A MALDIÇÃO DO DESTINO MANIFESTO CLTS 30

A MALDIÇÃO DO DESTINO MANIFESTO

VALÉRIA GUERRA REITER

Billy Jesse não entendia nada de pintura, mas atirar era seu melhor dom. O homem estava ajoelhado perto do berço de uma criança de uns seis meses. Ele sacou seu chapéu e colou ao peito, enquanto fitava o pequeno. E depois de alguns segundos de observação, disse: Nasceu mais um corajoso herói do Oeste, e ele fará a diferença nestas bandas. O titio levou seis longos meses para vê-lo.

Fora daquela casa humilde, cravada no meio da Califórnia dos idos de 1873, um homem de estatura média, cabelos ruivos, olhos azuis, e esporas, caminhava na companhia de seis comparsas. Seu destino não poderia ser outro: roubar outro banco, assaltar outra diligência, ou um trem.

A aridez do lugar era visível, através do calor suspenso no ar. Uma mulher morena permanecia à porta daquela quase cabana, suas vestes estavam amassadas, e os cabelos desgrenhados, pareciam não terem sido nunca lavados...

Lá dentro, o sobrinho de uma das lendas vivas do Velho-Oeste chorava. A moça aparentemente triste foi em sua direção, pois já era hora da mamada. Ela entrou. E uma mulher com cabelos loiros, alta e pés descalços, a fitava, no meio da sala. A tal mulher que dentro da choupana estava de tamanho natural, ao sair lá fora, se tornou imensa, e começou a seguir os homens montados em seus animais, que cavalgavam rumo a mais um intento ilícito; ou cruel, como quiserem classificar...

Uma águia de cabeça branca cortava o céu, naquele momento azul, e o sol a pino estava faiscando. O bando de Billy Jesse seguia seu destino.

Richard quebrou o silêncio da caminhada, aos quinze minutos, dizendo: Será que os ianques já chegaram lá? Onde? Perguntou Billy. No Missouri. Bem, eu acho que se estiverem por lá, saberemos muito bem como agir, completou Jesse.

Frank, irmão de Billy, deu sua opinião sanguinária: É melhor ficarmos calados, matar também é nosso ofício, temos muito que caminhar até os cavalos, e os índios escutam até os nossos pensamentos. Não quero gastar munição com aqueles ratos imundos.

O homem e a máquina, sempre se confrontaram, e, também se completaram. O cavalo de ferro, como muitos chamavam as locomotivas, na época das ferrovias nascentes vieram para levar o “progresso” aos homens e mulheres estadunidenses, porém muitos perderam seus ranchos para o interesse financeiro, que iniciava uma marcha incessante que desejava expandir os territórios no grande oeste.

Em meados do século XIX, os EUA tiveram um grande crescimento territorial. A descoberta de ouro na Califórnia, em 1848, levou milhares de famílias e aventureiros para a “Corrida do Ouro” ou “Marcha para o Oeste”. Ferrovias, estradas, instalação de telégrafo e a oferta de terras pelo governo estimularam o fluxo migratório. Os estadunidenses acreditavam ser o povo eleito por Deus para civilizar o mundo e destinado a um futuro glorioso e de progresso. Nasceu, assim, a ideia do “Destino Manifesto”, um pensamento nacionalista e expansionista.

A Guerra da Secessão entre o sul e o norte dos Estados Unidos foi sangrenta, morreram 970 mil pessoas. E uma das motivações do acontecimento partiu dos fazendeiros sulistas escravagistas, que não desejavam a liberdade para os escravos. Afinal, com esta mão-de-obra farta e barata, seus latifúndios prosperavam...

Billy Jesse, nascera em uma fazenda no Missouri, centro-oeste dos Estados Unidos. Claro que a família prezava os valores escravagistas, de forma mais suave, porém confortável, típico da época. Mas para a alma de Billy, demasiadamente inquieta, este conforto era enfadonho; e seu espírito era exaltado. O sossego da vida no campo não era nada estimulante. Por isso buscava aventuras e conquistas radicais.

Depois de léguas de distância percorridas a pé, os rapazes encontraram a choupana onde estavam seus cavalos apeados.

