Melodia Mortal

 

Na pequena vila de Maré Alta, as lendas sobre as sereias eram contadas em sussurros, quase como se o vento pudesse levar as palavras até os ouvidos delas. 

 

Os habitantes acreditavam que, em noites de lua cheia, as sereias emergiam das águas profundas do oceano, atraindo os marinheiros com seus cantos hipnotizantes e encantadoras visões. No entanto, a verdade sobre essas criaturas era muito mais sombria e aterradora do que qualquer história que os mais velhos pudessem contar.

 

Certa noite, quando a lua brilhava como um farol no céu estrelado, um jovem pescador chamado Beo decidiu desafiar as advertências de sua avó. Desde pequeno, ele ouvira sobre as sereias e suas canções sedutoras, mas sempre sentiu uma curiosidade insaciável. Com uma pequena lanterna a tiracolo e seu barco de madeira, ele remou mar adentro, em busca das vozes que ecoavam na brisa.

 

A água estava calma, e o silêncio da noite era quase tangível. Após horas de busca, quando a esperança começou a se esvair, Beo ouviu um sussurro. Era suave e melódico, como o toque de uma brisa sobre as folhas. Ele parou, o coração acelerado, e ouviu novamente. O canto se tornava mais claro, mais intenso. Era como se as ondas estivessem dançando ao ritmo de uma melodia antiga, e ele não conseguiu resistir. Seguindo a música, ele se afastou da costa e adentrou o desconhecido.

 

Depois de algum tempo, Beo avistou uma luz suave, uma bioluminescência que iluminava a superfície do mar. Ele se aproximou, maravilhado, e então viu as sereias. 

 

Elas estavam sentadas em rochas cobertas de algas, seus longos cabelos flutuando como serpentes na água. Os olhos delas brilhavam com intensidade quase sobrenatural, e seus sorrisos eram encantadores, mas seus rostos eram inquietantes.

 

— Venha até nós, belo marinheiro, — uma das sereias chamou, a voz doce como mel. — Junte-se à nossa dança.

 

Beo hesitou, uma sensação estranha se formando em seu estômago. 

 

Ele sabia que deveria voltar, mas o encanto das sereias era irresistível. Beo começou a remar em direção a elas, mas, à medida que se aproximava, a música mudava. Tornava-se mais sombria, mais ameaçadora. As sereias, antes tão belas, agora pareciam aterradoras, seus sorrisos se transformando em expressões de pura malícia.

 

— Você não pode resistir ao nosso chamado, — outra sereia sussurrou, sua voz agora acerada como vidro. — Venha, Beo. O oceano é profundo e os segredos que ele guarda são seus para descobrir.

 

Um frio cortante percorreu seu corpo. Beo sentiu o medo se enraizar em seu coração, mas a atração era tão forte que ele não conseguia desviar o olhar. Ele se lembrou das histórias que sua avó contara, das almas perdidas que haviam sido atraídas por aquelas criaturas, e uma onda de terror o atingiu. 

 

Com um impulso desesperado, virou o barco e começou a remar de volta, mas as sereias não estavam dispostas a deixá-lo ir tão facilmente.

 

As águas ao redor dele começaram a agitar-se, e uma das sereias mergulhou, emergindo ao lado de seu barco com uma expressão de fúria. 

 

— Você não pode escapar assim tão facilmente, — ela rosnou, seus dentes afiados reluzindo à luz da lua.

 

Beo remou com todas as suas forças, sentindo o pânico tomar conta de seu corpo. 

 

A água parecia querer puxá-lo para baixo, e o canto das sereias agora se transformara em gritos de raiva. Ele olhou para trás e viu que as outras sereias estavam se aproximando rapidamente, suas caudas brilhando como lâminas afiadas.

 

— Volte aqui! — Uma delas gritou, a voz cheia de veneno. — Você não pertence à superfície! Você é nosso!

 

A distância entre ele e as criaturas diminuiu rapidamente. O coração de Beo batia descontroladamente, e ele lançou a lanterna para o mar, esperando que a luz pudesse distraí-las. No entanto, a luz não fez mais do que iluminar a água turva, revelando figuras sombrias se contorcendo sob a superfície.

 

Finalmente, com um último esforço, Beo viu a costa à sua frente. Ele podia sentir a areia sob seus pés, mas as sereias estavam quase em cima dele. Com um grito de desespero, ele pulou do barco e nadou com todas as suas forças em direção à praia.

 

Quando seus pés tocaram a areia, ele se levantou e começou a correr, sentindo as garras das sereias arranhando suas costas enquanto se afastava. Ele não olhou para trás, mas podia ouvir os gritos de frustração das criaturas, ecoando na noite.

 

Ao chegar à segurança de sua casa, Beo trancou a porta e se jogou no chão, ofegante. A adrenalina pulsava em suas veias, e o terror ainda o envolvia como uma neblina. Sua avó apareceu, preocupada, e ele contou a ela tudo o que havia acontecido.

 

Ela ouviu em silêncio, suas feições se tornando sérias.

 

— Você teve sorte, meu filho. Muitas almas já se foram para as profundezas, atraídas pelo canto das malvadas. Elas não perdoam aqueles que ousam desafiá-las.

 

Nos dias que se seguiram, Beo tentou retomar sua vida, mas as noites eram repletas de pesadelos. Ele ouvia o canto das sereias em sua mente, uma melodia que o chamava para o mar. Mas sabia que, a qualquer momento, poderia ser novamente atraído por aquelas vozes.

 

Finalmente, em uma noite de lua cheia, incapaz de resistir, ele se encontrou novamente na praia. O som do canto ecoava em sua cabeça, e ele se viu caminhando em direção à água, como se estivesse em transe. Quando estava prestes a entrar no mar, uma mão familiar o agarrou.

 

Era sua avó, que havia corrido atrás dele.

 

— Não! — Ela gritou, puxando-o de volta. — Lembre-se do que aconteceu! Elas não vão parar até te terem!

 

Beo olhou para o mar e viu as sereias, agora mais furiosas do que nunca. Ele percebeu que, se não tivesse resistência, se se entregasse ao chamado delas, nunca mais veria a luz do dia. Com um grito de determinação, ele se afastou da água, enquanto as sereias desapareciam nas sombras, seu canto se desvanecendo na brisa.

 

Nunca mais Beo se aventurou novamente para o mar. Ele aprendeu que algumas melodias são perigosas e o encanto de seres sobrenaturais pode exigir um preço além da própria vida. 

 

E assim, a lenda das sereias de Maré Alta continuou a assombrar sua mente, como um lembrete sombrio de um mal que está sempre à espreita.

 

 

Fim

 

 

Para Michelle

 


 

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L Mandrake
Enviado por L Mandrake em 14/03/2025
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