A Coisa Que Chega Com a Chuva
A Coisa Que Chega Com a Chuva
Em Montebranco, a chuva nunca vinha sozinha.
Os moradores sabiam disso. Desde que a cidade foi fundada, ninguém saía durante as tempestades. Portas e janelas eram trancadas antes da primeira gota cair. Ninguém olhava para fora. Ninguém escutava.
Diziam que a chuva trazia **algo**.
Caio não acreditava nessas histórias. Ele era jornalista e fora enviado à cidade para cobrir o fenômeno, uma lenda antiga transformada em superstição coletiva. Mas no segundo dia de sua estadia, as nuvens se formaram no horizonte.
E Montebranco se escondeu.
Os postes foram apagados. As ruas ficaram desertas. Somente Caio, em seu quarto de hotel, permaneceu com as janelas abertas, ouvindo os primeiros pingos caírem no asfalto.
Foi então que ele percebeu.
A chuva estava... errada.
Cada gota caía pesada, densa demais, como se algo além da água estivesse misturado a ela. Um cheiro estranho tomou o ar — não de terra molhada, mas de algo **vivo**.
E então, veio o som.
No meio do barulho da tempestade, ouviu-se um segundo ruído. Um arrastar de pés. Um gotejar que não era de água.
Caio espiou pela janela.
No meio da rua, no breu da tempestade, algo estava parado.
A silhueta não tinha contornos definidos. Era alta demais, fina demais. O rosto... não existia. Apenas uma ausência de feições onde algo pulsava, como carne se moldando ao acaso.
Caio prendeu a respiração.
A coisa virou a cabeça em sua direção.
Não.
A coisa **sentiu** que ele a viu.
A chuva ficou mais forte. O vidro de sua janela começou a vibrar. O som rastejante ficou mais próximo, ecoando em sua mente.
_"Não devia ter olhado."_
Caio tentou se afastar, mas seus pés não se moviam. Suas mãos começaram a formigar. Quando olhou para elas, percebeu que gotas negras escorriam por sua pele.
A chuva estava dentro dele.
Ele tentou gritar, mas sua voz se perdeu.
Quando a tempestade passou, Montebranco abriu suas portas novamente.
A cidade estava intacta.
Mas no hotel, o quarto de Caio estava vazio.
A única coisa que restava era uma poça negra evaporando lentamente no chão.
E lá fora, no horizonte, as nuvens voltavam a se formar.