O Círculo da Eternidade
"That is not dead
which can eternal lie
Yet with strange aeons
Even death may die."
~ Lovecraft
Prólogo
Uma tempestade, tal como um alerta de perigo, se insinuava sobre o deserto mesopotâmico — hoje
correspondendo às regiões áridas e semiáridas do sul do Iraque, nordeste da Síria e oeste do Irã — chicoteando meu rosto com grãos de areia que pareciam brasas incandescentes. O vento uivava como um animal faminto, e o frio, que se infiltrava nos ossos, ecoava na angústia que me consumia. Sob a luz vacilante de minha lanterna, o mapa de Urkhati — a cidade perdida, parecia um guia para um lugar improvável e maldito, que emanava segredos de um tempo onde os homens ainda temiam a escuridão e os deuses caminhavam sobre a Terra.
— Robson, você não acha que já revisou isso o suficiente? — perguntou Joshua, de sua tenda, limpando seu equipamento com precisão metódica, como se quisesse ocupar as mãos para afastar maus pensamentos.
Levantei os olhos e dei de ombros.
— Não custa nada confirmar. Amanhã, se tudo der certo, passaremos pela entrada principal. É bom estarmos preparados.
Sanya, com seu jeito quase provocador, ajeitou os óculos e se aproximou.
— Não acha que está exagerando, chefe? As leituras são claras. Temos a localização exata.
Ela sempre conseguia um equilíbrio entre confiança e sarcasmo, mas eu sabia que aquilo era a forma dela de lidar com o nervosismo. Afinal, não era todo dia que alguém se aproximava da possibilidade de uma descoberta, que poderia abalar as estruturas da sociedade.
Um pouco distante, Valentina fumava um cigarro em silêncio. Sua tensão era palpável. Desde que chegamos, ela insistia em lembrar as lendas locais.
— Valentina, algo lhe incomoda? —perguntei, enquanto me aproximava, tentando quebrar o silêncio desconfortável.
Ela ergueu os olhos lentamente, como se pesasse cada palavra.
— Os antigos não faziam nada por acaso. Se ocultaram seus segredos, deve haver uma boa razão.
Aquilo não era exatamente o que eu queria ouvir, mas ela estava certa. Ainda assim, era tarde demais para voltar atrás.
Naquela noite, enquanto o vento cantava sua melodia ancestral e as estrelas pareciam brilhar com uma intensidade incomum, eu tentei afastar os pensamentos sombrios. Não podia duvidar, ainda que por um momento, se estávamos realmente preparados para o que iríamos encontrar.
Capítulo 1
O primeiro raio de sol cortava o horizonte, enquanto nos preparávamos para prosseguir com a expedição. Não havia espaço para hesitações. Como líder da equipe, eu tinha que demonstrar confiança, mesmo com o peso crescente de um estranho pressentimento.
Joshua carregava o equipamento com a eficiência de sempre mas havia algo no seu semblante — um nervosismo que ele raramente deixava transparecer. Sanya andava ao meu lado, analisando anotações em seu tablet, enquanto murmurava para si mesma em línguas que só ela compreendia completamente. Valentina, no entanto, parecia mais introspectiva do que nunca.
— Pronta para fazer história?! — perguntei, testando seu humor.
Ela hesitou antes de responder.
— Talvez... Mas sinto como se estivéssemos sendo observados, o tempo todo.
Fingi que a resposta não me incomodou e tentei esquecer, pelo menos até entrarmos nas profundezas desconhecidas.
A entrada da caverna, uma abertura irregular em uma formação rochosa colossal, era mais imponente do que eu esperava. Ao me aproximar, senti o ar mudar — mais denso, como se o espaço carregasse uma presença antiga.
— É aqui — disse Joshua, ajustando a luz do capacete enquanto se preparava para descer. — Valentina, você vem?
— Fico aqui fora monitorando. Alguém precisa garantir que vocês tenham uma saída, caso... — Ela não terminou a frase, mas ninguém precisava ouvir o resto.
Sanya foi a primeira a atravessar o estreito túnel, com Joshua logo atrás. Eu os segui, sentindo o peso do silêncio crescer a cada passo. Atrás de mim, vieram o técnico em geologia e o espeleologista.
Dentro da caverna, o ar era úmido e carregado com um odor metálico. As paredes estavam marcadas com hieróglifos que Sanya começou a decifrar imediatamente, sussurrando para si mesma.
