A Ponte do Desespero

Capítulo I:

Isabella olhava para o vazio da noite, o vento frio acariciando sua pele enquanto a chuva fininha parecia nunca chegar a tocar o solo, como se o próprio céu estivesse hesitando em fazer qualquer movimento. A ponte onde ela estava estava vazia, sem ruído, apenas o som distante da cidade apagada ao fundo. Ela sentia o peso das decisões acumulando-se em seu peito, como uma pedra que ela não podia deixar cair.

À frente, o abismo. O escuro profundo que a atraía com promessas de fim e libertação. Por um momento, ela imaginou que poderia saltar, que seria o alívio para a dor que sentia dentro de si. Ela sentia a gravidade do mundo pressionando sobre sua alma, seu corpo, suas escolhas. Não havia mais esperança, apenas o abismo aguardando.

Foi quando ela começou a ouvir uma voz. Sua mente dizia para ignorá-la, mas a voz era distinta, clara, e parecia vir de algum lugar distante, como se o próprio vazio do abismo falasse para ela. "Venha", sussurrou o abismo. "Venha e veja o que está além. Nada mais importa. A dor vai desaparecer."

Isabella respirou fundo e deu o primeiro passo. Seus pés, como se tivessem vida própria, avançaram até o limite da ponte, onde o vazio a convidava com braços invisíveis. Ela olhou para baixo e viu as águas turvas, profundas como o próprio inferno, que pareciam engolir qualquer coisa que ousasse se aproximar.

Ela fechou os olhos por um momento, sentindo o peso do mundo ao seu redor. O ar ao seu redor parecia pesado demais para respirar, como se ela estivesse prestes a ser engolida por algo que não tinha forma, mas tudo sabia. Ela estava à beira do fim.

Quando abriu os olhos novamente, não mais via o abismo. O que estava diante de seus olhos não era a cidade distante ou o céu estrelado que ela havia conhecido. Era um lugar onde o tempo parecia distorcido. Uma terra que se estendia infinitamente, sem começo nem fim.

As árvores não pareciam mais árvores. Eram colunas desmoronadas, suas raízes torcidas como serpentes que se arrastavam pela terra negra. O ar estava denso, abafado, e o horizonte era uma linha turva, onde o céu se fundia com a terra de maneira grotesca. Ela deu um passo e sentiu seus pés afundarem no chão, como se a própria terra estivesse sugando sua força.

Ela não sabia o que estava acontecendo, mas algo dentro dela dizia que isso não era apenas o resultado de sua decisão. Aquilo não era real. Não deveria ser real.

Com um grito, ela tentou correr, mas as pernas pareciam pesadas demais, como se estivessem sendo puxadas por uma força invisível, que a arrastava para o centro do lugar. Ela caiu de joelhos, lutando contra a pressão ao seu redor, mas o chão começou a tremer, e uma sombra se ergueu diante dela.

Era uma criatura monstruosa, mas não como qualquer monstro que ela tivesse visto ou imaginado. Era uma figura que refletia a própria corrupção do espaço e do tempo. Seus olhos brilhavam como brasas incandescentes, e seu corpo era uma massa de carne retorcida, como se estivesse se transformando o tempo todo. Cada movimento que fazia fazia a terra tremer com uma força imensa.

Isabella não conseguiu se mover. Tudo ao seu redor parecia distorcido, o ar vibrava como se estivesse em uma constante pulsação. O monstro se aproximou, seus olhos penetrando na alma de Isabella, como se o próprio inferno a tivesse escolhido. Ela ouviu então, uma voz sussurrante, vinda de dentro de sua mente: "Você não pode escapar. Você nunca poderá escapar."

A criatura se aproximou, e a terra se abriu, criando uma fenda ainda mais profunda, engolindo-a com uma força que ela não podia combater. O horror e a dor eram tão intensos que seu corpo parecia ser esmagado pela própria realidade.

