YATAGARASU CORVO

No zoológico de Berlim se reuniam veterinários e cuidadores de animais com o administrador do local.

— Desde que o novo zoo foi inaugurado, perdemos toda nossa freguesia. Lá eles apresentam animais mignons, criados com a técnica de nanismo, impedindo o crescimento. São demostrados miniaturas de cavalos, mini-elefantes, mini-tigres, girafas-minis, mini-zebras e outros. O método é aprovado por lei, está sendo usado por agricultores, esses animais comem pouco, ocupam menos espaço, dão pouco trabalho, economizando nas despesas.

O dinheiro dos ingressos era usado para alimentar nossos bichos e pagar os funcionários, teremos que desativar esse zoológico, retirar os animais daqui e ficaremos desempregados.

O veterinário Paul se manifestou dizendo :

— Precisamos de algo inovador, diferente, que possa atrair visitantes para cá. Escutem o que eu tenho para dizer.

🐦‍⬛ YATAGARASU

Na manhã seguinte os dois veterinários Paul e Otto tomaram um avião deixando a cidade. Depois de uma cansativa viagem, desembarcaram no aeroporto de Hostomel na Ucrânia. Um caminhão transporte e um motorista esperava por eles. Três horas mais tarde eles chegaram no povoado fantasma Pripyat.

Vestidos com roupas protetivas chumbadas e máscaras de oxigênio, portando espingardas carregadas com dardos de narcose, caminhavam devagar observando o ambiente fantasmagórico.

— Centenas de cadáveres foram enterrados aqui e no lugar despejados camadas de boro, dolomita, areia, argila e chumbo, para conter a radiação remanescente. Restaram árvores cinzentas, cogumelos negros, vegetação escura, neblina, e o silêncio da morte ainda paira no ar.

— Eis o resultado da irresponsabilidade e incompetência dos humanos, vidas perdidas, flora e fauna destruídas.

O aparelho está indicando alto grau de radioisótopos, vamos procurar no bosque.

No céu surgiu uma grande ave negra sobrevoando o lugar, e foi pousar nas ruínas do reator nuclear de Chernobyl.

— Yatagarasu, o corvo de três pernas. Então esse é o tal pássaro negro de Chernobyl, augurador de desgraça.

— Yatagarasu é uma lenda do Japão, símbolo de fortuna, saúde e longevidade. É apenas uma cegonha-preta com anomalia.

— Olha só aquele coelho de duas cabeças saltitando, perseguido por um cão com vários olhos e pelos azulados.

— Isso aqui é um zoo de seres criptídeos.

— Os animais sofreram uma mutação genética, muitos foram abandonados pelos donos, se cruzaram com outros, gerando aberrações da natureza. A radiação na atmosfera de Chernobyl continua intensa mesmo depois de trinta e sete anos do acidente nuclear.

LOBISMAL

— Que criatura bizarra é aquela lá adiante, um aborto do diabo ?

Um animal enorme com corpo de urso, focinho de lobo, longas garras e presas salientes, perseguia uma ovelha com seis pernas. Ao perceber os estranhos, soltou um ganido de animalidade, vindo na direção deles.

Os dois correram para dentro do bosque nebuloso tentando se protegerem. A besta juntou o tronco duma árvore que havia no solo e atirou para cima deles. Paul e Otto tombaram no chão atordoados com a pancada.

A fera se aproximou deles rosnando, ficou parado por alguns instantes, depois virou as costas e foi para outra direção.

— Parece que o Lobismal evita esse lugar do bosque, algo o espantou daqui.

— Precisamos capturar aquela espécie de mostrengo, vamos aplicar nele dose dupla de narcótico.

— Estou vendo uma choupana ao longe, talvez seja um dos antigos moradores que retornou para cá, nesse criptozoológico macabro.

A casa era feita de troncos, coberta de musgos e cogumelos radiotrophes. Sapos pretos com manchas vermelhas e olhos luminescentes saltavam, coaxando uma balada sinistra.

Uma mulher camponesa de meia- idade se aproximou carregando um cesto de lenha nas costas. Ela vestia uma bata de cretone roxa, tinha os cabelos escuros envoltos num turbante tipo Ojá, um dos seus olhos era verde e o outro preto.

