O Museu dos Ecos - CLTS 30
O Museu dos Ecos
O trem balançava suavemente enquanto avançava pela trilha solitária, cortando a densa névoa que se erguia sobre o campo. Laura olhou pela janela, observando a paisagem desolada que passava como um quadro gasto pelo tempo. Campos mortos se estendiam até onde seus olhos podiam alcançar, árvores retorcidas e sem folhas erguiam-se como mãos petrificadas em um pedido de socorro silencioso. O céu era um manto uniforme de cinza, sem sol ou nuvens definidas, apenas uma claridade fraca e opressiva que tingia tudo de um tom pálido.
A viagem para aquele vilarejo remoto parecia absurda, e ela não conseguia se livrar da sensação de que algo estava profundamente errado. A última vez que ouvira falar daquelas terras fora em um rumor distante, sobre um museu isolado no meio da floresta, onde os moradores nunca saíam. Um lugar esquecido pelo mundo, onde o tempo não fluía da mesma forma. O trem fazia uma última parada ali, e ela precisava descobrir o que estava acontecendo.
O vento frio sussurrava entre as árvores quando Laura desceu na estação. O cheiro úmido e levemente metálico, como ferro enferrujado, impregnou suas narinas. O silêncio era sufocante. Não havia funcionários, passageiros ou sinais de vida. Apenas um banco de madeira desgastado e um poste de luz piscando fracamente, como se estivesse à beira da exaustão. A névoa era tão espessa que parecia ter consistência própria, movendo-se de maneira inquietante ao redor da plataforma.
O museu ficava a uma curta caminhada, mas cada passo na trilha irregular ecoava alto demais, quebrando o silêncio absoluto. Os galhos das árvores, retorcidos e secos, pareciam se estender em sua direção, sombras alongadas que se moviam de maneira estranha conforme ela avançava.
Quando finalmente avistou o museu, seu coração apertou. A estrutura colossal erguia-se imponente, como um monólito negro emergindo da névoa. Suas janelas eram pequenas demais, e as portas pareciam se fechar por conta própria, como se quisessem manter algo trancado dentro. A fachada de pedra negra engolia a pouca luz que conseguia atravessar o nevoeiro. Havia símbolos gravados na madeira da porta, padrões circulares e espirais que pareciam vibrar sob sua visão, como se estivessem vivos.
Laura empurrou a porta com cautela. O rangido que se seguiu reverberou pelo interior do museu, soando como um lamento distante.
Lá dentro, o ar era denso, carregado com um cheiro estranho que ela não conseguia definir. Não era mofo, nem poeira, nem umidade. Era algo diferente, algo... errado. Tapeçarias negras cobriam as paredes, os fios de tecido parecendo se mover sutilmente sob sua visão. O chão estava coberto por uma camada fina de poeira, perturbada apenas por pegadas antigas e marcas de arranhões.
Os corredores eram labirínticos, e cada sala parecia se estender além dos limites físicos da construção, criando uma sensação vertiginosa de que o museu não tinha fim. A cada nova porta aberta, a arquitetura mudava ligeiramente, como se os espaços se reorganizassem sozinhos.
Laura entrou em uma das galerias e parou em frente a uma grande vitrine. Dentro, estava a escultura de uma criatura que, à primeira vista, parecia humana, mas logo ela percebeu que algo estava terrivelmente errado. O ser era desproporcional, com braços e pernas exageradamente longos e finos, como se tivessem sido esticados até o limite de sua resistência. A pele, se é que podia ser chamada assim, era uma substância translúcida, quase líquida, como se a carne estivesse derretendo e se reorganizando a cada momento.
Os dedos das mãos e dos pés eram tão finos e curvados que pareciam se esticar para fora do vidro, como se tentassem alcançar o espaço ao redor. A cabeça era uma massa deformada de carne, sem olhos visíveis, mas com uma cavidade profunda em seu centro, onde algo brilhava de maneira hipnótica, como se o vazio ali fosse um portal para outra realidade.
