O EXORCISMO IMPROVÁVEL DE JOSÉ FERREIRA

Era uma noite como qualquer outra na vida simples de José Ferreira. Homem trabalhador, pai de oito filhos, fumante inveterado e apreciador de uma boa cachaça nos fins de semana, José não era exatamente o tipo de pessoa que se esperaria ver envolvido em algo sobrenatural. Ele até acreditava em Deus, mas não era de frequentar igrejas ou rezar terços. Sua fé era mais prática, do tipo que se manifestava em ajudar o próximo e cuidar da família.

Naquela noite, porém, o ordinário deu lugar ao extraordinário.

Era quase meia-noite quando os gritos começaram a ecoar da casa vizinha. José, que estava no quintal fumando seu último cigarro do dia, ouviu o desespero na voz dos vizinhos. Sem pensar duas vezes, pegou o boné, apagou o cigarro e foi ver o que estava acontecendo. Afinal, bom vizinho era assim: ajudava quando precisava.

Ao abrir o portão da casa ao lado, José se deparou com uma cena que parecia saída de um filme de terror. O filho mais novo dos vizinhos, um adolescente de quase dezoito anos, estava no meio da sala, com os olhos arregalados e a voz tão grave que parecia vir de outro mundo. Ele gritava que ia matar todo mundo, que aquela família ia pagar por algo que nem sabiam o que era. Os pais choravam, as irmãs berravam, e o rapaz, que antes era tranquilo e educado, agora parecia uma fera enjaulada.

— Ele não é o João! Ele não é o João! — gritava a mãe, desesperada.

— Claro que não sou o João! — rugiu o rapaz, com uma voz que fazia tremer até as paredes da casa. — Vocês sabem quem eu sou!

José Ferreira, sem entender muito bem o que estava acontecendo, mas com um instinto prático que sempre o guiou, perguntou:

— Tem um terço aqui? Alguém tem um terço?

A mãe do rapaz, entre lágrimas, correu para o quarto e trouxe um terço antigo, de contas gastas pelo tempo. José, sem hesitar, colocou o terço no pescoço do jovem e, com uma calma que surpreendeu até a si mesmo, começou a perguntar:

— Qual é o seu nome? Fala pra mim. Qual é o seu nome?

O rapaz revirava os olhos, espumava pela boca e gritava:

— Você sabe quem eu sou! Você sabe!

José, que nunca tinha feito uma oração formal na vida, decidiu improvisar. Segurando o terço com uma mão e colocando a outra sobre a cabeça do rapaz, começou a murmurar palavras que pareciam vir de algum lugar profundo dentro dele:

— Em nome de Deus, quem quer que você seja, vai embora. Esse menino não é seu. Vai embora e não volta mais.

Por um momento, parecia que nada ia acontecer. O rapaz continuava a se debater, os gritos ecoavam pela casa, e a família chorava em desespero. Mas então, como se uma força invisível tivesse sido expulsa, o corpo do jovem caiu pesadamente no chão, banhado em suor. Ele desmaiou.

Quando acordou, alguns minutos depois, olhou ao redor confuso.

— O que aconteceu? — perguntou, com a voz normal, suave, de um adolescente comum.

Ninguém soube explicar direito. O rapaz não se lembrava de nada do que tinha acontecido. A família, ainda em choque, agradeceu a José como se ele fosse um santo enviado por Deus.

José Ferreira, por sua vez, voltou para casa, acendeu mais um cigarro e sentou-se na varanda. Ele não sabia explicar o que tinha acontecido, nem se queria tentar. Mas uma coisa ele sabia: naquela noite, algo maior do que ele tinha acontecido, e ele, um homem comum, tinha feito parte disso.

E assim, sem alarde, sem fama, José Ferreira voltou à sua vida simples, guardando para si o segredo do exorcismo improvável que ninguém acreditaria se ele contasse.

Igor da Silva Chaves
Enviado por Igor da Silva Chaves em 11/03/2025
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