O Observador de Telhados
Tudo o que ele viu por toda a vida foram os telhados pontiagudos de Godwell, se espalhando em volta do lago circular que originou a cidade, e que foi transformado numa fonte que brilhava a noite. As janelas eram apenas pontos amarelos e alaranjados, e quando a lua ficava alta, ele as assistia se apagar uma a uma, até a escuridão engolir tudo. Somente então dormia.
Por mais de setenta anos, ele se sentou na mesma cadeira, olhando da mesma janela, enquanto imaginava a luz dos lampiões e seus insetos, e como seriam as pessoas iluminadas por ela.
Muito telhados mudaram com as décadas. Uns foram destruídos, outros restaurados, outros construídos. Seu corpo também se fragilizou, e ele começou a dormir assim que o sol caía. E quando adoeceu, pensou em seu leito de morte, “vivi na cidade mais bela entre as mais belas cidades”.
Lá de cima não se enxergava os doentes que cambaleavam pelas ruas, os becos cheios de lixo exposto, ou os mortos jogados nas calçadas, assolados por uma praga desconhecida. Nas duas últimas décadas, ele admirou o cadáver de Godwell, que por muito tempo implorou a ajuda do observador de seus telhados.