Ela se afastou, o coração batendo forte. Olhou ao redor e viu que as outras vitrines continham formas ainda mais grotescas. Criaturas que pareciam estar presas entre diferentes estágios de existência, como se tivessem sido interrompidas no meio de um processo de transformação. Algumas pareciam humanas à primeira vista, mas detalhes impossíveis as denunciavam: membros a mais, bocas onde não deveriam existir, órgãos expostos mas ainda pulsantes.
A sensação de estar sendo observada se intensificou. Não havia olhos visíveis naquelas criaturas, mas ela sentia suas presenças. O silêncio no museu era ensurdecedor, e cada movimento seu parecia amplificado pelo vazio ao redor.
Ela avançou por um corredor apertado, onde as paredes pareciam estar se fechando ao seu redor. No fim do corredor, viu uma porta entreaberta. Além dela, uma sala escura. Um sussurro fraco e constante ecoava dali, como se o próprio ar estivesse vivo.
Com uma coragem que não sabia de onde vinha, Laura empurrou a porta e entrou na sala.
O que viu a fez prender a respiração.
Era um laboratório.
Diferente do resto do museu, este lugar brilhava com luzes pulsantes em tons de azul e verde. Máquinas de aparência alienígena estavam espalhadas pelo ambiente, algumas vibrando levemente, emitindo um zumbido quase imperceptível. Telas mostravam diagramas complexos, símbolos desconhecidos que pareciam mudar de forma conforme ela os observava. Cabos se estendiam como raízes metálicas pelo chão, conectando-se a cilindros translúcidos cheios de líquido espesso.
Dentro desses cilindros, formas humanas distorcidas estavam suspensas, seus corpos contorcidos de maneiras impossíveis. Algumas pareciam em estado de mutação, como se estivessem sendo moldadas por algo além da compreensão humana. O mais assustador era que algumas ainda respiravam.
A tecnologia era avançada, mas carregava um ar de antiguidade. Não era algo criado recentemente. Aquela tecnologia **sempre** estivera ali.
Laura tocou uma das telas, e um dos diagramas se alterou. Símbolos começaram a piscar em sequência, como se reconhecessem sua presença. O zumbido das máquinas aumentou. Algo estava acontecendo.
Ela deu um passo para trás, mas um som gelou seu sangue.
Um estalo.
Os cilindros começaram a se abrir.
O líquido espesso escorreu para o chão, espalhando um cheiro acre pelo ar. As formas dentro deles começaram a se mover lentamente, seus corpos contorcendo-se de maneira antinatural.
Laura sentiu a pressão do ambiente aumentar. Algo se agitava no ar, uma presença invisível, antiga.
O primeiro ser caiu para fora do cilindro, seus olhos opacos se abrindo de repente, fixando-se nela. A pele parecia tentar se rearranjar, músculos e ossos movendo-se como se não tivessem uma forma definitiva.
Laura se virou para correr, mas algo agarrou seu tornozelo.
O toque era frio, úmido, pulsante.
Ela gritou, tentando se soltar, mas outras figuras já estavam emergindo dos cilindros. O som ao seu redor mudou. Não era apenas o zumbido das máquinas, nem o gotejar do líquido nos corpos disformes. Era algo mais profundo, algo vindo das próprias paredes, como se o museu estivesse... despertando.
A última coisa que Laura viu antes de ser puxada para a escuridão foram os símbolos nas telas mudando freneticamente, organizando-se em uma única frase, que brilhou em um tom prateado e reluzente.
Uma mensagem.
**"O experimento continua."**
Laura acordou em um lugar que não reconhecia. A escuridão era absoluta, mas ela podia sentir o chão frio e úmido sob suas mãos. O ar estava pesado, carregado com um cheiro metálico que fazia sua garganta arder. Ela tentou se mover, mas suas pernas estavam pesadas, como se estivessem presas por correntes invisíveis.
"Onde estou?" ela sussurrou, sua voz ecoando em um espaço que parecia infinito.
