O combustível do pesadelo

Eu não sou louco, quero deixar isso bem claro desde o

começo. Sei o que vi e sei o que senti, mas duvido que acreditem em mim. Nem eu acreditaria, se estivesse no lugar deles...

A primeira vez que aconteceu foi em uma noite de verão. O relógio marcava 3h33m quando acordei suando frio, o peito apertado por uma angústia inexplicável. No canto do quarto, uma sombra se movia

- indiferente ao fato de que não havia luz alguma para projetá-la. Era como se ela absorvesse a escuridão ao seu redor para se manter ali. Tentei me mexer, mas meu corpo não respondia, eu estava preso entre o sono e a vigília, condenado a apenas assistir.

Então, ela sussurrou. As palavras eram distorcidas, mas compreensíveis. Falava de fome, de sede, de um desejo insaciável de existir. Disse que precisava de combustível e, naquele momento, compreendi que seu combustível era o meu medo.

Na noite seguinte, fiz de tudo para não dormir, mas o cansaço me venceu. Acordei no mesmo horário, paralisado, e a sombra estava lá, mais próxima, mais densa. Sussurrou de novo, e eu senti a exaustão se aprofundar, como se minha própria essência estivesse sendo drenada.

Os dias seguintes foram um inferno. A cada noite a sombra se tornava mais definida, mais detalhada. Garras, olhos sem fundo, uma boca que se estendia além do humanamente possível. A cada encontro sua voz ficava mais nítida, exigindo mais medo, mais energia. Meu reflexo no espelho se tornava pálido, com ossos salientes sob a pele fina: eu estava desaparecendo.

Busquei ajuda. Médicos, terapeutas, medicamentos, nada adiantava. Eu já não dormia mais, e mesmo assim a sombra aparecia. Em casa, no trabalho, no canto da minha visão. Até que, certa noite, ela parou de sussurrar e começou a gritar.

Meu coração disparou, o quarto tremeu, as paredes se dobraram para dentro, sugadas pela presença faminta que agora se alimentava de mim sem disfarces. Meu corpo já não me pertencia, meus ossos estalavam sob uma pressão invisível, meus olhos ardiam como se queimassem por dentro. A última coisa que vi antes de perder a consciência foi a sombra me engolindo por inteiro.

Acordei em um quarto branco. Disseram que fui encontrado desmaiado, desnutrido, quase em coma, tudo fruto de um colapso nervoso.

Mas eu sei a verdade.

Porque, quando apagam as luzes neste hospital, eu ainda a vejo me esperando no canto do quarto, com olhos negros, como um poço sem fim, e ainda está faminta.

Betaldi
Enviado por Betaldi em 23/02/2025
Código do texto: T8270728
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