A bola

A bola

Se me contassem, eu não acreditaria, mas como vi tudo ao vivo, foi algo que jamais poderei esquecer. Eu tinha apenas dez anos na época e, naquele momento, não entendia muito bem o motivo pelo qual ele fez aquilo consigo mesmo. Só mais tarde, ouvindo os adultos comentarem, soube que ele estava passando por uma depressão profunda, marcada pelo abuso de álcool, drogas e a traição de sua esposa.

Era um dia qualquer, e estávamos brincando de bola eu e alguns amigos, como sempre. De repente, o jogo foi interrompido quando a bola foi parar perto do carro de um homem que estava estacionado ali perto, próximo à praça. Ele parecia estranho, sentado no carro, sem fazer nada. Miguel, o mais desajeitado de nós, foi atrás da bola. Ficou ali parado, olhando o homem dentro do carro, o que me pareceu um pouco estranho.

– Bora, Miguel, o que tá esperando? – gritou o "Cara de Gato", um dos meus amigos mais afoitos e impacientes. Ele adorava fazer piada e irritar os outros.

Miguel não respondeu e, por algum motivo, continuou a olhar para o homem. Como sempre, esquecia o que estava fazendo.

– Cadê a bola, mocorongo? – repetiu "Cara de Gato", sempre se divertindo em provocar Miguel.

Mas Miguel não parecia ouvir. Ele estava fixado no homem, que agora parecia ainda mais desconfortável, o que só fez aumentar minha curiosidade. Miguel voltou para junto de nos so que esquecera a bola.

– O homem está chorando no carro…

– E daí? Cadê a bola, imbecil? – retrucou "Cara de Gato", sem paciência.

_ Deixa que eu vou - falei, querendo pegar a bola e voltar para o jogo. Mas no fundo, algo me dizia que aquilo nao estava bem. ao me aproximar do carro, percebi que algo realmente estava errado. O homem, de uma forma estranha, tinha saído do carro com uma corda nas mãos. Ele amarrou a corda em uma árvore próxima e depois voltou para dentro do carro.

Me aproximei ainda mais do carro. A cada passo, o nervosismo aumentava. Quando já estava quase ao lado do veículo, percebi que o homem havia se amarrado à corda de forma desconfortável, com o nó bem apertado no pescoco. No instante seguinte, o carro começou a se mover lentamente. Eu não consegui reagir rápido o suficiente para entender o que estava acontecendo.

Foi quando ouvi o barulho. O homem, com a corda no pescoço, acelerou o carro e, no movimento brusco, sua cabeça foi arrancadq do corpo e caiu pela janela. O carro seguiu em frente descontrolado com o corpo do homem a jorar sangue pelo que sobrou so pescoco, e bateu com força contra o muro de tia Rosilda. O impacto fez o carro parar, mas o que me marcou foi a cena: a cabeça do homem solta do corpo caiu pela janela, agora bem à minha frente junto a bola, e eu ali, parado, em choque. A bola que estava esquecida no chão parecia agora a última coisa que importava.

A última coisa que ouvi antes de desmaiar foi o grito de "Cara de Gato":

– Pega a bola… Nao mane, a bola! Desmaiou!

Fernandes dos Santos Lima
Enviado por Fernandes dos Santos Lima em 16/04/2025
Código do texto: T8310799
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