Billy estava exausto, pois atravessara o deserto do Mojave, na Califórnia em direção ao Missouri, Ele tinha uma missão nova, mas antes precisaria dormir dois dias seguidos, para se recuperar. Depois disso iria assaltar um trem e um banco. Os xerifes estavam de olho nele, pois sabiam o quanto Billy Jesse era arisco.

O ronco do filho do Missouri era alto, ele era jovem, mas desde pequeno tinha apneia do sono. Na fazendola dos pais ele dormia tranquilo. Sua mãe estava na cozinha preparando um belo assado com batatas para o jantar daquele que era seu filho preferido. Mal sabia ela, que seu rebento de vinte e cinco anos iria dormir exatos dois dias., se alimentando de sono, e de sonhos. Ela percebeu que o rapaz estava exausto, corroído pelo extremo cansaço, e então jantou sozinha, já que Frank, o outro filho, havia saído, e ainda não voltara.

A varanda da fazendola era bucólica, com duas cadeiras de balanço, e um tapete de pele de búfalo, que dava ao local um toque especial”, a senhora Widemann gostava de cochilar sentada ali, por horas”. A vida era calma, mas Isla não podia ficar totalmente relaxada em seu alpendre sabendo que seu amado Billy poderia morrer a qualquer momento. Afinal, ele era considerado um fora-da-lei.

Será que Deus realmente está do lado de minha família? Refletia a senhora Widemann, olhando a terra ao seu redor, e escutando o ronco de Billy Jesse. Para ela aquele ronco era como o suave canto do cardinal. Quando ele dormia, ela o tinha seguro ao seu lado, parecia um bebê, em seu leito. O sossego da matriarca, e viúva Isla durou apenas meia hora naquele segundo dia de sono do seu filho fadigado. Um barulho inconfundível de trote inundou o ambiente sagrado daquela mãe zelosa.

ONDE ESTÁ BILLY? Urrou um dos bandoleiros do grupo de dez. A senhora que estava com uma imagem de santa entre as mãos, apenas olhou na direção do grupo e nada disse. Seu coração pulava no peito...

Um deles atirou na outra cadeira de balanço, a esfacelando. Em seguida um tiro acertou a cabeça do atirador. Os outros não negaram fogo e atiraram na mulher, que caiu sem vida no chão de madeira. De dentro da casa alguém atirava e atirava, e os nove homens foram caindo no meio das amoreiras, em frente a casa principal.

NÃO MÃE! VOCÊ NÃO! gritava um jovem de ceroulas que trazia uma espingarda de cano duplo, a qual atirou no chão de terra, ao longe, em um ato de intensa revolta e comoção. Ele sacudia aquela mulher, ainda jovem, talvez uns 45 anos, que jazia inerte no solo. O homem chorava copiosamente e gritava que viveria para matar todos aqueles que originaram a morte cruel de sua amada progenitora.

O pai de Billy já havia falecido há cinco anos, e sua mãe resolveu que não casaria de novo, ela tocava o rancho ao lado de seus três filhos: Billy, Frank e John. O padre local foi chamado por Frank, ele encomendaria a alma da mãe de família assassinada, e o funeral daquela mulher, que tinha fé em Maria, em Jesus, e na senhora do Destino, como ela chamava a mulhe no quadro que ganhou: uma réplica da pintura original, que John havia lhe presenteado há um ano.

Sua mãe havia ganho uma réplica do quadro pintado por John Gast, pintor nascido em Berlim, e que havia retratado a peregrinação em marcha daqueles que desbravariam o oeste norte-americano. Desbravar o Oeste, parecia um destino calculado pelo próprio Deus. A mãe de Billy, quando viu a mulher do quadro. Pensou ser uma santa redentora do povo nascido e renascido das Treze colônias, agora libertas. A saudade que ela sentia de seu filho caçula, que fora para o oeste seguindo a manifestação de Deus era mui grandiosa. Ele se casou com uma índia comanche.

