É SATÃ QUEM PUXA O GATILHO - CLTS 30
Tão logo estacionou o Ford Model T, bom carro naqueles idos de 1917, Paul saiu pressurosamente do veículo, afrouxando a gravata e sentindo nos dedos o suor que lhe empapava o colarinho. A noite já havia caído; o céu apático a contemplações astronômicas velava, com a mortalha de nuvens, o brilho vago das estrelas.
O jornalista, não obstante as hostilidades do clima, alegrou-se por ter chegado ao convento. Percorrera um longo caminho desde New Mexico até ali, no interior da Louisiana, para conseguir uma entrevista.
Bateu com o punho na grande porta de madeira, ao que escutou o correr do postigo, atrás do qual surgiram dois olhinhos desconfiados.
— Vossa Caridade tenha a bondade de se identificar — disse uma voz.
— Esta caridade aqui é Paul, senhor porteiro, o repórter que veio entrevistar Frei Modesto.
O estalo da tranca ecoou no descampado em derredor, e o rangido das dobradiças vetustas anunciou a figurinha esquálida do frade porteiro.
— É com grande alegria que recebemos Vossa Caridade em nosso convento, Sr. Paul... — O religioso interrompeu a saudação, esperando que o outro lhe fornecesse o sobrenome.
— Apenas Paul, meu bom frade. Deixemos de lado os formalismos.
— Muito bem. Queira entrar, Paul. Frei Modesto está à espera em seu claustro.
Há bons anos o jornalista estava em busca de informações sobre Nat Lebá, o pistoleiro e ex-escravo que realizou proezas em New Mexico. Uma confiável cadeia de fontes o levou, por fim, ao velho Frei Modesto, testemunha ocular dos feitos de Nat Lebá. Após missivas insistentes ao superior do convento, Paul obteve autorização para falar ao religioso.
Os frades já haviam rezado as Vésperas e mantinham-se trancados em suas celas. Ao longo do corredor, apenas a porta do claustro de Frei Modesto estava aberta, e para lá o repórter se dirigiu.
O recinto era penumbroso e humilde. Duas velas forneciam a luz escassa, que fez com que Paul distinguisse, vagamente, uma cadeira, a pequena estante com livros e o crucifixo na parede, acima do catre onde Frei Modesto estava sentado.
— Tome esta cadeira, meu jovem. Estou pronto para a nossa conversa — convidou o religioso, com voz calma e sumida.
— Nem tão jovem assim, meu caro frei. Já passei dos cinquenta — o repórter pilheriou, ocupando a cadeira.
Paul não pôde distinguir detalhes da fisionomia do religioso. Metido no hábito, Frei Modesto tinha o rosto coberto pelo capuz.
— Sei que Vossa Caridade tem empreendido grandes esforços em busca da história de Nat Lebá. Conheci esse pistoleiro em New Mexico. Espero ajudar nas pesquisas, pelo menos até onde me permitir a memória.
O jornalista sacou do bloco de notas e pôs-se a escutar as palavras do velho frade, por meio das quais narraram-se os fatos que seguem.
NAT LEBÁ
Em 1875 a ferrovia não havia alcançado Santa Fe, e Nat Lebá teve de desembarcar ainda próximo à divisa com o Texas.
Homem negro alforriado fazia dez anos, em virtude da Décima Terceira Emenda, e ainda percebendo nos olhares hostis o ressentimento daqueles que foram derrotados na Guerra de Secessão, Nat Lebá seguia confiante no cavalo que adquirira após deixar o trem, observando as montanhas que o acompanhavam a norte, até alcançar Santa Fe. Após uma semana, chegou a Taos.
Sua imaginação, por vezes, permitia-lhe escutar os murmúrios do Rio Grande, cujas águas partiam desde o seio das vastidões desérticas do Oeste para desaguar, grandioso caudal da América, no Golfo do México.
O destino de Nat era a pequena cidade de Sangre de Cristo, ao pé dos montes de mesmo nome.
Ao apear, o pistoleiro não se surpreendeu com a primeira impressão da cidade: quase deserta e muito decadente. Ninguém o viu chegar. Fazia anos desde que o Coronel Forrest se tornara xerife do lugarejo e o fizera quartel general de seu grupo, a Irmandade dos Puros.
