Diário de Takashi: Ikebukuro
Takashi Sato já não era mais o jornalista cético que costumava ser. Suas investigações sobre o sobrenatural o haviam levado a uma visão mais aberta do mundo, onde o inexplicável e o misterioso coexistiam com o cotidiano. A lógica e a razão, embora valiosas, não eram mais as únicas lentes através das quais ele via o mundo. Sua experiência com fenômenos que desafiavam qualquer explicação racional o tornaram mais curioso do que duvidoso, e, quando um novo caso surgiu, ele sabia que não podia deixar de investigar.
"Relatos de aparições em Ikebukuro", dizia o aviso de uma fonte anônima. Várias pessoas afirmavam ter visto uma mulher de olhos negros, e algo sobre isso o atraiu como um imã. Ikebukuro, um dos bairros mais movimentados de Tóquio, sempre fora conhecido por sua energia frenética, mas de uns tempos para cá, algo mais parecia assombrá-lo. Relatos de aparições começaram a se espalhar, como fantasmas a espreitar entre as luzes da cidade.
Takashi chegou a Ikebukuro em uma tarde quente de verão, com a umidade da cidade se infiltrando em seus ossos. Ele começou sua investigação na estação central, onde os relatos pareciam mais frequentes. As plataformas estavam lotadas de passageiros apressados, mas, para Takashi, a movimentação frenética parecia esconder algo mais profundo, algo invisível. As histórias que ele ouvia eram sempre as mesmas: uma mulher com olhos completamente negros, surgindo e desaparecendo entre os passageiros.
- Ela só aparece à noite, especialmente quando a estação está mais vazia - disse um jovem vendedor de rua, com uma expressão tensa - Dizem que ela está procurando algo. Ou alguém.
- Procurando o quê? - Takashi perguntou, anotando em seu bloco.
- Isso ninguém sabe. Só que, se você vê-la, nunca mais é o mesmo. Muitos dizem que ela... que ela já foi uma vítima de algo muito ruim.
Takashi não deu muita atenção à superstição, mas algo no olhar do rapaz o fez sentir que havia mais ali do que simples boatos.
Ao cair da noite, Takashi decidiu voltar para a estação, mais uma vez com a intenção de buscar alguma explicação. O ritmo da cidade diminuía, e a estação de Ikebukuro parecia mais silenciosa. A brisa fresca vinha das ruas, mas uma sensação estranha o envolvia. Ele se posicionou na plataforma, observando o vai e vem dos trens. Algo estava no ar, e ele podia sentir.
Foi quando a viu pela primeira vez.
Ela estava em um canto da plataforma, à distância, sua figura quase perdida nas sombras da estação. A mulher de olhos negros. A princípio, Takashi pensou que fosse apenas mais uma ilusão, o reflexo da luz nas janelas de um trem, mas, à medida que ela se aproximava, sua presença se tornava mais palpável.
Os olhos dela... Eram negros. Completamente negros, como se não houvesse pupilas, apenas escuridão. Ela caminhava lentamente, sem pressa, como se soubesse que ninguém a veria até o momento certo.
Takashi não conseguiu se mover. Sua mente, cheia de teorias e explicações, parecia ter sido paralisada pela presença daquela figura. Ele tentou falar, perguntar, mas as palavras não saíam. A mulher caminhava em sua direção, seus passos suaves, sem o eco dos outros pedestres. O ar parecia ficar mais pesado, e Takashi sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
Quando ela chegou a poucos metros dele, algo inexplicável aconteceu: o som do trem se aproximando abafou todos os outros sons. O trem parou na plataforma, as portas se abriram, e, quando Takashi olhou para onde a mulher estava, ela simplesmente desapareceu. Não houve mais vestígios, nem mesmo o som de seus passos.
Ele olhou ao redor, confuso e apreensivo. Mas nada. Nenhuma explicação lógica. Apenas o vazio.
No dia seguinte, Takashi estava em seu pequeno escritório, refletindo sobre o que havia vivido na noite anterior. Ele sabia que o sobrenatural não era uma questão de simples fé ou medo. Ele já havia investigado histórias semelhantes e sabia que muitas dessas lendas urbanas tinham raízes em algo profundo, algo que transcende a compreensão humana.
Ele voltou à estação no mesmo horário, como que para reviver o encontro, como se estivesse tentando entender o que havia acontecido. Mas, assim como da última vez, a estação estava cheia de vida. Ninguém mais parecia notar a presença da mulher de olhos negros. Mas Takashi sentia que algo o observava, algo do qual ele ainda não conseguia fugir.
"Ela está procurando algo", ele se disse, lembrando das palavras do vendedor. Mas o que seria? O que poderia ser tão importante a ponto de mantê-la presa a este lugar?
E foi então que ele se lembrou de uma lenda antiga que ouvira em suas investigações. Uma história sobre uma tragédia ocorrida muitos anos antes, quando uma mulher desapareceu sem deixar rastros, vitimada por um crime jamais resolvido. Eles nunca encontraram seu corpo, mas muitos acreditavam que ela ainda vagava pelas ruas de Ikebukuro, perdida em sua busca por justiça.
"Justiça...", Takashi murmurou para si mesmo. Ele sabia que não podia dar uma explicação fácil para o que acontecera. A mulher de olhos negros, com sua presença desconcertante, era parte de um mistério que, por mais que tentasse, ele não poderia resolver. A única coisa que ele sabia era que não estava mais sozinho na busca pela verdade. Algo o acompanhava nas sombras.
No dia seguinte, Takashi escreveu a matéria. Não era mais uma simples reportagem sobre aparições. Era sobre algo mais profundo, uma história de vingança que se tornara um símbolo de busca por redenção. Ele nunca contou tudo. Não falou sobre os detalhes da visão que teve, ou sobre o que ele sentiu quando o espírito desapareceu. Às vezes, a verdade é mais poderosa quando fica apenas entre as linhas do que foi dito.
Ele concluiu a matéria com uma reflexão:
"Existem coisas neste mundo que desafiam qualquer explicação racional, mas não são menos reais por isso. O sobrenatural não é apenas uma questão de aparições; é um reflexo das histórias não contadas, dos ecos das injustiças do passado. Às vezes, a única coisa que precisamos fazer é ouvir e entender, porque até os fantasmas têm uma história para contar."
E, com isso, Takashi Sato se afastou de mais um caso, ciente de que suas investigações o haviam transformado para sempre. O mistério de Ikebukuro não seria mais uma dúvida para ele, mas uma verdade que agora o acompanhava, silenciosa, mas profundamente enraizada em sua alma.
FIM