Capítulo II

Isabella não sabia mais onde estava. Cada passo que dava era como se ela estivesse descendo mais fundo, como se estivesse sendo absorvida por uma corrente invisível que a arrastava. A terra, agora parecendo uma substância viscosa e escura, grudava em suas botas, tornando seus movimentos ainda mais lentos e extenuantes. Ela queria gritar, mas sua voz parecia aprisionada na garganta, incapaz de escapar. O ar estava denso, opressor, como se a própria atmosfera estivesse viva, apertando-lhe os pulmões.

Ela parou por um momento, sentindo uma pressão insuportável em seu peito. Olhou para os lados e viu que o espaço ao seu redor não estava mais em movimento. Não havia mais distorções no horizonte, mas algo pior estava acontecendo. O céu, antes negro e sem estrelas, agora exibia uma cor vermelha intensa, como se estivesse queimando por dentro. As nuvens, rasgadas por relâmpagos incessantes, emitiam uma luz infernal, tingindo tudo de um tom avermelhado. O ar cheirava a carne queimada, a algo podre que se infiltrava em sua alma.

Foi quando ela ouviu os sussurros.

Sons de gritos abafados, como se pessoas estivessem chorando por algo além de sua compreensão. Isabella começou a andar em direção ao som, mas algo a impelia a hesitar, a dúvida e o medo tentando prendê-la em cada movimento. Ela sabia que aquilo não era real, que nada disso era real. Mas, no fundo, uma parte dela sabia que isso era uma manifestação de sua própria mente, uma construção aterrorizante de sua própria dor, algo que estava se transformando em algo palpável.

Ela chegou até uma clareira no meio da terra escura. Ali, deitada no chão, estava uma mulher, vestida com trapos de um passado distante. Seu rosto estava marcado por cicatrizes, e seus olhos, embora sem brilho, fixavam-se diretamente em Isabella, como se a reconhecessem, como se soubessem quem ela realmente era.

Isabella se aproximou, hesitante, e a mulher sussurrou: “Você não pode fugir. Eles estão vindo por você.” Sua voz, fraca e cheia de desespero, cortou o silêncio.

De repente, o chão começou a tremer violentamente. O som de cascos de criaturas pesadas ecoou pelas colinas à frente. Isabella virou-se para encarar a origem do barulho, mas o que viu fez seu estômago revirar de terror. Uma legião de figuras grotescas, seres que pareciam fundidos com as sombras, marchavam em direção a ela. Suas formas eram vagas, indefinidas, mas seus olhos brilhavam com uma intensidade hipnótica, como se estivessem buscando algo nela.

Ela tentou correr, mas o solo sob seus pés parecia se mover contra ela. A terra se erguia, se deformava, como se quisesse aprisioná-la naquele lugar. Cada vez que ela dava um passo, o chão parecia distorcer mais, criando fissuras que engoliam sua sombra.

“Eles estão vindo,” a mulher sussurrou, e Isabella sentiu que não havia mais escapatória. Ela olhou para os lados e viu as criaturas chegando cada vez mais perto. Elas não corriam. Elas apenas andavam, lentamente, como se estivessem experimentando o prazer da perseguição, como se soubessem que o medo da presa era o que as alimentava.

O tempo parecia parar. Isabella estava paralisada, sem saber para onde ir, sem saber como lutar contra a presença indescritível que se aproximava. Ela sentia uma dor constante, como se as sombras estivessem perfurando sua mente, erodindo sua resistência.

De repente, ela sentiu uma dor lancinante em seu peito, como se algo estivesse sendo arrancado de dentro dela. As criaturas começaram a se aproximar, e ela sabia que não poderia escapar. Uma risada profunda e baixa ecoou ao redor, como se o próprio inferno se divertisse com sua angústia.

Tudo estava se apagando, e ela viu o rosto da mulher novamente, agora distorcido, como se estivesse rindo da sua agonia. “Você se tornou uma delas. O que você busca não é a liberdade, mas o castigo. O castigo por não entender que, no fundo, nunca quis ser salva.”

Isabella olhou para o vazio ao seu redor, a terra fria e as criaturas que se aproximavam. A dor em seu peito se intensificou, e ela caiu de joelhos. Tudo o que ela desejava era sumir, desaparecer, mas sabia que o que a aguardava não era o fim, mas um ciclo eterno, onde sua alma seria consumida lentamente.