— Isso é mais antigo do que qualquer coisa que já vi — ela murmurou, tocando os entalhes.
Avançamos até uma câmara circular média, onde algo capturou minha atenção - uma série de círculos concêntricos gravados na rocha, irradiando uma energia quase palpável. Joshua se abaixou para inspecionar.
— É aqui que eles “mexiam com o tempo?!” — perguntei, minha voz soando estranha no espaço ecoante.
— Se essas inscrições estão certas, sim — respondeu Sanya, com um tom de fascínio e medo na voz.
Percebi que as luzes de nossas lanternas pareciam mais fracas, e uma sensação gelada começou a se espalhar pelo lugar.
Foi quando Valentina nos chamou pelo rádio. Sua voz, geralmente calma, soava trêmula.
— Robson, temos um problema aqui fora. O vento... está... parece que vem vindo uma tempestade de areia...
Não tive como respondê-la, naquele instante, um som grave ecoou pelas profundezas da caverna. Não era um ruído comum — parecia uma respiração, como se algo imenso se movesse sob nossos pés.
Joshua me olhou, e pela primeira vez, vi medo em seus olhos.
— Devemos continuar? — perguntou ele, sua voz quase inaudível.
— Sim! — afirmei resoluto — Não vamos desistir agora.
E assim, demos mais um passo rumo ao desconhecido.
Capítulo 2
Há meses, nosso destino foi traçado. Quando recebi a proposta de liderar a equipe, parecia uma oportunidade única — conduzir uma expedição a um sistema de cavernas inexplorado, potencialmente vinculado a uma civilização perdida. Para um arqueólogo e explorador como eu, Robson Bacelar, isso era o Santo Graal. Mas a história por trás da missão era mais sinistra do que qualquer descoberta que eu já havia feito.
Tudo começou com um manuscrito encontrado por Sanya Prasad em uma coleção privada de um colecionador obscuro no Líbano. O texto, escrito em uma língua morta, mencionava "um círculo de eternidade" e uma espécie de "mal adormecido". Para Sanya, uma linguista brilhante e obstinada, aquilo era mais do que um quebra-cabeça acadêmico. Era uma chamada para a ação.
“Robson, precisamos ir até lá. Esses símbolos indicam um local que pode mudar nossa compreensão da história antiga” – ela dissera à ocasião, quase implorando, com os olhos brilhando de entusiasmo.
Foi assim que nossa equipe foi formada. Joshua Menendez, técnico e especialista em equipamentos de exploração, era o cara para fazer qualquer missão funcionar. Prático e de poucas palavras, ele era a rocha do grupo. Valentina Rodrigues entrou mais tarde, sugerida por um contato de Sanya. Sua experiência como guia e sobrevivente de explorações perigosas a tornava indispensável, mas havia algo em seu comportamento – uma cautela quase paranoica – que sempre me incomodou.
* * *
E agora estávamos aqui, em algum ponto remoto entre o Irã e o Iraque, no que parecia ser um deserto esquecido pelo tempo. A vila mais próxima ficava a quilômetros de distância. Tínhamos ouvido histórias locais de um "mal antigo" adormecido sob a terra, contadas com superstição e temor por um velho feiticeiro que encontráramos.
Enquanto caminhávamos mais fundo na escuridão, a mente se voltava inevitavelmente às advertências do velho.
“Se forem até lá, não voltarão!” — ele havia dito, com olhos vidrados e uma voz pesada de convicção.
Lembrei-me da troca de olhares que tivemos após aquela frase. Nem eu, nem Sanya, acreditávamos nele, mas a inquietação que ele deixara pairava como uma nuvem sobre nós.
Joshua se deteve, examinando mais um símbolo gravado na parede.
— Esses círculos concêntricos... são idênticos aos do manuscrito, Sanya. Alguma ideia do que significam?
Ela hesitou.
— A tradução que fiz fala de um ciclo infinito. Algo relacionado ao tempo... ou à eternidade. Mas o resto é ambíguo.
— E esses riscos no círculo? — perguntei, apontando para marcas que se assemelhavam a garras.
— Eu ainda não sei, mas isso não parece uma escrita. Parece mais um aviso.
