Diário de Takashi Sato: O Mistério da Fazenda Bernardino

Na divisa entre Nova Iguaçu e os limites da Baixada Fluminense, jaz a Fazenda Bernardino, uma construção do século XIX que carrega, entre seus tijolos e paredes desmoronadas, o peso de histórias sombrias e não contadas. Abandonada, grafitada e engolida pela vegetação, a fazenda ganhou fama de ser assombrada, com relatos de moradores sobre gritos na madrugada e luzes inexplicáveis na escuridão.

 

Foi essa atmosfera que levou Takashi Sato, jornalista investigativo, até o local. Após a série de reportagens de sucesso sobre mistérios urbanos, ele foi atraído por um novo desafio: desvendar os segredos daquela propriedade. Mas Takashi logo percebeu que a Fazenda Bernardino guardava mais do que lendas de terror; ela era o palco de uma história muito mais profunda, que conectava o passado colonial a segredos ainda vivos no presente.

 

 

Quando Takashi chegou à fazenda pela primeira vez, o crepúsculo já tingia o céu de laranja. Com sua câmera em mãos, ele registrou cada detalhe: o mato alto que parecia engolir os muros, as janelas partidas que mais pareciam olhos vazios e, ao fundo, o som inquietante do vento soprando entre as árvores.

 

Enquanto caminhava, encontrou os restos de uma velha cozinha. Ali, relatos locais diziam que Dona Quitéria, uma antiga cozinheira da fazenda, havia sido enforcada por ajudar escravos a escapar. Takashi sentiu um calafrio, mas continuou. Pendurado em uma viga, um laço de corda parecia ter sido deixado para relembrar a tragédia.

 

No silêncio pesado da fazenda, Takashi ligou seu gravador:

 

— Os moradores acreditam que a Fazenda Bernardino seja assombrada pelo espírito de Dona Quitéria. Dizem que ela aparece nas noites de lua cheia, clamando por justiça. Mas será que essas histórias são apenas lendas? Ou há mais verdade nelas do que imaginamos?

 

Antes de retornar à fazenda, Takashi foi até uma vila próxima, onde conheceu Seu Mariano, o morador mais antigo da região. Ele lembrava dos tempos em que a fazenda ainda funcionava.

 

— Justiça, meu filho... é disso que ela grita. Não é só uma assombração. É o sofrimento de quem foi esquecido — disse o velho, com a voz carregada de melancolia.

 

Outros moradores contaram sobre as luzes e os sons vindos da fazenda. Dona Cida, por exemplo, relatou ver uma figura encapuzada perambulando pelo lugar, sempre ao cair da noite.

 

— Aquilo ali é maldito. É melhor você não mexer com o que não entende — alertou ela.

 

Mas Takashi não era do tipo que se intimidava. Ele agradeceu os relatos e decidiu voltar à fazenda, agora com mais cuidado e atenção.

 

Antes de prosseguir com sua investigação, Takashi decidiu buscar ajuda especializada. Foi então que conheceu Júlia, uma estudante de história da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que estudava escravidão e resistência na região. Quando ele lhe falou sobre a fazenda e o cemitério de escravos, os olhos dela brilharam com interesse.

 

— A Fazenda Bernardino foi palco de atrocidades inimagináveis. Não só contra os escravos, mas contra qualquer um que tentasse ajudar. Quitéria deve ter sido uma dessas pessoas — explicou Júlia. — Se quiser, posso ir até lá com você. Tenho algumas anotações que podem ser úteis.

 

Takashi aceitou a ajuda de bom grado. Ele sabia que, com o conhecimento de Júlia, poderia entender melhor os mistérios que rondavam a fazenda.

 

Na noite seguinte, Takashi e Júlia voltaram à fazenda. Enquanto exploravam o lugar, descobriram uma placa de ferro parcialmente enterrada no chão da antiga cozinha. Com esforço, desenterraram o objeto. Apesar da ferrugem, algumas palavras ainda eram legíveis: “Aqui jazem os que pagaram com sangue pela liberdade.”

 

— Isso é um memorial — murmurou Júlia, emocionada. — Quitéria e outros devem ter sacrificado tudo para ajudar os escravos.

 

De repente, ouviram o som de correntes vindo do andar de cima. Subiram as escadas, iluminando o caminho com a lanterna de Takashi. No quarto principal, encontraram uma corrente presa ao chão e, ao lado, uma vela que parecia ter sido acesa recentemente.

 

— Alguém esteve aqui — disse Júlia.

 

Uma rajada de vento apagou a lanterna. Quando a luz voltou, uma palavra escrita em fuligem apareceu na parede: “Justiça.”

 

 

Júlia sugeriu visitar o antigo cemitério de escravos antes do amanhecer. Lá, descobriram que as covas formavam uma cruz invertida.

 

— Isso é um ritual. Não se trata só de vandalismo — observou ela, com a voz carregada de preocupação.

 

Enquanto discutiam a descoberta, uma figura encapuzada surgiu na trilha, segurando uma enxada. Sem dizer uma palavra, ela olhou para Takashi e Júlia e murmurou:

 

— Vocês não deveriam estar aqui.

 

Antes que pudessem reagir, a figura desapareceu na escuridão, deixando para trás apenas um eco inquietante.

 

 

Takashi e Júlia publicaram suas descobertas em uma série de reportagens, trazendo à tona o passado esquecido da fazenda e do cemitério. As histórias dos escravos e de Dona Quitéria ganharam voz novamente, mas o mistério da figura encapuzada e dos rituais permaneceu sem resposta.

 

Hoje, a Fazenda Bernardino continua sendo um lugar evitado por muitos, mas seu nome voltou a ser pronunciado, carregado de uma nova camada de significados. Takashi e Júlia entenderam que nem todos os mistérios precisam ser resolvidos. Alguns, como os causos da Fazenda Bernardino, pertencem ao imaginário, onde podem viver para sempre, assombrando aqueles que ousam se aproximar.

 

 

FIM

 

 

Cavaleiro Menestrel
Enviado por Cavaleiro Menestrel em 08/01/2025
Reeditado em 09/01/2025
Código do texto: T8236874
Classificação de conteúdo: seguro