Chuva de Esferas
Chuva de Esferas
A cidade de Eldervale estava sempre banhada por uma luz moribunda. O céu, tingido por um roxo pálido e envenenado, nunca mais revelou o brilho do sol desde a chegada da primeira chuva de esferas. Eram esferas translúcidas, como bolhas de vidro, mas no seu interior habitava algo sinistro, algo vivo. Um negrume viscoso que se mexia em formas erráticas, como se estivesse tentando escapar.
Era no bar subterrâneo da Rua 42, entre os escombros de uma cidade esquecida, que os últimos sobreviventes se reuniam. Três figuras. Camila, Jonas e Rodrigo. Observavam, em silêncio, através das frestas das tábuas que cobriam as janelas. O som da chuva de esferas era constante, como um tamborilar distante e implacável.
— Você viu hoje? — Jonas perguntou com a voz rouca, seus olhos injetados. — A forma dentro de uma das esferas... era como… eu.
Camila abraçou o casaco contra o corpo, seu olhar fixo no reflexo que a janela distorcia. O frio da umidade parecia mais profundo, mais penetrante, como se a própria cidade estivesse gelada por dentro.
— Elas… aprendem — ela sussurrou, o medo escorrendo por suas palavras. — Elas refletem o que não queremos ver. O que tememos.
Rodrigo, o mais quieto dos três, permaneceu em silêncio. Seus dedos brincavam com o copo vazio, mas sua mente estava distante. Ele não falava desde a primeira noite, desde que sua própria imagem, refletida em uma poça negra dentro de uma esfera, lhe sorriu de volta. Não era o sorriso dele.
A chuva não parava. Cada esfera que caía parecia levar consigo mais uma parte da realidade. Aqueles que tentavam destruir uma delas nunca mais eram vistos. Desapareciam, como se tivessem sido apagados da história. As câmeras de segurança capturavam o instante, mas a gravação terminava em estática, como se as imagens não conseguissem suportar a verdade.
Jonas quebrou o silêncio com uma sugestão.
— E se tentássemos… abrir uma delas? Com controle. Em uma sala trancada, com correntes.
O peso das palavras pairou no ar. Mas ninguém recusou. No dia seguinte, estavam lá, em um porão escuro, cercados por velas e correntes enferrujadas. A esfera estava no centro de uma mesa improvisada. Rodrigo, com mãos tremendo, ergueu o martelo.
Quando o vidro se quebrou, o som foi abafado, como se o próprio espaço se distorcesse. Uma névoa oleosa, negra como a noite, se espalhou pelo ar, e dentro dela algo se revelou.
Era um olho. Imenso. Aberto. Olhando através deles, como se não pertencessem a este mundo, como se o universo inteiro estivesse contido nele. A visão era opressiva, como um buraco sem fundo que os puxava para dentro de si. E foi então que compreenderam, sem palavras, sem sons, apenas uma sensação gelada que se espalhou pela mente:
“A cidade não era o alvo. Era o berço.”
A vigília deles havia terminado. Porque o que estava dentro da esfera agora estava fora