Depois de longos anos, uma longa noite 

 

Sekhmeth: Nuit teceu as estrelas, e Aton abençoou os homens. Nuit contemplava os homens, e os homens adoravam as estrelas. Nuit se agradava deles, e o Sol lhes trouxe paz. Mas os homens, consumidos pela corrupção, erraram no escuro. Deixaram de contemplar Nuit e se perderam na terra. Então Nuit, em sua justiça, enviou o castigo.

 

Dois seres alados surgiram—Vazio e Esperança. O primeiro, de olhar abissal, erguia a lança cravejada de sombras. O segundo, de semblante brando, cruzava os braços sobre o peito, impassível. Vazio entoava mantras odiosos; Esperança, taciturno, assentia. De sua face, lágrimas e um sorriso escorriam.

 

***

 

Set: Sombras se dispersam no horizonte, vibrantes como um caos intenso e imperioso. As pretensões infinitas desmoronam no mar aberto de instantes que antes traziam certezas cálidas. O corpo, misturado ao pó fétido da estrada, arrasta-se com pés vacilantes. Ele não reconhece o solo que desliza sob seus passos, nem domina o semblante fugidio que carrega. As sombras giram em um movimento inquebrantável, ameaçadoras. 'Óh, dócil medo!' A violência infernal o percorre, trazendo uma dor terrível. A outrora trilha amiga agora se abre em declives traiçoeiros. No escuro da alma, um silêncio estranho ecoa. Os olhos escuros contemplam a escuridão com morbidez. Um grito gutural rasga a garganta, audaz, mas sua materialização é incerta. 'Mãe condutora do destino, não me seja indiferente!' O abismo se estreita violentamente, e o ar, vazio de vida, condena. O desespero irrompe, cercando-o como uma muralha que cresce sem piedade. 'Oh, profunda dádiva mortal, meu peito já não suporta.' A dor lancinante domina, e a loucura se manifesta em espasmos suaves, frenéticos.

 

Osíris: Deságua no som dos carros, um ser estirado nas vias, amante das estrelas que se apagam. A noite habita em seu peito, e vozes pútridas ousam mentiras, mascarando o silêncio dessa existência indigna. Seca, uma dor espinhenta invade o corpo com ardor atroz. ‘Venha, amada libertadora, desposar esse corpo cansado que tanto lhe anseia.’ As insígnias mortíferas maculam a alma e o corpo que as lágrimas derrubam. Pendendo em desprezos caóticos, o nada chama. Tudo é insuportável enquanto o silêncio não vem. ‘O peso é imperioso demais’, vibra o espírito que mata. ‘A dor obscurece os sentidos’, sibila a mão que castiga. ‘O silêncio é a suprema libertação’, arde a derrota que estremece. Da batalha caótica, do destino, dançando com morte a voz tênue o conduz: ‘Se há dor... há um caminho.’ Um reles mortal demove a escuridão. ‘Algo desponta nesse vale de lágrimas’, abraça a brisa passageira. ‘Brado suave é aquele que levanta’, intenta mais uma vez lutar...

 

Rá: Dispersa-se a violência mordaz, esbravejando seus braços nos ardis inescrupulosos do vácuo. Pende sobre os olhos o sono—pretensa morte—breves instantes... futuro incerto. Vacila por terra, prostrado. A escuridão brilha sobre as dúvidas tenazes.

 

Escuridão, amado campo teatral dos sonos.

 

"Estou ao alto abandonado, atado entre entranhas opressoras" — esculpiu o cenário.

"Lanças erguem meu corpo, dor penetrante banhada em lágrimas de sangue, cortes que latejam" — a dor, terrivelmente real.

"Estou sozinho entre opressores que me ameaçam ao alto, entre algozes que me esperam abaixo" — a cena se desenrola, desoladora.

 

“Ínfero aos meus pés, o veneno escorre pelas escamas. Mandíbulas abertas seduzem em tentação. Criaturas sinuosas envolvem minhas pernas...”

 

Sobre a tez que goteja amargas labutas, vislumbra:

 

"Pende-se ao céu o destino fulgurante, em brilho intenso, crepitando mistérios. Os olhos temem contemplar, à face escapa o ardor."

 

Entre o abismo e a violência, qual morte vivenciar?

 

Estrelas! Respondam às angústias de seu servo mais fiel.

 

Densas neblinas transcorrem ante o horizonte do destino.

Um corpo dividido entre algozes brutais perambula a sonhada liberdade.

 

Vislumbre do céu, contemplando o ocaso...

 

Desperta!

 

Matinal desejo.

 

Os olhos fitam a escuridão, e os joelhos fremem sobre o solo.

 

Ísis: A sinfonia do tempo se destila em constantes ocasos, o devir do tempo é imperioso orientador. Sabedoria invariante da madrugada, destino premia os sedentos nas lutas perdidas. Ergue-se ao vento ante a vã sonolência, ante a letargia que lhe invade como parasita obsessor. A natureza das dúvidas são testemunhas de que as lágrimas derrubadas não são entregues em vão.

 

“Silêncio, manifeste-se nessa madrugada, danço cirandas com minhas culpas.”

 

Qual é o seu destino? Permanece, passo a passo cravejado no solo; um intenso umbral percorre o espírito. O espinho corre pela garganta, e a boca, um deserto sedento, cai e se prostra outra vez. Sacia a angústia da língua que o devora, líquido espúrio às margens da estrada.