Forrest fora proprietário de uma fazenda na Louisiana, e suas plantações de algodão garantiram-lhe relativa fortuna. Em 1861, quando Abraham Lincoln chegou ao poder ventilando ideias de abolição da escravatura, o fazendeiro engrossou as fileiras do Exército Confederado e lutou com denodo na Guerra Civil. Em curto espaço de tempo, tornou-se coronel. Quando o Sul se rendeu e a escravidão acabou, Forrest vendeu suas terras e partiu com veteranos confederados para New Mexico, a fim de constituir seu grupo supremacista.
A Irmandade dos Puros aterrorizava populações afro-americanas com ataques violentos, ostentando capuzes vermelhos e cruzes flamejantes, a espalhar por quase todo o New Mexico seus discursos de superioridade branca.
Sangre de Cristo também estava no caminho de muitos viajantes que seguiam para o Colorado, de maneira que o Morty’s Saloon era parada de cowboys e aventureiros. Com a garganta sequiosa de bom whisky, Nat Lebá dirigiu-se para a taverna.
— Quero um escocês, rapaz — pediu ao apoiar-se no balcão, deslizando uma moeda sobre o tampo.
Morty, o jovem taverneiro, serviu com solicitude uma dose ao viajante, não sem que se admirasse de ver um sujeito de cor perambulando por Sangre de Cristo.
Nat deu um gole, olhando ao redor. O saloon estava vazio, com exceção de três homens que jogavam pôquer, numa mesa próxima, e encaravam o forasteiro, inamistosos. Os lenços rubros ao redor de seus pescoços denunciavam que eram membros da Irmandade dos Puros.
— Companheiros — falou um deles, segurando um leque de cartas —, eu bem sabia que essa gente era feia por natureza, mas nunca imaginei como são hediondos com o rosto queimado.
Os outros dois gargalharam.
Nat apertou o copo, contendo a fúria. Desgostou-o menos a depreciação de sua cor do que a alusão galhofeira às cicatrizes que lhe cobriam a face.
— Coronel Forrest vai dar um fim no padre que esteve aqui, defendendo o direito ao voto para negros. Ele não gostará de saber que já tem outro...
Aquele mesmo sujeito não teve chance de concluir seu comentário. Um disparo atraiu a atenção dos presentes. O taverneiro olhou ao redor, embasbacado. O que havia acontecido? O silêncio era geral.
E ninguém notou um furo no leque de cartas que o falastrão mantinha diante do rosto. Apenas perceberam quando os braços dele desabaram sobre o colo, e que no meio daqueles olhos perdidos surgira um novo olho, obra da bala disparada pelo Single Action Army de Nat Lebá.
Os dois homens restantes levantaram-se e sacaram suas armas. Nat lançou-se para trás do balcão, antes que os primeiros disparos o atingissem. Nas prateleiras de bebidas, garrafas estilhaçavam-se sob tiros frenéticos. Morty também se protegeu.
— Essas prateleiras me custaram o olho da cara! — exclamou.
— Posso lhe dar um novo olho, como o do seu amigo ali, se não calar a boca — respondeu Nat.
— Não sou amigo dessa gente. Tome, mas não diga a ninguém que o ajudei.
O taverneiro abriu certo compartimento debaixo do balcão e de lá tirou um rifle, relíquia do valoroso Exército Confederado.
Nat Lebá, de fuzil em mãos, rolou com agilidade por baixo do passa-pratos, ganhando novamente o saloon; e antes que a dupla inimiga pudesse vê-lo, descarregou o metal quente sobre ela.
Extintas as ameaças, arremessou a arma de volta para o taverneiro, que a agarrou desajeitadamente. Nat lhe sorriu.
— Muito bem, parece que há brancos e brancos neste país.
— Pode apostar, camarada — Morty retribuiu o sorriso, um tanto embaraçado.
O pistoleiro voltou ao balcão para terminar seu whisky.
— Diga, o que está fazendo nesta cidade? — Morty indagou. — Sabe que não é bem-vindo aqui.
— Esse tal Coronel Forrest... — Nat girou a bebida no copo. — Ele é tão poderoso quanto andam dizendo?
— Você só pode estar brincando! Forrest é o xerife, praticamente o dono de Sangre de Cristo, e ainda chefia os homens da Irmandade dos Puros!
