Os brincos de Safira

Safira, a matriarca da família, estava à morte. Pertencente a uma linhagem nobre, vira, com grande pesar, a fortuna da família ruir em três gerações. Seus quatro filhos não tinham herdado a competência tão característica de seu querido marido, um notável banqueiro cujo nome ainda era lembrado como sinônimo de habilidade e espírito empreendedor, casando com mulheres fúteis e esbanjadoras, gerando netos que só gastavam e desonravam o nome da família com escândalos. O patrimônio, conseqüentemente, dissipou-se, obrigando a respeitável dama a leiloar suas jóias, despedir criados, até mesmo seu fiel mordomo, vender seus preciosos quadros e peças de porcelana e sua amada mansão. A única preciosidade que mantinha eram seus brincos de safira, presente do falecido.

Morando com o primogênito, a nora e dois netos, a boa senhora, nos últimos anos de sua vida, tornara-se intratável, chamando a todos de inúteis. Quando soube da doença que terminaria por matá-la, decretou:

-Quero ser enterrada com meus brincos! Nenhum dos meus descendentes merece tê-los!

As noras não aprovaram, pois queriam os brincos. Cobiçavam aquelas pedras de um azul tão tentador, achando absurdo que jóias tão belas fossem postas debaixo da terra para enfeitar as orelhas da velha enquanto ela apodreceria até se tornar um esqueleto. Como a velha lhes adivinhava a cobiça, disse à família antes de piorar:

-Quem roubar meus brincos será amaldiçoado!

Morreu a respeitável senhora no hospital, praguejando enquanto teve forças, silenciando no derradeiro instante. O testamenteiro dispôs que seu último desejo era ser enterrada com seus preciosos brincos, os quais foram procurados, mas não encontrados. Onde estavam? Suspeitou-se da empregada, que alegou sua inocência com firmeza, dizendo que, estando com a consciência limpa, nada temia. Verificaram seus pertences, porém, não acharam os brincos. Nada puderam provar contra a empregada, limitando-se a despedi-la. Ela foi embora reclamando da ingratidão dos patrões à sua lealdade.

Enterraram a senhora Safira, elogiando sua admirável personalidade e chorando muito a sua perda. Brigaram pela herança, que não era muita. Quase todo o pecúlio da madame fora gasto para pagar as inúmeras dívidas que seus descendentes haviam feito.

A esposa do primogênito, que sempre odiara a sogra, era a única que guardava silêncio, não se reunindo aos demais que comentavam, quando não havia alguém de fora do círculo íntimo da família, o quanto a velha tinha uma língua venenosa e era exigente. Parecia radiante, feliz por se ver livre da jararaca azeda.

Sua felicidade, infelizmente, não durou muito. Um dia, no restaurante, passou mal, vomitando o caviar. O médico diagnosticou câncer no estômago. Gastou-se muito dinheiro com quimioterapia, seus belos cabelos caíram, mudaram para um apartamento muito mais modesto. Nada adiantou. Ela morreu sofrendo horríveis dores, cadavérica, o marido quase arruinado com as despesas médicas.

Terminado o funeral, o viúvo, inconsolável, buscava coisas dela no armário para relembrá-la. Achou, atrás do perfume de jasmim, uma caixa de prata que ela tinha desde criança. Ao abri-la, deixou-a cair com o susto. Dentro do porta-jóias, os brincos de safira.