🔥 Nos Portões do Inferno #2 - O Livro Oculto #2 📓
🔥Prólogo🔥
📓O Livro Oculto #2📓
Quando retornou ao seu antiquário, a porta se encontrava escancarada, provavelmente a deixara assim ao sair correndo atrás do demônio.
A primeira providência que tomou ao trancar a porta foi correr até uma gaveta atrás do balcão e catar de lá de dentro um toco de giz. Traçou alguns sigilos de proteção ao redor da porta e das janelas, rapidamente traçou um Selo de Salomão sob o carpete de entrada. Em seguida, foi até as portas do fundo e repetiu o mesmo processo. Embora não fosse cem por cento efetivo, já era alguma segurança. Se quisesse ficar realmente protegida, precisaria lançar encantamentos dentro e fora do estabelecimento, mas no momento queria analisar melhor aquele diário.
Pensou em ligar para seus irmãos em Portuária, afinal, eram ocultistas mais experientes, mas a ligação internacional acabaria com suas economias e a conta de luz estava pelas tampas. Por que aqueles atrasados ainda não tinham aderido ao WhatsApp ou outra rede social qualquer? Era típico da família essa mania de se manter no passado. Em último caso faria a ligação.
Foi para trás do balcão e observou o diário: capa preta e grossa, nenhuma identificação, a aparência indicava ser bastante antigo; as páginas iniciais também não forneciam indicação alguma sobre a identidade do autor; vários rabiscos, rascunhos de desenhos apressados e a escrita estranhamente codificada.
Raiane tentou se recordar do rapaz que viera durante a tarde trazer o artefato. Por que mesmo decidiu comprar aquilo do moço? Pagou trinta reais por ser antigo, achou interessante a criptografia, mas nada mais lhe chamara a atenção. Aqueles rabiscos não tinham contexto algum para formular um significado geral. Por que interessava tanto ao demônio?
Percebeu um movimento à sua esquerda e ao voltar a cabeça para lá, um olho a encarava. Era o olho de vidro que saltara da órbita do possuído. Mas o que ele estava fazendo ali em cima? Aquela coisa não tinha rolado para baixo das prateleiras?
Subitamente, o olho deu um giro e oito pernas surgiram sustentando-o e o deixando parecido com um opilião. Cada perna cheia de articulações aparentava ter uns quinze centímetros, terminando em uma garra fina como uma agulha. Surpresa, Raiane ainda ponderava sobre a aparência que aquele objeto acabara de assumir quando, sem avisos, o olho saltou na direção de seu rosto. Por impulso, ergueu o diário para se proteger e barrar a investida do estranho ser, mas ele se agarrou ao diário prendendo as finas pernas ao seu redor.
Raiane agarrou o olho e o puxou, mas ele havia se fixado com tal força que parecia estar colado à capa do artefato. Raiane continuou forçando até que o olho cravou uma de suas pernas no dorso de sua mão fazendo com que ela automaticamente soltasse o diário. O objeto caiu com estrépito no chão sobre o olho e lá ficou parado. Ela chegou a pensar que o estranho ser havia sido esmagado, mas logo houve um movimento. O olho continuava segurando o objeto com quatro pernas enquanto usava as outras para correr. Encaminhou-se para a porta da frente. Subiu no carpete de entrada e estacou.
— Tá preso, otário! — disse Raiane triunfante enquanto enrolava uma bandana na mão que sangrava e latejava.
O olho soltou o diário e correu de um lado para o outro tentando encontrar uma brecha para fugir do Selo de Salomão.
— Só tem saída pra baixo. E aí? O que vai ser?
O olho recolheu as pernas e a encarou por alguns instantes. Logo, um líquido de tom vermelho escuro escorreu para o tapete e desapareceu indicando que o que restara do demônio havia ido embora. Ela caminhou até o carpete, apanhou o olho e o observou. Apenas um objeto inanimado novamente. Revirou-o e não localizou nenhuma abertura por onde poderiam ter surgido aquelas pernas aracnídeas. Apanhou o diário e caminhou até o balcão depositando o olho ali por cima.
Observando o diário, notou que as pernas finas haviam perfurado a capa em alguns pontos e danificado as bordas de algumas páginas. Sob a luz, notou que através das perfurações parecia haver algo diferente sob a capa do diário. Mal estava prestando atenção ao latejar da mão. Apanhou um estilete em uma das gavetas e começou a cortar com cuidado ao redor da capa. Em pouco tempo, conseguiu soltá-la e o que descobriu a encheu de horror e apreensão. A verdadeira capa do artefato era de um couro de aspecto envelhecido e gasto por falta de tratamento. O centro continha o que antes fora um rosto repuxado e esticado nos cantos.