— Hum... — O pistoleiro virou-se na direção dos cadáveres. — Não parecem tão perigosos.
— Não seja orgulhoso. Forrest deve possuir mais duas dúzias de homens, e virão todos para cima de você. Pelo amor de Deus! — Morty desesperou-se. — Não diga a eles que eu o ajudei! Eles virão atrás de mim depois que o matarem! Não diga nada! Eu imploro: não diga!
— Deixe de tolices, rapaz! — interrompeu Nat. — Antes da meia-noite todos estarão mortos, inclusive o maldito Forrest.
O pistoleiro finalizou o whisky com um trago.
— E o padre, quem é?
— Padre Gilbert — balbuciou o taverneiro. — Está preso na casa do Coronel Forrest há cerca de um mês. Viajava por todo o New Mexico defendendo os direitos dos homens de cor. Mas caiu nas garras da Irmandade dos Puros. É mais um que irá morrer!
Morty escondeu o rosto nas mãos, chorando pateticamente. Nat saiu do saloon, com o Peacemaker ainda quente em punho, e bradou em desafio:
— Porcos racistas de Sangre de Cristo, eu desafio vocês para um duelo! Me encontrem no cemitério, ao pôr do sol. Quero a satisfação de vê-los tombar, um por um, diante do meu revólver!
E disparou para o alto, insolente. Ninguém apareceu. O vento soprava pelas ruas poentas, batendo portas e janelas de casas abandonadas. Somente o amedrontado Morty via tudo, de dentro do bar.
***
— A-há! Agora eu entendi tudo! — alegrou-se o jornalista Paul. — Você é Morty, o taverneiro!
— Admirável poder de dedução, senhor repórter! — riu Frei Modesto — Estou realmente impressionado. Mas fale baixo, estamos num lugar de recolhimento e oração.
O DUELO
Os Montes Sangre de Cristo levam esse nome por conta do fenômeno pitoresco que oferecem aos olhos de quem os contempla sob determinadas condições. Quando a luz do ocaso recai sobre os cumes nevados, a camada alva torna-se rubra, como se das anfractuosidades daquelas rochas despenhassem cascatas de sangue. Tal era a visão de Morty, que tentava compreender o que Nat fazia ali no cemitério.
Ajoelhado diante de um caixão, Nat Lebá grudou sobre a tampa curioso círculo de velas vermelhas, em cujo centro uma caveira humana ostentava seu sorriso sardônico. Numa lájea de pedra, munido de giz, ele desenhou o vevê, símbolo obscuro que aprendera de seus antepassados, gente vinda do Haiti para a Lousiana em porões infectos de navios, trazendo, junto à humilhação e à dor, os arcanos ancestrais da bruxaria vodu.
Proferindo palavras incompreensíveis, o pistoleiro dialogava com entidades ocultas. Seus olhos reviraram, o corpo se encurvou de chofre, com os braços retorcidos para trás, e a cabeça ergueu-se obliquamente, num ângulo perturbador. Já a gargalhada execrável, guardada talvez por séculos em dimensões cobertas pelas hostes infernais, prorrompeu terrível da garganta de Nat Lebá.
Por alguns instantes, Morty apenas escutava grunhidos da direção em que estava o pistoleiro. Notou que as mãos do outro adquiriram uma agilidade sobre-humana, pela rapidez com que ele sacava o revólver do coldre e ao coldre novamente o devolvia.
Não demorou para que, no portão do cemitério, surgissem dezenas de homens da Irmandade dos Puros, com as faces cobertas pelo pano vermelho, trazendo tochas cujas chamas espalhavam sombras de cruzes e lápides pelo lugar. Um deles gritou.
— Renda-se, negro, e o seu sofrimento será menor. Vamos enterrá-lo na mesma cova em que o tal Padre Gilbert. Você não vai ter de cavar a sua própria.
Os demais romperam em risos.
Nat Lebá só murmurou dizeres indefinidos, como que mesmerizado por qualquer coisa a dominar-lhe desde dentro. No entanto, caminhou até a passagem central do cemitério, pondo-se a postos para o duelo. Os inimigos compreenderam a atitude e organizaram-se, já cantando vitória, seja pelo maior número, seja pelo estado bizarro em que o adversário se encontrava, tal qual reunisse em si o desnorteio de um bêbado e a excitação de um cocainômano.