A sensação de estarmos sendo observados aumentava. O ar ao redor ficou ainda mais pesado, quase sufocante, quando chegamos a uma outra câmara, duas vezes maior que a anterior. No centro dela, havia uma espécie de monólito descomunal – uma estrutura intricada, com inscrições cuneiformes e uma enorme fenda circular no topo.
— O que é isso? — Joshua murmurou.
— Parece... uma máquina! — Sanya respondeu, com assombro.
Foi então que ouvimos novamente aquele som — um murmúrio grave que parecia vibrar no próprio chão. Valentina chamou novamente pelo rádio.
— Robson, a situação aqui fora está piorando. A tempestade está ficando forte...
Olhei para Joshua e Sanya. Não podíamos parar agora. Aproximando-me da máquina, vi uma inscrição que parecia brilhar levemente sob a luz das lanternas. A linguagem era estranha, mas um trecho chamou minha atenção:
⨀✹⧫ ⬭⧊⨁⧗ ⬯⩔⧂⧃ ⬭⩊⨀⧪ ⧖⨁⧍⩓ ⧂⩔ ⬯⧫⩓⧍⩖
"Aquele que liberta o adormecido, sela seu destino."
— O que isso significa?! — perguntei.
Sanya tentou responder, mas um tremor percorreu o chão. Algo estava se movendo, e a sensação de que não estávamos sozinhos ficou mais clara.
Foi nesse momento que entendi que havíamos cruzado um ponto sem retorno. Algo estava prestes a acontecer.
Capítulo 3
A câmara parecia respirar ao nosso redor. O ar pulsava como se a própria rocha estivesse viva e aguardando. A luz das lanternas dançava sobre as paredes, revelando símbolos cada vez mais complexos — espirais, círculos e linhas que se interligavam em padrões psicodélicos, como se fossem um mapa de algo além do nosso entendimento.
No centro de tudo, a máquina. Um monólito negro, colossal, feito de um metal que eu desconhecia. Alienígena, talvez?! Sua superfície era tão lisa que parecia um espelho, mas absorvia a luz, como se sugasse o brilho de nossas lanternas para dentro de si.
Havia marcas em sua base — linhas sinuosas que brilhavam fracamente em tons de verde e dourado, traçando formas geométricas que pareciam estar em constante movimento, embora não se mexessem de fato. No topo, a fenda em forma de círculo, pulsava, se abrindo e fechando num movimento espiralado, como se houvesse "despertado".
— É isso... — Sanya murmurou, com os olhos fixos no monólito. — O círculo de eternidade!
Joshua se aproximou, cauteloso, passando a mão pela superfície. Seus dedos tremiam quando tocaram o material.
— Isso não é normal. Parece... vivo.
A tensão no ar crescia, como se uma tempestade invisível estivesse se formando ao nosso redor. Foi quando tudo começou a mudar.
Valentina surgiu pela entrada da câmara, ofegante.
— Robson, a tempestade piorou muito. Nunca vi nada assim, antes! Se continuar deste jeito, seremos soterrados... esta caverna será nossa tumba!
— Maldição! — repliquei.
Foi quando Sanya gritou.
— Não toquem mais na máquina! É um catalisador... está absorvendo nossa presença!
Todos congelaram. O brilho nas linhas sinuosas intensificou-se, e um som grave, gutural, começou a ecoar pelo ambiente. Era como se a máquina estivesse... reagindo a nós. À nossa energia vital.
— Isso não faz sentido — Joshua sussurrou, mas seus olhos traíam o pavor que sentia.
Valentina recuou instintivamente, e naquele instante o chão tremeu com violência. Da base do monólito, rachaduras começaram a se formar, liberando uma fumaça espessa e negra que cheirava a podridão e tempo perdido.
Sanya gritou algo em um idioma que eu não reconheci, talvez por pavor. Mas era tarde demais. A fumaça tomou forma, serpenteando pela câmara como um predador que acabara de ser libertado.
De dentro da fumaça, duas coisas emergiram: um som, como milhares de vozes sussurrando ao mesmo tempo, e uma figura. Não era corpórea, mas projetava uma presença esmagadora. Era alta, esguia e flutuava ligeiramente acima do chão. Seus olhos eram esferas negras que absorviam tudo ao seu redor, e suas "asas" se expandiam, como se fossem feitas de trevas líquidas.
Eu sabia. Era “Qulen”.
