Diário de Takashi: Hatsumode

 

A noite de Ano Novo em Osaka era vibrante, mas Takashi Sato, jornalista investigativo, acostumado a histórias sombrias, queria apenas descansar. Ele passava suas férias vagando pelas ruas iluminadas da cidade, absorvendo o clima festivo, enquanto todos se dirigiam ao Templo Shitenno-ji para o Hatsumode, a primeira oração do ano.

 

No caminho, ele parou em uma pequena loja de doces tradicionais. Lá, encontrou uma menina que lhe chamou atenção. Mei, como se apresentou, parecia ter uns doze anos, vestia um kimono azul claro e tinha um sorriso gentil, mas havia algo em seus olhos—algo que o fez sentir um leve desconforto.

 

— Você é jornalista, né? — perguntou ela, sem que ele tivesse mencionado sua profissão.

 

Takashi riu, surpreso.

 

— Sim, como sabe?

 

— Eu vejo muitas coisas… — respondeu, ainda sorrindo.

 

Antes que pudesse perguntar mais, Mei inclinou a cabeça de leve e, com uma voz doce, se despediu:

 

— Vejo você no próximo Ano Novo.

 

E então virou-se e sumiu na multidão, como se nunca tivesse estado ali.

 

 

Takashi chegou ao Templo Shitenno-ji, tentando esquecer o encontro estranho. No entanto, algo no ar parecia diferente.

 

Havia murmúrios entre os fiéis—sussurros sobre figuras que não pertenciam ao mundo dos vivos. Alguns diziam ter visto pessoas de aparência antiga, vestindo roupas de épocas passadas, que, depois da cerimônia, simplesmente desapareciam.

 

Um velho monge observava a multidão, e Takashi, movido pelo instinto jornalístico, se aproximou.

 

— Há boatos de que os mortos vêm ao templo no Ano Novo — disse o monge em tom grave.

 

— Mortos? — Takashi franziu a testa.

 

— Sim. Eles se misturam à multidão, indistinguíveis dos vivos. Alguns vêm apenas para rezar. Outros… para buscar companhia.

 

Takashi sentiu um frio na espinha.

 

— E como saber se falamos com um deles?

 

O monge hesitou, então respondeu em voz baixa:

 

— Se um estranho lhe disser ‘Vejo você no próximo Ano Novo’… corra.

 

Takashi congelou.

 

Ele ouviu exatamente essa frase algumas horas antes.

 

 

Nos dias seguintes, Takashi não conseguia esquecer o que ouvira. Sua mente dizia que era superstição, mas algo dentro dele não aceitava essa explicação.

 

Pesquisando nos arquivos antigos do templo, encontrou algo que fez seu sangue gelar.

 

Relatos de diversas pessoas que, antes de morrer, haviam contado a amigos ou parentes que conheceram alguém que lhes disse aquela frase exata.

 

Muitos dos registros descreviam uma menina jovem, sempre sorridente, sempre desaparecendo sem deixar rastros. Mas ela não era a única. Outros nomes surgiam, outras aparições, sempre diferentes, sempre dizendo a mesma frase.

 

Takashi sentiu a garganta secar.

 

Isso não era uma lenda urbana. Era real.

 

E ele havia ouvido a frase maldita.

 

 

A partir daquela noite, Takashi não se sentia mais sozinho.

 

Ele começou a notar pequenas coisas estranhas. Sombras que se moviam onde não deviam. Sussurros no escuro. Um reflexo estranho no espelho.

 

Na rua, começou a ver pessoas paradas no meio da multidão, olhando diretamente para ele. Quando piscava, elas não estavam mais lá.

 

A sensação de ser observado, seguido, caçado, crescia a cada dia.

 

 

Decidido a lutar contra o medo, Takashi escreveu sua matéria.

 

Ele detalhou as histórias das aparições, os padrões das mortes, as palavras ditas. Mas enquanto escrevia, algo o incomodava profundamente.

 

E se, ao publicar, ele estivesse espalhando a maldição?

 

Seu olhar caiu sobre o último parágrafo que escreveu:

 

"Se os mortos caminham entre nós na noite de Ano Novo, quem pode dizer que não estamos conversando com eles agora? Será que conseguimos distinguir os vivos dos mortos? Ou será que, ao ouvirmos as palavras erradas, nosso destino já foi selado?

 

No último Ano Novo, alguém me disse essa frase. E agora… espero estar vivo para escrever sobre o próximo."

 

 

 

 

 

FIM

 

 

 

 

Cavaleiro Menestrel
Enviado por Cavaleiro Menestrel em 24/02/2025
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