Morty, porém, vira a habilidade anormal de Nat, e não estranhou quando o primeiro homem de Forrest fora derrubado, sem que sequer notasse de onde viera o disparo. Assim desenrolou-se o duelo, com encapuzados caindo um a um.
Este puxou do cinto o afamado Remington 1858, porém o forasteiro antecipou-lhe o disparo e o acertou no peito; aquele tentou sacar um moderníssimo Schofield, mas certa bala enviada desde os confins do Inferno atingiu-o na testa. No entanto, aqueles tiros não vinham de outro ponto senão do Peacemaker de Nat Lebá.
E quando o último homem caiu, Morty testemunhou o maior feito que já teve lugar no Velho Oeste: quando o pistoleiro negro matou vinte e seis adversários em duelo.
Ao fim de tudo, Nat Lebá voltou a si. O taverneiro, temeroso, saiu de trás da lápide e foi até o camarada. O que quer que tivesse possuído o pistoleiro não só lhe forneceu agilidade invulgar, como também prodigiosa resistência. A verdade era que alguns tiros o acertaram, e, embora não lhe tivessem atingido órgãos vitais, provocaram tal dor que um homem comum jamais suportaria. E ele ainda suportava.
— Você acha que Forrest está aqui? — perguntou Nat, apontando para os cadáveres.
— Temos de procurar.
Cada um apanhou sua tocha e puseram-se a remover os capuzes dos homens. Aqueles rostos lívidos foram sendo revelados, mas o de Coronel Forrest não se viu.
— Tremendo covarde! — enfureceu-se o pistoleiro, atirando ao chão o capuz que segurava. — Morty, me leve até a casa desse patife. Ele só pode estar lá. Onde fica?
— A um quarto de légua daqui.
— Vamos!
***
— Você não imagina quanto me admira a história desse duelo! — dizia Paul. — E escutá-la da boca do próprio Morty, o taverneiro, é indescritível para mim.
— Frei Modesto, por gentileza — o religioso corrigiu amavelmente.
A VINGANÇA
Após uma boa caminhada, Nat e Morty alcançaram a casa do Coronel Forrest. Uma construção sóbria, em madeira, que evidenciava nas proporções ser posse de um homem remediado.
O que mais saltava aos olhos, porém, era uma cruz com cerca de três metros, à maneira das que a Irmandade dos Puros incendiava em seus encontros sinistros. Nat Lebá entendeu o recado: Forrest o aguardava.
— Você ainda não me disse por que veio atrás do coronel — disse Morty.
— Esse homem era proprietário da fazenda onde meus pais e eu trabalhávamos, na Louisiana. Quando a escravidão foi abolida, Forrest se enfureceu. Não queria abrir mão de seus cativos. E na última noite em que os negros ainda dormiam no celeiro, sonhando com a alforria do dia seguinte, o maldito incendiou todo o lugar. Meus pais morreram, junto aos demais. Eu fui o único que conseguiu escapar, mesmo sofrendo o castigo das chamas — contou Nat, tocando as cicatrizes do rosto.
— Que grande filho de uma... — O taverneiro não terminou a frase.
Um impacto lançou Nat ao solo; Morty, por sua vez, fugiu. Forrest golpeara o pistoleiro por trás.
— Levante-se, negro, e lute feito homem, de mãos limpas! — o coronel desafiou.
— Só tenho uma bala, seu pulha... — Nat se ergueu. — E não preciso dela para acabar com você.
O pistoleiro removeu o último cartucho do revólver. Um menino que aparentava ter dez anos apareceu próximo aos homens, e Nat colocou a bala em sua mão.
— Saia daqui, garoto — ordenou Forrest. — Me espere dentro de casa.
— O tiro que seria para você está nas mãos de seu filho. Que aquela bala o lembre de Nat Lebá, o antigo escravo que vingou os pais.
O coronel cruzou um soco, mas o outro prontamente se esquivou. Tirando proveito do desequilíbrio de Forrest, Nat acertou-lhe com o bico da bota, no estômago. O homem caiu de frente, apoiando-se nas mãos, e o negro o atingiu com um chute poderoso. A dor que Nat Lebá sofria era excruciante: os tiros de que fora alvo no duelo o abatiam. Porém, a vingança deveria ser consumada.
