A Ponte para Irem
A Ponte para Irem
O engenheiro Caio Velasquez recebeu o chamado à meia-noite. A prefeitura queria que ele avaliasse uma ponte abandonada no interior de Minas Gerais, um relicário de concreto dos anos 1950 que, segundo moradores, "se recusava a cair". Terremotos, enchentes, relâmpagos: nada a afetava. O mais estranho, diziam, era que ninguém lembrava quando foi construída, nem quem a projetou.
Ao chegar, Caio encontrou a estrutura mergulhada em neblina, sua forma oscilando como se não fosse feita de matéria comum. Ele tocou o concreto, mas sentiu algo frio e úmido, como pele morta.
Um velho da cidade, olhos fundos de quem não dormia há décadas, aproximou-se.
— Não fique aqui depois do pôr do sol — advertiu. — A ponte não leva a outro lado. Ela leva pra Irem.
Caio riu. Lendas, pensou. Mas quando a noite caiu, ele não conseguiu evitar a tentação. Pisou no asfalto antigo e andou.
Cada passo reverberava como um eco distorcido. As estrelas acima se apagavam. O rio sob a ponte desapareceu. Logo, não havia nada ao redor além de um céu negro, profundo, pulsante.
Caio parou. Atrás dele, a cidade já não existia. Adiante, torres ciclópicas brotavam do vazio, iluminadas por chamas verdes sem origem. Eram estruturas impossíveis, cujas formas mudavam quando não eram observadas.
— Bem-vindo — sussurrou uma voz.
Algo se movia na escuridão. Criaturas sem forma definida, com olhos que nunca piscavam e bocas demais, rastejavam ao seu redor, deixando trilhas pegajosas no chão da ponte.
— Fique. O mundo nunca te pertenceu.
Caio tentou correr, mas seus pés estavam presos ao chão, como se a ponte já o tivesse aceitado como parte dela. A realidade ao redor tremia. O tempo se fragmentava.
Quando gritou, seu som não voltou. Seu corpo dissolveu-se no concreto da ponte, sua consciência espalhando-se como um eco que nunca morria.
Na manhã seguinte, os moradores viram que um novo detalhe havia surgido na estrutura: um rosto congelado em um grito eterno, esculpido no pilar central.
A ponte nunca caiu. Mas sempre pedia mais.