De repente, uma luz fraca começou a brilhar ao longe. Era uma luz pálida, quase imperceptível, mas suficiente para iluminar o ambiente ao seu redor. Laura percebeu que estava em uma sala circular, com paredes de pedra negra que pareciam absorver a luz. No centro da sala, havia uma mesa de metal, coberta por instrumentos estranhos e frascos de vidro contendo líquidos que brilhavam com cores que ela nunca tinha visto antes.
Ela se levantou com dificuldade, sentindo uma dor aguda em seu tornozelo onde a criatura a havia agarrado. O toque ainda parecia fresco em sua pele, como se a criatura ainda estivesse lá, observando-a.
"Você está acordada," uma voz sussurrou, vinda de todos os lados ao mesmo tempo.
Laura girou em torno de si mesma, tentando localizar a fonte da voz, mas não havia ninguém. A luz aumentou um pouco, revelando mais detalhes da sala. Nas paredes, havia símbolos gravados, semelhantes aos que ela tinha visto na porta do museu. Eles pareciam pulsar com uma energia própria, como se estivessem vivos.
"Quem está aí?" ela perguntou, sua voz tremendo.
"Você está no coração do experimento," a voz respondeu. "Você foi escolhida."
"Escolhida para o quê?" Laura perguntou, sentindo um frio percorrer sua espinha.
"Para continuar o trabalho," a voz disse. "Para entender o que está além."
Laura olhou para a mesa de metal e viu que os frascos de vidro continham pequenas criaturas, semelhantes às que ela tinha visto nos cilindros. Elas se moviam lentamente, como se estivessem tentando escapar.
"O que são essas coisas?" ela perguntou, sentindo uma onda de náusea.
"São os resultados," a voz respondeu. "E você será a próxima."
Antes que Laura pudesse reagir, as paredes da sala começaram a se mover. Elas se fecharam em torno dela, como se estivessem vivas. A luz aumentou, iluminando os símbolos nas paredes, que agora brilhavam intensamente.
Laura tentou correr, mas suas pernas não respondiam. Ela olhou para baixo e viu que suas pernas estavam se transformando, sua pele ficando translúcida, como a das criaturas nos frascos.
"Não!" ela gritou, mas sua voz foi abafada pelo som das paredes se fechando.
A última coisa que ela viu foi a luz brilhando em seus olhos, e então tudo ficou escuro.
Quando Laura abriu os olhos novamente, ela estava de volta no museu. Mas algo estava diferente. O ar estava mais pesado, e as paredes pareciam estar mais próximas, como se o museu tivesse se contraído ao seu redor.
Ela olhou para suas mãos e viu que sua pele estava normal, sem sinais de transformação. Mas ela sabia que algo havia mudado. Ela podia sentir uma presença dentro dela, algo antigo e poderoso.
"Você está pronta," a voz sussurrou novamente.
"Pronta para o quê?" Laura perguntou, mas a voz não respondeu.
Ela se levantou e começou a caminhar pelos corredores do museu. As vitrines agora estavam vazias, mas ela podia sentir as criaturas observando-a, mesmo que não pudesse vê-las.
No fim do corredor, ela viu uma porta que não tinha notado antes. Era uma porta pequena, quase escondida, com símbolos gravados na madeira.
Ela empurrou a porta e entrou.
Dentro, havia uma sala pequena, com uma única mesa no centro. Sobre a mesa, havia um livro antigo, com páginas amareladas e bordas desgastadas.
Laura abriu o livro e começou a ler. As páginas estavam cheias de diagramas e símbolos, mas ela podia entendê-los, como se o conhecimento estivesse fluindo diretamente para sua mente.
Ela percebeu que o livro era um manual, um guia para o experimento. E ela era a próxima etapa.
"O experimento continua," ela sussurrou, fechando o livro.
E então, ela começou a trabalhar.
O museu estava vivo, e agora Laura fazia parte dele. Ela sabia que nunca mais sairia dali, mas também sabia que não queria sair. O experimento era maior do que ela, maior do que qualquer coisa que ela pudesse imaginar.
E ela estava pronta para continuar.
O museu dos ecos continuaria, e Laura seria sua guardiã.
E assim, o experimento continuou.
Categoria: Tecnologias Ancestrais