarias do porão, e deixou que escapasse, o seguiu de longe até ouvir o cobrador dizer lá embaixo.
- Eles estão ali em cima, a querem de volta? Precisamos encerrar a missão. Código preto, repito, código preto.
O que acontecia ali? Quem eram aquelas pessoas? O que era esse tal código?
Quando o jovem desceu a escada e vislumbrou de canto de olho o que acontecia no porão teve a maior surpresa de sua vida.
Meredith estava lá, mas estava numa cama estreita, de pernas de ferro branco, tudo naquele lugar era muito branco, as pinturas da parede, algumas monstruosidades de metal que tinham telas piscando vários códigos estranhos. Os cobradores alí embaixo vestiam máscaras, mas essas não eram tenebrosas quanto a que eles usavam para assustar os moradores da vila, eram máscaras claras, de tecido fino, igual suas roupas. No canto da sala havia um portal azul, e dele saíam e entravam mais cobradores vestidos daquela forma. Devia ser alguma magia, não entrava na cabeça medieval de Damian que houvesse alguma invenção humana capaz de criar um portal daquele, e para onde levava? céu? Inferno? Ele nunca imaginaria algum conceito tão rebuscado quanto um portal para séculos no futuro. Meredith no meio da sala estava inconsciente, seu corpo repleto de fios e seus rosto com uma máscara que lhe tapava o nariz e a boca enquanto os cobradores analisavam o seu corpo olhando naquelas máquinas todas.
Mas tudo se interrompeu quando aquele cobrador gritou código preto. As luzes piscaram vermelho, e do portão saíram homens diferentes, com roupas verde-escuro, como se fossem camufladas, e em suas mãos traziam armas diferentes de qualquer coisa de Damian já tinha visto.
Só que isso não podia impedi-lo agora, não agora que já estava tão perto de ter Meredith de volta, ele soltou o machado e correu na direção dela. talvez pudesse erguê-la e carregá-la mesmo inconsciente para longe daquela loucura toda.
Damian só não tinha como saber que aquele cobrador podia usar sua arma mesmo a distância, bastou apertar o gatilho, um disparo feito de canhão veio na sua direção e na mesma hora ele foi lançado para trás e caiu com força no chão, o abdômen dilacerado e queimando por dentro.
Olhando para cima, via apenas a luz elétrica pela primeira vez, até que um dos cobradores se aproximou e falou:
- Vocês deviam ter obedecido o pacto.
Outro tiro, dessa vez na cabeça. Damian nem chegou a sentir o impacto.
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Fim da parte 3 de 4.