O pistoleiro alertou-se para um ruído sibilante, cuja origem era vaga, por isso não pôde evitar que uma peça de metal se chocasse contra sua cabeça. Ocorreu que Forrest caíra próximo ao alpendre, onde havia uma grossa corrente e, preso a ela, um cadeado. E tal foi a arma com que ele atacou Nat Lebá. Este, por sua vez, tombou próximo à grande cruz de madeira.
Forrest girou a corrente no ar, preparando novo golpe, mas o rival se ergueu de supetão e agarrou-lhe os braços.
— Lembra-se da noite no celeiro? Seu destino será como o daqueles cativos, miserável! — Nat ameaçou, medindo forças com o outro.
Naquele momento, o coronel compreendeu tudo. Estava diante de um de seus antigos escravos, que queria vingança.
O negro, com um ágil movimento, girou por trás do outro, enroscando a corrente em seu pescoço e arrastando-o para junto da cruz. Ato contínuo, Nat uniu as extremidades da corrente ao redor do madeiro e bateu o cadeado.
— Queime no inferno, Forrest! — gritou Nat Lebá para o homem preso à cruz, esvaziando sobre ele o galão de combustível com que aquela seria incendiada.
E enquanto o coronel era consumido pelas chamas, lançando aos céus mil berros de maldição e de dor, o Padre Gilbert arrastou-se para fora da casa.
***
Paul transtornou-se com a descrição da morte de Forrest.
— Lamento que a história o tenha perturbado, senhor repórter.
— Não é nada, Frei Modesto... Ou melhor, Morty — disse, já recuperando o humor.
— Vossa caridade está enganada. Não sou Morty.
Paul estapeou comicamente a testa, exprimindo no gesto a tardia compreensão.
— Pois claro que não é! Você é o Padre Gilbert!
O frade riu outra vez.
— Quando Padre Gilbert saiu daquela casa — disse Frei Modesto — conversou longamente com Nat Lebá. Contou as torturas que sofrera na casa, as privações inomináveis de que fora objeto. E o mais importante: falou-lhe do Nazareno, o Carpinteiro que há dois mil anos morreu para salvar a humanidade, em benefício dos homens de todas as raças e nações. Naquele momento, Padre Gilbert promoveu uma revolução na mente do pistoleiro, que renunciou à bruxaria e à velha vida de pecados.
— E como foi que Padre Gilbert se tornou frade? — perguntou o jornalista, cutucando sugestivamente a perna do outro.
— Padre Gilbert morreu naquela noite. Estava muito doente e ferido. Só teve um resto de vida para oferecer o batismo a Nat Lebá, perdoando-lhe os pecados.
— Então... Quem é você?
Frei Modesto retirou o capuz do hábito, revelando o rosto negro e marcado de cicatrizes.
— Deixemos de jogos — disse ele. — Eu sei bem que você não é jornalista, mas o próprio filho do Coronel Forrest. Notei sua reação de ódio enquanto eu falava de minha vingança sobre seu pai. Logo percebi que você não poderia ser outro, senão aquele menino a quem dei a última bala do meu revólver.
Tremente e abalado, Paul Forrest levou a mão ao bolso do paletó e de lá tirou um cartucho calibre .45.
— Muito bem — continuou o frade, insinuando secretamente o Peacemaker por entre as dobras do hábito. — Agora é sua vez de ter vingança.
De súbito apontou o revólver contra Paul, que se assustou, mas fê-lo girar ao redor do indicador, de modo que o cabo ficasse acessível ao seu algoz.
O filho do coronel apanhou a arma, introduzindo o cartucho no cilindro: aquela bala que o atormentava há quarenta anos.
— Prepare-se para morrer, Lebá — Paul engatilhou o revólver.
— Sou Frei Modesto, servo do Altíssimo. Nat Lebá é morto há muito tempo.
— A Irmandade dos Puros irá ressurgir. A América estará livre de gente como você!
— Que Deus tenha piedade de sua alma, porque é Satã quem sempre puxa esse gatilho.
Paul Forrest atirou no religioso e fugiu. O porteiro tentou agarrá-lo, porém não teve forças.
— Deixe-o ir, Morty!
Foi o que Frei Modesto ainda gritou ao frade porteiro, antes de morrer.