O Terceiro Céu

O Terceiro Céu

Padre Maurício já não acreditava em milagres.

Décadas ouvindo confissões, enterrando fiéis e buscando um Deus cada vez mais silencioso o haviam esvaziado. Então, quando o Vaticano enviou uma carta urgente convocando-o para um caso incomum no interior do Brasil, ele aceitou.

O homem que precisavam exorcizar **não era humano**.

**◇**

A vila de São Justino era pequena, esquecida entre montanhas de pedra e estradas de terra. Mas seus moradores falavam de algo **maior**. Algo que desceu do céu numa noite sem estrelas.

— Ele se chama Gaspar. — O bispo local apertou os olhos, nervoso. — Apareceu no convento há três semanas.

— Um homem? — perguntou Maurício.

O bispo hesitou.

— Ele tem a forma de um homem.

**◇**

Gaspar estava sentado no centro de uma cela de pedra, com os pulsos atados por correntes benzidas.

Sua pele era **demasiadamente pálida**. Seus olhos eram fundos e negros, mas continham uma vastidão que Maurício não ousava encarar por muito tempo.

Quando o padre entrou, Gaspar ergueu o rosto e sorriu.

— **Você veio.**

A voz era errada.

Não saiu de sua boca, mas **do ar ao redor dele**.

**◇**

— Quem é você? — perguntou Maurício.

Gaspar piscou devagar.

— **Eu sou um servo.**

— De quem?

— **Do que veio antes.**

Maurício sentiu um arrepio rastejar por sua espinha.

— Você é um anjo caído?

Gaspar sorriu, triste.

— **Os anjos nunca subiram.**

**◇**

Na terceira noite, Gaspar começou a sussurrar nas paredes.

Palavras em línguas esquecidas, descrições de coisas que **não deviam existir**.

Os frades do convento taparam os ouvidos, mas ainda assim **ouviram**.

Um se jogou do campanário.

Outro arrancou os próprios olhos, dizendo que via **o terceiro céu**.

E então, Maurício entrou na cela.

Gaspar o olhou como se já esperasse por ele.

— **Você quer ver?**

**◇**

A última coisa que os frades ouviram naquela noite foi um grito.

Um som que **não poderia ter saído da garganta de um homem**.

Na manhã seguinte, Gaspar havia desaparecido.

E no chão de sua cela, escrito em sangue, havia apenas uma frase:

— **Ele olhou.**

Ninguém nunca mais viu Maurício.

Mas, às vezes, quando a noite está muito silenciosa, os moradores de São Justino dizem que podem ouvir uma voz no vento.

Sussurrando algo que **não deveria ser ouvido**.

(Eduardo Andrade)
Enviado por (Eduardo Andrade) em 28/02/2025
Código do texto: T8274267
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