O Medalhão de Ouro
O Medalhão de Ouro
Havia algo de errado no medalhão.
Júlia o encontrou em uma feira de antiguidades, entre quinquilharias e velhos retratos sem dono. O vendedor, um homem de olhos fundos e voz arrastada, disse que era uma relíquia do século XIX. Seu metal não era ouro, nem prata — tinha um tom pálido, doentio, como se a luz hesitasse ao tocá-lo.
Dentro, uma foto sépia de uma mulher cujo rosto estava borrado, apagado não pelo tempo, mas como se nunca tivesse sido registrado corretamente.
Júlia comprou a peça por impulso. Não porque gostasse dela, mas porque sentiu que deveria levá-la.
Naquela noite, sonhou com uma casa que não reconhecia. O teto era alto demais, as portas se moviam ligeiramente, como se respirassem. Pelo corredor escuro, alguém sussurrava seu nome.
Acordou suando frio. O medalhão estava aberto na cabeceira.
Nos dias seguintes, as visões se intensificaram. A casa em seus sonhos tornou-se mais nítida. Passos ecoavam pelos corredores antes vazios. Reflexos apareciam nos espelhos — não o dela, mas de uma silhueta indistinta, parada atrás de si.
No mundo desperto, o medalhão parecia cada vez mais... quente. O metal pálido pulsava, como se tivesse vida própria.
Certa noite, Júlia acordou fora da cama, de pé no meio da sala. O medalhão em sua mão estava aberto. E no espelho da sala, viu.
A mulher da foto agora tinha um rosto.
E era idêntico ao dela.
A respiração de Júlia travou. Algo estava errado com seu reflexo. A versão dela no espelho não piscava. Os olhos eram fundos, muito fundos, como se a imagem fosse um buraco escuro para algo além.
Então, os lábios do reflexo se moveram.
"Não foi você quem me encontrou", sussurrou. "Eu que encontrei você."
O vidro estilhaçou.
Júlia acordou em sua cama, o medalhão trancado. Mas sabia que algo estava errado. O mundo parecia... deslocado. O ar, mais denso. As sombras, mais longas.
Na manhã seguinte, tentou se lembrar da própria infância. Mas as memórias estavam borradas, como a foto dentro do medalhão.
Como se nunca tivessem existido corretamente.