A pequena igreja católica do condado de Manchester city estava lotada, todos os habitantes estavam presentes para o velório da senhora Isla. Frank e Billy esperavam a chegada de John, mas sabiam ser muito difícil que ele viesse a tempo, pela distância a vencer, seria penoso demais a esposa, a “Pequena raposa” e o pequeno Andrew. A tristeza era visível nos olhos dos irmãos Widemann. Do lado de fora estavam os homens do bando de Billy Jesse. Eles mantinham a segurança do comparsa, e iriam dar as salvas de tiros, ao findar o enterro daquela que para Billy, era tudo.

Billy, o que achou de John não ter vindo...será que aquela índia não o deixou vir...disse Frank bufando. Billy respondeu entre lágrimas – Eu prometi a mãe, que não faria nada contra ela. E terei que cumprir a promessa, a não ser...

e Frank retruca: - A não ser...

Billy – A não ser que John e meu sobrinho estejam correndo algum risco...

Billy – A última vez que fui lá visitar o menino, John não estava presente, tinha ido aos laranjais, e ela estava sozinha, desde o início da visita, ela nada disse, depois ficou na soleira da porta me vendo partir...No início do percurso,po sorte encontrei John, que me pareceu mais magro e cansado, afinal a vida no Oeste, naquele deserto, não é fácil. E mais um detalhe, durante o percurso senti uma forte presença, uma presença maldita, parecia estar nos seguindo...depois cheguei em casa, e dois dias depois, aconteceu tudo com nossa mãe.

Frank apenas meneou a cabeça positivamente, os dois irmãos eram unha e carne, já o caçula, J era mais afastado, desde que Billy matou o pai da “Pequena Raposa”, em uma emboscada. E para não matar seu irmão, John seguiu em marcha para o Oeste, com a finalidade de recomeçar vida nova. Alguns diziam que a esposa comanche de John via o fantasma de uma mulher gigante, que voava com vestes brancas, e toda vez que a via, era um aviso que morreria alguém.

Billy Jesse estava marcado para morrer, ou pelas mãos das autoridades, ou pelas unhas de grupos rivais, ou sob as flechas dos índios. Afinal, ele havia eliminado um chefe comanche importante, sem saber que era o futuro sogro de seu irmão. A emboscada era para eliminar Billy e seu bando, e o índio participou apenas para ganhar alguma fama de herói, às avessas.

Amanheceu o dia após o funeral de Isla, e Billy entrou no quarto de sua angelical mãe, e resolveu olhar seus pertences, e dentre terços, cruzes, moedas, e cartas, achou a réplica da pintura, onde figuravam detalhes emblemáticos: as pessoas estão em rota, algumas montadas em cavalos, outras caminhando, há carroças também; e flutuando no meio da tela, há uma dama de cabelos longos e loiros, vestes alvas e esvoaçantes...ela parecia guia-los...não se sabe se para o bem o para o mal...

Ele fitou aquela imagem, que sua mãe guardava há um ano, e que ele nunca havia visto. Ele ficou embevecido com tamanha beleza naquela obra de arte, e então mostrou a Frank, perguntando se deveria colocar em um quadro, aquela maravilhosa lembrança de Isla Widemann. Frank aprovou a ideia. E na sala do rancho, foi dependurado o quadro: onde atrás estava escrito: Esta mulher é uma santa que guiou o destino desta nação. Assinado: Jonh Louis O” Sullivan, jornalista.

O tempo implacável em sua missão passou, e em dez anos decorridos, Billy conseguiu permanecer vivo, mas perdera a mão esquerda, em um confronto, após um assalto a um rancho. Seu irmão John só conseguiu voltar a terra natal, depois de um decênio, em um belo dia primaveril ele chegou à fazenda de Billy e Frank. Na garupa ele trazia Andrew.

O menino estava belo, olhos azuis e pele morena, cabelos castanhos e lisos. Infelizmente a mãe do jovem havia contraído tuberculose, e morreu quando ele tinha apenas quatro anos. John foi pai e mãe a partir daí.

