O telefone tocou no meio da noite. Takashi Sato, ainda grogue de sono, tateou a mesa ao lado da cama até encontrar o aparelho. O número não estava salvo, mas o nome que veio logo em seguida o fez despertar de imediato.

 

Emiko.

 

O coração apertou no peito. Faziam 7 anos desde a última vez que ele ouvira a voz dela. Ele atendeu.

 

— Takashi… por favor, preciso da sua ajuda! — A voz do outro lado tremia. — Meu filho… ele desapareceu!

 

Ele levou alguns segundos para processar.

 

— O quê? Como assim? Você tem um filho?

 

O silêncio foi carregado de culpa.

 

— Ele… ele também é seu filho.

 

Takashi sentiu o chão sumir. O peito queimava com uma mistura de raiva, incredulidade e algo que ele não queria nomear.

 

— Por que diabos você nunca me contou?

 

— Não temos tempo para isso! — ela implorou. — Ren foi visto pela última vez seguindo a Procissão das Almas.

 

O nome ecoou na mente de Takashi. Uma lenda que ele ouvira apenas em sussurros quando investigava mitos urbanos pelo Japão. Uma marcha de espíritos na Quaresma, levando consigo aqueles que os veem.

 

— Onde você está? — ele perguntou.

 

— Em Aokigahara.

 

A floresta do suicídio.

 

A viagem para a vila foi um borrão. A região, de forte influência católica, estava mergulhada em uma névoa úmida quando ele chegou. Pessoas evitavam contato visual ao mencionar a Procissão.

 

"Ele foi chamado. O menino seguiu os mortos."

 

Takashi sentiu um frio subir pela espinha.

 

Um padre, o único que aceitou falar, explicou:

 

— O que vê a procissão, segue. A alma é atraída pelo chamado. Se ninguém traz de volta… a pessoa desaparece.

 

— Como posso impedir isso?

 

— Se ainda estiver na caminhada, talvez haja tempo. Mas cuidado… se olhar por muito tempo, será você quem marchará.

 

A noite caiu como um manto sobre a floresta. Takashi, segurando uma lanterna, percorreu a trilha onde Ren foi visto pela última vez. O ar era pesado, quase sólido.

 

Então, ele ouviu os passos.

 

O som ritmado de pés arrastando-se contra o chão.

 

Ele apagou a lanterna. E então viu.

 

Silhuetas pálidas seguiam em fila, olhos vazios, rostos sem emoção. Alguns eram esqueletos, outros pareciam quase vivos.

 

E ali, no meio da marcha, estava Ren.

 

O menino caminhava com o olhar fixo à frente, hipnotizado. Takashi avançou, mas sentiu uma força invisível tentando puxá-lo para dentro. Seu peito se apertou em desespero.

 

— Ren! — Ele gritou, mas o menino não reagiu.

 

A hipnose era forte. Takashi sabia que não podia se perder na visão. Ele fechou os olhos e lembrou.

 

Do nascimento que nunca viu. Do filho que nunca segurou nos braços.

 

E então, gritou o nome do filho com tudo o que tinha.

 

Ren piscou. Os olhos voltaram a focar. Por um momento, o menino pareceu hesitar…

 

Takashi avançou e agarrou a mão do filho.

 

Um vento gelado soprou contra ele, como se os mortos o quisessem de volta. Mas Takashi puxou Ren com força para fora da procissão. O corpo do menino caiu em seus braços.

 

O cortejo seguiu adiante, sem olhar para trás. Desapareceu na escuridão da floresta.

 

 

Emiko chorou ao abraçar Ren. O menino tremia, sem entender direito o que acontecera.

 

Takashi deveria sentir alívio. Mas algo estava errado.

 

Os olhos de Ren, por um segundo, pareceram escuros demais.

 

E então, baixinho, ele sussurrou:

 

— Moço… eles ainda me chamam.

 

Takashi se virou para a estrada vazia.

 

E sentiu olhos invisíveis observando.

 

A Procissão nunca esquece aqueles que a desafiam.

 

Mais tarde, sozinho em seu quarto de hotel, Takashi abriu seu laptop e começou a digitar. Cada detalhe, cada sombra, cada voz sussurrante naquela noite.

 

Se havia algo que ele sabia fazer, era registrar a verdade.

 

Mas, enquanto escrevia, sentiu um calafrio.

 

E, ao olhar pelo reflexo da tela, jurou ver uma silhueta parada na porta.

 

FIM

Cavaleiro Menestrel
Enviado por Cavaleiro Menestrel em 18/02/2025
Código do texto: T8267450
Classificação de conteúdo: seguro