O Homem de Muitas Bocas
O Homem de Muitas Bocas
Ninguém nunca via o senhor Dimas sair de seu apartamento. O 609 sempre esteve ocupado, mas os vizinhos não sabiam dizer desde quando ou por quem.
— Ele pede mantimentos por bilhetes — disse a síndica, dona Marta, a Camila, a nova moradora do 608. — Mas ninguém o vê.
Camila achou estranho, mas não deu importância. Até ouvir os ruídos.
Era de madrugada quando acordou com um murmúrio abafado vindo da parede do quarto. Sons de vozes, muitas vozes, sussurrando palavras incompreensíveis.
Aproximou-se da parede e encostou o ouvido.
— Você pode me ouvir?
Ela se afastou deu um salto. As vozes sabiam que ela estava ouvindo.
Na noite seguinte, os sussurros voltaram, mais altos. Agora, pareciam ser ditos por muitas bocas ao mesmo tempo, como se uma multidão falasse em uníssono.
Camila não dormiu.
De manhã, tentou perguntar a dona Marta, mas a resposta foi inquietante:
— O senhor Dimas? Mas, minha filha... o 609 Estava vazio nesta noite.
Camila congelou. Voltou ao seu apartamento e, tomada pela urgência, bateu na porta do 609.
Silêncio.
Girou a maçaneta. A porta abriu.
O apartamento estava escuro.
E então ele apareceu.
No centro da sala, um homem alto, magro, de pele pálida. Seu rosto... não era normal.
A pele se rasgava em fendas, formando múltiplas bocas por todo o rosto, o pescoço, as mãos. Bocas que sussurravam, murmuravam, rezavam.
— Você ouviu — disseram todas as bocas ao mesmo tempo. — Agora tem que falar por nós.
Camila tentou correr.
Mas sentiu sua pele formigar.
Sua boca secou.
E então uma nova boca se abriu em sua palma.