O roubo da hóstia

Quando eu era mais jovem, uma mulher aqui da vizinhança roubou uma hóstia durante a missa, por um motivo bizarro.

A tal mulher já era mal falada na rua, pois tinha uns costumes estranhos, como por exemplo, acordar no meio da madrugada e “conversar” com as plantas. Um dia desses, eu mesmo vi, quando voltava da escola, a tal senhora em pé no jardim, sozinha, falando com um botão de rosa.

Dizem que a mulher de cabelos longos e brancos participava assiduamente da missa aos domingos pela manhã, sempre muito bem vestida com um vestido branco e vermelho. Um dia, após um descuido do padre durante o ato da comunhão, a senhora saiu correndo da missa com a hóstia nas mãos. Ela embrulhou o pedaço do pão consagrado em um pano branco e saiu às pressas da igreja. O padre interrompeu a missa e organizou um mutirão de pessoas para buscar a hóstia na casa da fugitiva. Chamaram até a polícia.

Como a mulher morava em um casebre no final da minha rua, eu pude acompanhar de perto o caos que ela propagou após roubar a tal hóstia. Tinha fiel até ameaçando-a de morte.

A senhorinha trancou todas as portas e não saiu por nada. O padre, irritado, ordenava para que os policiais invadissem a casa da mulher, mas eles alegavam que nada podiam fazer, pois não se tratava efetivamente de um roubo. O pároco, negro e baixinho, tentou argumentar que aquilo era “o próprio Jesus”, que era “blasfêmia das braba” e um “desrespeito à fé cristã”, mas não adiantou. Após muita discussão, os PM’s foram embora e, quando já estava escurecendo, todos os demais saíam aos poucos de lá, deixando a calçada em frente à casa da mulher repleta de velas acesas.

Durante a madrugada, eu fiz questão de pegar minha bicicleta e dar umas voltas pela rua para ver se a mulher sairia de sua casa para regar o jardim. Como era de praxe, perto da meia-noite, ela saiu. Com um semblante calmo, como se nada tivesse acontecido, ela regou as plantas e cortou algumas mudas com uma tesoura de jardineiro bem grande.

Eu fiquei do outro lado da calçada e pude ver nitidamente quando ela pegou um pano branco, desembrulhou e retirou a hóstia de lá. Neste momento ela começou a "conversar". O que achei estranho é que, ao lado de uma de suas roseiras, havia um buraco aberto, que mais parecia uma sepultura. A cova improvisada não ficava tão nítida durante o dia, pois a imensa roseira a cobria.

Sem tantas delongas, a mulher repartiu a hóstia em pedaços e foi distribuindo pelos cantos do buraco de terra. Eu juro tê-la ouvido cantar. Eu fiquei tão impressionado com aquilo que me aproximei do portão para ver o que tinha dentro do tal buraco.

Não acreditei quando vi um pano branco, como se fosse um corpo enrolado lá dentro. Suspirei alto e isso foi o suficiente para a senhora virar para trás. Não sei se vi errado, mas me pareceu que seus olhos estavam brancos, da cor da hóstia.

Corri para casa e liguei para a polícia. Em menos de dez minutos, a viatura estacionava em frente à casa dela e, dessa vez, arrombaram tudo.

Fiquei de longe observando. Não demorou muito para o padre chegar e entrar apressado no quintal da mulher. Ele vestia uma estola na cor vinho e carregava uma bíblia imensa nas mãos. Ficaram lá por cerca de duas horas e a rua se encheu de gente curiosa.

A senhora foi levada na viatura, quieta e de cabeça baixa. Seu cabelo, grande e grisalho, cobria seu rosto enrugado.

A casa ficou um poço de breu e silêncio. O pano branco já não estava mais no buraco. Dias depois, a bendita fofoca da vizinhança me informou o que tinha em seu jardim: fetos. Muitos fetos.

A mulher realizava abortos nos fundos de casa e enterrava os bebês mortos em seu quintal. Talvez, isso explique o motivo dela ter repartido a hóstia em pedacinhos.

Fiquei sabendo que ela não ficou presa e se mudou de casa. Nunca voltou para buscar nada do casebre e ninguém sabe para onde ela foi. Agora, quando passo em frente à sua casa, vejo as plantas murchas naquele quintal vazio e me lembro que, era com os fetos, que ela conversava na madrugada. ⚪️👀👶🏼

Kathy Nyedja
Enviado por Kathy Nyedja em 06/03/2025
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