— Vocês me libertaram – a voz soou, não pela boca da criatura, mas diretamente em minha mente, telepaticamente.
Joshua caiu de joelhos, gemendo. Valentina deu um passo para trás, mas tropeçou e caiu, incapaz de desviar o olhar daquela figura.
— Eu não... nós não... — tentei falar, mas minha voz falhou.
— Suas almas cantam para mim. Seu medo me alimenta.
A câmara parecia se dissolver. Era como se a realidade ao nosso redor estivesse sendo distorcida. Os símbolos nas paredes brilharam intensamente, formando padrões que pareciam histórias escritas em um idioma perdido. Histórias de sacrifícios. De submissão. De um ciclo interminável de morte e renascimento.
Sanya tentou correr em direção à saída, mas Qulen virou-se lentamente para ela.
— Não tão rápido. Eu quero... sentir você.
O ser estendeu uma mão esquelética, e Sanya parou imediatamente, como se algo invisível a estivesse segurando. Seu rosto era uma máscara de pânico.
— Robson, faça alguma coisa! — ela gritou, mas eu estava paralisado.
Qulen riu – ou algo semelhante a isso. O som era distorcido, como metal raspando contra vidro. Ele começou a caminhar na direção de Sanya, mas suas pernas não se moviam; ele simplesmente deslizava pelo chão, como um espectro.
Nesse momento, Joshua, ainda no chão, sacou uma faca e arremessou-a na direção da criatura. A lâmina atravessou Qulen sem resistência, caindo do outro lado.
— Isso é inútil — a voz sussurrou.
Mas a distração foi suficiente. Sanya conseguiu se libertar do que quer que a segurava e correu em direção a mim.
— Temos que ir agora, Robson!
A câmara parecia cada vez menor, como se a máquina estivesse sugando todo o espaço ao nosso redor. As rachaduras no chão se expandiam, revelando uma escuridão sem fim abaixo de nós.
— Corram! — gritei, finalmente saindo do meu estado de torpor.
Tentávamos alcançar a entrada da caverna enquanto o som das asas da criatura ecoava atrás de nós, como um rugido!
Capítulo 4
Enquanto corríamos, a trilha às nossas costas parecia ruir sob o peso do próprio tempo, e era impossível ignorar os ecos das visões que inundavam minha mente. Qulen não apenas invadia nossos pensamentos; ele nos forçava a testemunhar.
As imagens vieram como uma tempestade de lembranças que não eram minhas. Vi uma civilização avançada erguendo templos imensos, seus adoradores prostrados diante de uma figura sobrenatural. Eles se ajoelhavam perante o ser que flutuava acima deles, tão terrível quanto majestoso: Qulen, adorado como um deus.
As oferendas eram feitas em uma sequência perturbadora. Corpos humanos eram colocados dentro da máquina, que brilhava intensamente ao absorver sua energia vital. Vi o desespero em seus rostos, o brilho sendo arrancado de seus olhos enquanto a vida os deixava. O processo era cruel, mas necessário para manter o equilíbrio que os adoradores acreditavam existir entre o mundo mortal e a entidade que serviam.
"Eles acreditavam que podiam me controlar."
A voz de Qulen ecoava em minha mente, fria e zombeteira. "Eles criaram essa máquina para manter meu poder contido, mas a ganância os destruiu. Quando me alimentaram além do necessário, libertei-me... e tomei o que era meu."
A civilização que adorava Qulen desapareceu em questão de dias. Vi suas cidades ardendo, seus rios tingidos de vermelho, enquanto os poucos sobreviventes selavam a máquina e cobriam a entrada da caverna com camadas de rocha e inscrições. Os símbolos não eram apenas um aviso; mas também o lamento de um povo destruído por sua própria criação.
Sanya tropeçou ao meu lado, ainda ofegante.
— Você viu aquilo?! — ela perguntou com a voz cheia de pavor.
— Sim. E não foi só isso. Ele quer que saibamos... quer que sintamos a culpa.
* * *
Quando finalmente paramos para recuperar o fôlego, lembrei-me de que, enquanto planejávamos a exploração, Sanya havia encontrado referências nos textos traduzidos por John Polock, um ocultista recluso que passou décadas estudando culturas perdidas.