 

Noutra face é reflexo, noutro silêncio é ele mesmo que se contempla. É o cansaço que derrota sua alma, é o ânimo que tomba seu corpo.

 

“Companheiro amigo, quem sou?”

 

Tantas expectativas se fazem presentes.

 

“Companheiro de vida, onde vou?”

 

A canção suave para onde lhe conduz? A fina madrugada desabrocha em seu peito, enquanto o pôr do sol da meia-noite habita-lhe o coração.

 

Nephthys: Outrora sombras... ora reluzente horizonte... o olhar detém-se frígido, cativo em um fulgor imensurável. A alma, despojada de máculas, avança resoluta, intentando sobrepujar o umbral do abismo. O espírito arrefece, consumido por ardor, impetuosamente queimando. Ah, vida! Amante da vida, sofre, porque ama, ama pois é livre. Os olhos se deitam sobre o céu que se debruça radiante— habita o silêncio e a luz incandescente. Nesse peito cansado, algo vibra inquieto, ecos esquecidos de sonhos que renascem, lembranças, em sombras, deitam-se mortas. Na sala fria e vazia, arde o fogo de Vesta, e invade a aurora, o silêncio da noite. Nobre jovem, alva beleza, sutil caminhar, levitando em moções. O brilho das estrelas circundantes ao corpo, sacras vestes se desmancham ao ar... O canto dos céus, inocentes falanges:

 

"Oh, nobre augusta, intercede em minha’lma!

Guia, manhã, os meus olhos...

Escadas do paraíso me conduzem...

Lançai fora a madrugada que inebria os olhos...

Bebei do néctar divino...

Salvai-me das armadilhas demiúrgicas

Lançai ao fogo essa corrupção em meu peito”

 

Anúbis: Uma pontada letárgica o desperta do sonho místico. A madrugada, em suas sombras, ainda padece em seus olhos. As estrelas, que guiaram o pobre mortal, não podem conduzi-lo ao fim dessa estrada. Demasiado densas são as memórias que o encobrem; vívida e terrena escuridão se apossou de seu espírito. Aquela criatura cadavérica e mortífera observa-o ao reverso, pungente de sangue. Sua face é o infinito universal; vestes negras encobrem seu ser vazio, e ao entorno, uma aura silenciosa o envolve. Intenso, como um espelho, o persegue, dançando em sincronia com a canção da perdição. Para quem é vagante das estradas, tais vultos vazios entorpecem o olhar. Embora errante, ele não morre, entregue ao encalço do horror. O perseguidor o atinge? Ao longe, não o alcança; ao longe, não o acerta, embora ágil, a obsessão pela vida desfigura o completo fragor do medo. Mas o ar falta-lhe, o peito arde, e a noite segue imperiosa ante os pés vacilantes... A aurora ainda se distancia, trajes pesados não permitem que ele continue.

 

Hórus: Será este o fim da estrada? Sombras altaneiras não o espreitam mais. Nos bolsos da calça, doces memórias embalam seus passos sinuosos. “Do que eu corria?” Não há nada na estrada! A madrugada ainda pende, luxuriante e vivaz. A vital vingança o instiga cabalmente. Mas nessa estrada, o silêncio é arrebatador. Diante de si e em si, o que é o que somos? “O meu coração anseia pelo infinito, o meu coração não se conforma em breve passar”. No entanto, o destino está completamente difuso... a aurora arrebatadora não irradia como antes. Quando a noite se apossa de uma alma pura, tão perturbadora é a solidão. Gritam as forças contidas de seu pulmão; a última esperança bravamente instiga sua voz. Olha para o longe, ao encalço e adiante... a cidade está banhada em sangue, entretanto... não há ninguém. Lágrimas escorrem de seu rosto; dói tanto o coração em promessas perdidas. “Como fui fraco, como fui sedento!”. Não há mais o que fazer... Sob o jugo da noite indiferente, a humanidade passiva marcha em imperiosa morte. Ele tira de si um pequeno broche solar, relíquia de tempos fugazes, as memórias esquivas o entorpecem. Ele ri.

 

“Não há nada... Estou corrompido.”

 

***

 

Toth: Lágrimas irrigam a terra seca, certo aroma nostálgico canta novidades. Seus passos, confiantes, marcam o solo de preces; os ombros pendentes carregam o destino, sábias memórias reforçam o martírio. Os calos das mãos seguram uma flor, suas pétalas envolvem o ar. O dia é acalento comovente, seu sorriso envolve o horizonte.

 

Sussurro ao vento...

 

“Deixem as estrelas guiarem seus destinos, novamente.”

 

Um túmulo antigo se apresenta diante de seus olhos, inscrições obscurecidas pelo tempo. Prosta-se em orações contidas. O céu assente ao seu favor, vertendo lágrimas de sangue. Ele se curva diante da inscrição desgastada, incertos são os nomes que se revelam.

 

A antiga sapiência o instiga...

 

“E o mundo circunda em busca do retorno à ordem natural”

 

Deita sua mão e dispensa a oferta, salutar presente para os deuses antigos. De repente, no silêncio angustioso, uma risada conduz a harmonia do ambiente vazio. Uma resposta forte e indigesta surge ante a compreensão inescapável. Os olhos despertam, contemplam o céu. Fecha os olhos.

 

"Não há arrependimentos."

 

Tema: Praga