Capítulo III

Isabella sentia como se a realidade estivesse desintegrando diante dela. O espaço ao seu redor começou a se distorcer, como se o próprio tecido da existência estivesse sendo rasgado. O céu, antes queimando com tons vermelhos, agora era um vazio absoluto, uma imensidão negra que parecia consumir tudo. Não havia mais chão sob seus pés; ela estava flutuando, suspensa em um abismo de incertezas.

De repente, uma voz ecoou nas profundezas desse vácuo. Não era a mulher que ela havia visto, mas algo diferente, uma presença que parecia estar além da sua compreensão.

“Você está pronta para ver a verdade, Isabella?” a voz era fria, sem emoção, como se falasse de um lugar distante, de uma realidade que não se importava com o destino de um ser humano. A palavra "pronta" reverberou na mente dela, mas Isabella não sabia se a estava respondendo para si mesma ou se o abismo realmente estava esperando por sua resposta.

Ela abriu a boca para falar, mas a voz de dentro de sua cabeça a impediu: "Você não precisa falar. Tudo o que você diz, tudo o que você pensa, já está em mim."

O espaço ao seu redor se agitou. Fragmentos de memórias que ela preferia ter esquecido começaram a se formar ao seu redor, figuras e rostos de um passado que ela pensava estar enterrado. Seus pais, sua infância perdida, a dor dos erros que cometeu. Tudo a consumia. As lembranças não eram mais de momentos passados; elas eram como espelhos de um futuro distorcido, onde cada escolha a levava mais fundo no abismo.

As criaturas das sombras estavam mais próximas agora, suas formas indistintas se arrastando sobre o vazio, os olhos vazios e brilhantes observando-a com uma expectativa silenciosa. Isabella queria gritar, mas sabia que suas palavras não significavam nada aqui. O inferno não era um lugar onde os gritos podiam ser ouvidos. Tudo o que ela sentia era o peso de sua própria culpa, a sensação de estar presa em um ciclo que nunca terminaria.

Foi então que, do centro dessa escuridão, algo começou a se formar. Não era uma entidade física, mas algo mais. Uma consciência, talvez, ou uma presença que transcende a compreensão humana. Uma forma incompreensível, um ser que não tinha forma nem nome, mas que, ao mesmo tempo, estava em tudo. Ela sentia sua mente se expandir, dilacerada pelas dimensões cósmicas que eram reveladas diante dela.

E foi nesse momento que ela entendeu.

O inferno que ela temia não era o destino imposto por um demônio ou uma divindade vingativa. O inferno estava dentro dela. O abismo que olhava para ela não era uma força externa, mas algo que ela mesma tinha criado. A verdade, nua e crua, a destruiu. O medo de suas próprias falhas, a culpa pelas escolhas erradas, o terror de ser incapaz de mudar — tudo isso era o verdadeiro tormento.

A presença no vazio se aproximou ainda mais. “Agora você sabe,” disse a voz, como se tivesse lido sua mente. “Mas não pense que você pode escapar.”

Isabella se virou, mas não havia mais um caminho. A escuridão a cercava por completo, engolindo-a com uma força indescritível. Ela sentiu sua própria essência se esvaindo, como se sua alma estivesse sendo dilacerada por uma força invisível. O abismo agora estava dentro dela, e ela era tanto a vítima quanto a causa.

E então, as criaturas avançaram. Não eram monstros, não eram demônios. Eram os reflexos de tudo o que ela havia se tornado, distorções de sua própria alma. Elas não tinham intenção de matá-la. Não havia necessidade. O sofrimento era o castigo, a condenação eterna. Seria uma dor sem fim, pois ela havia se transformado na própria essência do sofrimento.

“Você nunca sairá daqui”, disse a voz, agora mais distante. Isabella olhou para o abismo ao seu redor. A solidão era absoluta. Não havia ninguém para resgatá-la, nem sequer uma promessa de alívio. Tudo o que ela tinha era a consciência de que sua alma estava agora fundida com o inferno que ela mesma criara.

E então, o vazio a engoliu.

DaniCezario
Enviado por DaniCezario em 12/01/2025
Código do texto: T8239297
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