Os Devotos da Estrada
Os Devotos da Estrada
O deserto de Atacama se estendia como uma pele ressequida, sem fim, sob um céu de estrelas imóveis. Era um vazio tão antigo que até o próprio tempo parecia hesitar ali. O engenheiro Rodolfo Varela dirigia há horas por uma estrada que mal existia nos mapas, guiado apenas por coordenadas enviadas por uma empresa misteriosa chamada **Orphic Industries**.
"Apenas mais uma estação de monitoramento atmosférico", dissera o supervisor. Mas algo no contrato lhe dava arrepios. Por que um salário tão alto para apenas verificar uma estrutura abandonada no meio do nada?
Após sete horas sem ver vivalma, Rodolfo notou as primeiras marcas de civilização: placas velhas de trânsito, todas corroídas por algo que não era ferrugem. Um quilômetro adiante, avistou luzes trêmulas.
A "estação atmosférica" parecia menos um centro de pesquisa e mais um altar. Doze monólitos circundavam a estrutura central, cada um coberto por inscrições que vibravam à luz do luar. Algo no padrão das runas causava náusea, como se o olho tentasse decifrá-las e falhasse em um nível além da razão.
Foi então que Rodolfo viu a primeira pessoa.
Uma mulher alta, vestida com roupas brancas cobertas de poeira, estava de pé junto a um dos monólitos. Seu rosto era sereno demais, como uma estátua viva.
"Você veio no tempo certo", disse ela.
Antes que Rodolfo pudesse responder, percebeu que não estavam sozinhos.
Havia outros.
Saindo das sombras das rochas, dos vãos entre os monólitos, emergiram dezenas de figuras. Homens, mulheres, até mesmo crianças. Seus olhos eram opacos, refletindo a luz de forma errada. Todos estavam sujos de poeira, mas seus pés estavam limpos. Como se nunca tivessem caminhado até ali.
"O que é este lugar?" Rodolfo murmurou.
A mulher inclinou a cabeça, como se a pergunta fosse infantil.
"O primeiro marco. A estrada precisa de devotos para se abrir."
Rodolfo sentiu algo atrás de si. Virou-se devagar e viu.
A estrada.
Antes, era só areia e rocha. Agora, um caminho surgia além da estação. Mas não era asfalto. Nem terra. A estrada parecia feita de uma substância negra, opaca, que engolia a luz. E ela pulsava.
Rodolfo tropeçou para trás.
"Eu... Eu não devia estar aqui", disse, a voz tremendo.
"Mas você **está**", respondeu a mulher.
A estrada vibrou. Algo estava vindo.
De dentro da escuridão do caminho, formas começaram a se erguer. Finas, impossivelmente altas, movendo-se de forma errática. Seus corpos eram feitos da própria estrada, como se fossem sombras ganhando carne.
As figuras ao redor de Rodolfo se ajoelharam em uníssono. A mulher sorriu.
"Eles estão famintos", sussurrou.
O primeiro ser saiu da estrada e tocou a areia. O chão apodreceu ao seu redor. Rodolfo correu. Correu sem olhar para trás, ouvindo os murmúrios se transformarem em gritos.
Ele dirigiu sem parar, o motor rugindo contra a noite. Mas, ao olhar pelo retrovisor, percebeu o pior.
A estrada o seguia.
Ela se estendia atrás de seu carro, crescendo pelo deserto.
E a cada quilômetro, novas figuras surgiam de dentro dela.
Esperando pelo próximo devoto.