— O que voces procuram na minha casa ?

— Uma fera nos perseguiu até aqui.

— Entrem, uma tempestade se aproxima. A chuva costuma durar muitas horas, o vento geme feito alma penada.

Dentro havia um fogão de pedras, uma mesa e um banco de troncos, utensílios de barro, um varal de cipó onde pendiam raízes e plantas. Ao lado ficava um quarto com uma cama de tubos de bambus, algumas peles de animais, e uma rede de juta.

— A senhora é botânica ou bióloga ?

— Algo parecido, costumo vir aqui recolher plantas medicinais. Meu nome é Ynaga.

Ela fez fogo no borralho, ferveu um caldo de verduras e cogumelos. Colocou na mesa pratos e colheres de pau e serviu o ensopado.

— Voces podem pernoitar aqui, é perigoso andar pelo bosque de noite, os animais saem para caçar. Irei armar outra rede para me acomodar.

— A sopa está saborosa, a senhora é ótima cozinheira.

Ynaga juntou os pratos e eles foram para o quarto. Paul deitou na cama e Otto na rede de juta. Lá fora a chuva tamborilava no telhado e o vento silvava como flauta, se misturando com o uivo dos lobos dentro da noite.

BÁBA YAGA

Quando o dia amanheceu eles deixaram a casa, a mulher não estava, devia ter ido colher suas folhas e raízes.

— A neblina cobre apenas esse lugar, a choupana desapareceu completamente no nevoeiro.

Vamos chamar o motorista para trazer as jaulas e transportar os animais criptídeos.

O motorista preocupado com a ausência deles, conversava com um idoso antigo morador evacuado de Pripyat, que veio visitar as sepulturas de parentes no cemitério.

— Aonde voces estavam ?

— Pernoitamos numa casa no bosque de uma campesina chamada Ynaga.

O idoso observava os dois de forma estranha.

— Não existe nenhuma casa naquela parte do bosque, apenas neblina e reptílias, todos evitam o lugar. Ynaga é o nome verdadeiro da bruxa Bába Yaga, todos conhecem a lenda dessa bruxa russa por aqui. Dizem que ela tem um olho de cada cor, sua casa é invisível aos olhos humanos, outros contam que fica sobre pés de galinha, ela voa num pilão. Em toda lenda sempre existe algo de verdadeiro. . .

No final do dia eles partiram do aeroporto de Hostomel, levando junto no avião vinte animais criptídeos capturados, adormecidos com dardos de narcose, presos nas jaulas com barras de ferro. Insatisfeitos lamentavam não terem mais visto o Lobismal para capturá-lo também. Nenhum acreditava que a mulher hospitaleira chamada Ynaga era a tal de bruxa Bába Yaga, ela era uma ótima cozinheira vegana, uma mosca na sopa não faz mal.

Alguns dias depois no Criptozoológico de Berlim, os visitantes faziam uma enorme fila para comprar os ingressos. Não eram permitidas fotos nem filmes dos animais, celulares eram deixados na recepção.

Era mostrado um vídeo de Chernobyl com dezenas de criptídeos que habitam o lugar, as consequências da radioatividade, mutações genéticas sofridas, resultando em animais bizarros. Chernobyl virou num Criptozoológico macabro de fauna e flora que lutam para sobreviver, na região assombrada pelas almas dos mortos, sepultados na terra maldita adubada pela semente de Satanás.

Longe dali no Japão, alguns funcionários deixavam seu trabalho na usina nuclear de Fukushima.

Um grande corvo negro de três pernas, o Yatagarasu sobrevoava pelos ares, emitindo um grasnado sinistro, pressagiando outra desgraça.

No parque florestal um ornitólogo conhecedor do Silbo Gomero a linguagem dos pássaros, ao escutar o canto do corvo, correu até o auto e deixou apressadamente o lugar, maldizendo o uivo sombrio do alarme das sirenes Pavians já ecoando pelos ares infestados pelo espectral smog.

O enorme corvo criptídeo de três pernas Yatagarasu, se afastou ruflando suas asas, indo retornar para as trevas que o fecundaram.

FIM

NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 14/02/2025
Reeditado em 14/02/2025
Código do texto: T8264487
Classificação de conteúdo: seguro