A primeira ideia que dançou em sua mente era que estava diante do Necronomicon, mas sabia que sua existência nunca fora provada. Suas mãos tremiam. Sentia a boca seca. Percebeu que também havia algo estranho nas bordas das páginas que tinham sido danificadas. Abriu o livro e reparou que as páginas danificadas se tripartiam: uma folha mais grossa entre duas mais finas. Páginas revestidas? Ocultas?
Estaria mesmo em posse do verdadeiro Necronomicon?
Isso explicaria por que o demônio se arriscara tanto por aquele artefato.
Tinha um jeito de saber se estava realmente em posse do Al Azif original. Mas se não o fosse, também seria uma maneira de perder o artefato para sempre.
Sua intuição dizia que não perderia o objeto.
Aquelas bibliotecas incendiadas pelo país... Era atrás disso que estavam!
Colocou o livro no chão. Embebeu-o com o álcool que deixava sobre o balcão para os clientes higienizarem as mãos. Tateou o bolso e encontrou seu isqueiro. Ponderou mais um pouco sobre o que estava prestes a fazer. Respirou fundo e ateou fogo ao livro.
Após angustiantes minutos de espera, as chamas se apagaram. O livro permanecia intacto. Sumira qualquer vestígio da capa anterior e das páginas falsas. Raiane notou que o artefato estava frio. Recolheu-o do chão e espanou as cinzas. Folheou. Era todo manuscrito como anteriormente, mas agora se notava uma estrutura linguística, porém, completamente desconhecida por ela, não um código, mas uma língua antiga. Ainda acreditava estar em posse do verdadeiro Necronomicon, mas essa crença desabou ao ver em uma das páginas iniciais, entre a linguagem que não conhecia, a assinatura do autor escrita em grego antigo:
Κυπριανός Ἀντιοχεύς
Enquanto tentava conter o nervosismo causado pela descoberta e o desenrolar da noite notou, através dos vidros da porta, que faróis se aproximavam. Pelo menos quatro carros estacionaram lá fora.
Puxou o celular do bolso e procurou na discagem rápida o número de Hugo. Foi atendida ao primeiro chamado.
— Você acaba de interromper meu progresso em um jogo superdifícil, sabia?
Nunca começava uma conversa telefônica com alô.
— Desculpa, não era minha intenção. Você sabe que eu só ligo quando preciso.
— Sei, é a única pessoa que me faz interromper um jogo no primeiro toque. O que aconteceu? Dá última vez que você me ligou tarde assim me pediu para desativar os semáforos da cidade.
— Então... Aconteceu umas coisas... Preciso de uma ligação internacional não rastreável. Você consegue?
— Facinho. Pra onde você quer ligar?
— Portuária. Mas é você quem vai ligar. Preciso focar em algo aqui.
—Ahn... Certo. E o que eu digo pra quem atender?
Quatro homens aproximavam-se agora da porta. Um deles colocou a mão no vidro, mas logo a retirou sentindo a ardência do banimento.
— Fala que eu pedi pra você ligar e diga que o Balrog passou — instruiu Raiane.
— Balrog? O que isso quer dizer.
— Quem atender vai entender. Pode fazer isso rápido?
— Me passa o número que eu já resolvo.
Raiane ditou o número.
— Tá tudo bem, Rai? — indagou Hugo do outro lado da linha. Ela notou a preocupação na voz do garoto e sorriu.
— Vai ficar. Faz a ligação. E não esquece de fazer suas lições de casa.
— Já tá feito!
Se despediram e encerraram a chamada.
Raiane calculou mentalmente a distância entre Portuária e o Brasil. Se os irmãos saíssem de lá assim que recebessem a ligação e considerando que conseguissem um voo de última hora, levariam no mínimo entre sete e oito horas para chegar até ela.
Guardou o livro dentro do cofre que ficava oculto pela última gaveta do balcão. Lá do lado de fora, mais demônios chegavam. Reconheceu algumas figuras políticas e influencers locais entre eles. Alguns apenas ficaram parados lá encarando, outros tentavam encontrar brechas nos encantamentos.
Era hora de revisar os sigilos e traçar outros. A noite prometia ser longa.
Continua...☎️