— Ele mencionava Qulen — falei, tentando reunir os fragmentos. – Um "deus-demônio" que sugava a essência dos vivos. Polock dizia que o monólito era a chave para entender esta civilização esquecida.
* * *
Um dos exploradores, o espeleologista que nos acompanhava, ergueu a voz pela primeira vez.
— Vejam! A caverna parece estar se movendo! O túnel cresce e se distorce cada vez que tentamos nos aproximar da saída!
O outro explorador, técnico em geologia, apontou para a saída, mas hesitou.
— Se Qulen está livre... não temos como escapar. Este lugar é como um labirinto.
Valentina encarou o espeleologista.
— Se alguém pode nos tirar daqui é você. Há uma saída ou não?!
Ele engoliu em seco, evitando o olhar dela.
— Talvez..., mas não sei se chegaremos a tempo...
* * *
A cada segundo, Qulen nos pressionava, manipulando nossas emoções, explorando nossos medos mais profundos. Ele não precisava se aproximar; o terror que cultivava em nossas mentes era suficiente para enfraquecer-nos.
Sabíamos que o tempo estava contra nós. A máquina, a caverna e Qulen eram partes de um mesmo sistema. E agora, éramos os novos prisioneiros em seu jogo ancestral.
Capítulo 5
A caverna se fechava ao nosso redor, como se o espaço conspirasse contra nós. As passagens que antes percorremos pareciam distorcidas, mudando de forma. Era como se Qulen moldasse o ambiente à sua vontade, um mestre absoluto de um mundo que não era mais nosso.
Joshua ergueu a lanterna, mas a luz vacilava. Ele murmurou algo sobre a bateria, mas nós sabíamos a verdade: a energia estava sendo sugada, assim como nossas forças.
— Ele está nos drenando — disse Sanya, a voz embargada. — Cada segundo que passamos aqui, ele se torna mais forte.
Um riso profundo e sobrenatural ecoou pelas paredes, emergindo de todas as direções.
Nossos nervos estavam à flor da pele, e o pavor nos dominava, quando ele apareceu. Não como o monstro alado de nossas visões, mas como um homem. Sua forma era impecável - alto, de feições perfeitas e olhos que pareciam conter o infinito. Sua presença era irresistível, um convite e uma ameaça em igual medida.
— Vocês não entenderam — ele disse, em um tom suave e sedutor. — Não fui libertado apenas pela máquina. Fui libertado por vocês.
O choque foi imediato.
— Nós... — murmurei. — Nós nem sequer a ativamos.
Qulen sorriu, e o movimento era uma obra de arte macabra.
— Não precisavam. A máquina foi feita para canalizar sacrifícios, concentrar energia. Mas quando os antigos morreram, ela perdeu sua função. E então veio o esquecimento... Um ciclo quebrado. Vocês, no entanto, trouxeram a centelha que faltava — suas vidas, sua curiosidade insaciável. Humanos são tão previsíveis...
A percepção foi um soco no estômago. A máquina era o elo que o mantinha suspenso entre os mundos. Não era ela que o prendia diretamente, mas o esquecimento que ela representava. E nós o havíamos trazido de volta ao mundo ao cruzar a linha proibida.
— Por que nos mostrar tudo isso? – perguntou Valentina, tentando resistir ao magnetismo dele.
— Porque é mais doce quando sabem o que está por vir — respondeu Qulen. — O medo... o desespero... são temperos deliciosos.
Ele deu um passo à frente, e o espeleologista tentou fugir. Não conseguiu dar mais de três passos antes de cair subjugado, como se um peso invisível o esmagasse. Sua energia foi arrancada diante de nossos olhos, um fio de luz que flutuou até Qulen, que o absorveu com um prazer sádico.
— Vocês me trouxeram de volta — ele continuou. — E por isso, devem ser os primeiros a conhecer o novo mundo que construirei.
A caverna começou a ruir, mas não de forma natural. As pedras se dissolviam em escuridão, como se o espaço estivesse sendo apagado. Não havia para onde correr.
Sanya segurou minha mão, seu olhar abismal, como uma despedida!
E então, fomos tragados pela escuridão.
A última coisa que ouvi foi a voz de Qulen, um sussurro triunfante no vazio:
"A escuridão não é o fim... É o começo do meu domínio."
E depois, nada.
Tema: Tecnologias Ancestrais
Siga-nos no Instagram: @lmandrake93