Ora, ora, que rapagão está aquele bebê que vi há dez anos. E você John parece mais forte, disse Frank. E John, aparentando descontentamento, olhou par o quadro pendurado na parede e lamentou o ocorrido com sua mãe. Já, o meninote, quando viu aquela pintura, exclamou: Onde está ela? E seu pai questionou – Ela quem? e o menino respondeu: Manifest Ghost

Billy ficou apavorado, e olhou para Frank e John com preocupação. Depois olhou para o quadro com mais atenção e percebeu que a mulher esvoaçante não estava lá. Mas resolveu continuar guardando aquele segredo (de não ter visto a imagem alterada), e durante o jantar falaram sobre Isla com saudade.

Pela manhã, John quis ir ao cemitério para visitar o túmulo da mãe, que ficava bem perto, bem na divisa das terras da família. Saíram juntos John e Frank, mas Billy não quis ir, pois não queria se emocionar. O pequeno Andrew também resolveu ficar fazendo companhia ao tio, que mal conhecia. Andy, como era chamado carinhosamente pelo pai se sentou na cadeira de balanço da avó, e fechou os olhos, quando abriu, viu uma mulher gigantesca e alva, com roupas brancas e pés descalços voando com uma espingarda nas mãos. Ela entregou o artefato ao garoto e em pensamento ordenou: - Mate Billy Jesse agora! e vingarás seu avô materno.

Billy estava assoviando na cozinha, e fazendo uma sopa de legumes para o almoço. Ele escutou uma risada e um cântico que dizia assim; “ Guiei a morte a todos que atravessaram o caminho do progresso, minha missão é conquistar, matar e destruir aqueles que se insurgem contra os E.U.A da América”, ele ficou atônito, e procurou aquela voz...mas o que ouviu foram dois estampidos, ele acorreu a sala para ver o que seria, levou as mãos ao peito, e caiu no solo, se esvaindo em sangue, olhou para o quadro, e percebeu a mulher lá, como de costume, ela sorria, com sangue nas mãos...

Quando John e Frank chegaram, dez minutos após o ocorrido, não acharam Andy, só havia o corpo de Billy em uma grande poça de sangue. Frank olhou em frente, e viu o quadro mui bem pintado, e normal, exatamente como no link, ao final de este texto demonstra.

Dizem que o fantasma de Billy ainda está procurando o seu sobrinho para se vingar. Assim, como também procura os mandantes da morte de sua amada mãe Isla. Talvez a profecia de Billy tenha se cumprido: "nasceu mais um corajoso herói do Oeste, e ele fará a diferença nestas bandas. Afinal, Andy conseguiu um feito heroico: eliminar o fora-da-lei mais procurado daquelas bandas".

Reza a lenda, que o menino fugiu dali apavorado, depois que atirou no tio, através do destino manifesto, e foi morar com seus conterrâneos comanches, no Sul. Porém, John nunca mais o encontrou na face do que hoje conhecemos como o Velho Oeste.

Richard Kennedy, integrante do bando de Billy Jesse, em seu leito de morte no início do século XX, confidenciou a John Widemann, que constantemente via os fantasmas de Billy Jesse, e de Andy “Olho de Águia” atirando um no outro, em um looping sem fim, e sob o olhar da dama do quadro do Destino Manifesto. ..

Nesta mesma data, John voltando da visita ao amigo Richard, quando faltava apenas um quilômetro para chegar em seu rancho viu uma índia comanche no colo de uma mulher gigante que voava no ar, Quando o irmão de Billy Jesse conseguiu cavalgando desesperado, chegar a casa; e preparava um banho em sua tina (herança da mãe); sentiu uma imensa dor no dorso, e viu respingos de sangue perto da tina cheia de água.

Após dois dias, ele fora encontrado morto, boiando dentro da tina, por seu irmão Frank, agora um senhor de 75 anos. Nas costas de John, havia uma machadinha indígena cravada.

https://studhistoria.com.br/sth/wp-content/uploads/2021/03/Destino-Manifesto.jpg link da imagem da pintura referida

no conto: A MALDIÇÃO DO DESTINO MANIFESTO

Valéria Guerra Reiter

Tema; Histórias do Velho-Oeste

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 18/02/2025
Reeditado em 19/02/2025
Código do texto: T8267554
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