A Procissão dos Lamentos

No coração do Japão feudal, a aldeia de Hanamura vivia à sombra de suas tradições. No 15º dia do sétimo mês, as estreitas ruas da aldeia eram tomadas pela Yūrei no Junrei, uma procissão xintoísta dedicada a apaziguar os espíritos inquietos e garantir que eles não causassem desgraça aos vivos. Aqueles que participavam do ritual carregavam consigo uma mistura de reverência e medo. Para Yukiko, a donzela escolhida para liderar a procissão, esse medo era quase insuportável.

 

Yukiko era conhecida por sua beleza etérea, mas também por sua reclusão. Os aldeões cochichavam que ela carregava segredos pesados demais para alguém tão jovem. Apenas ela sabia a verdade: há um mês, em uma noite envolta em ciúmes e desespero, ela empurrou seu amante, Ichiro, para a morte. Ele era um samurai honrado, mas prometido a outra. A promessa de um casamento arranjado entre Ichiro e a filha de um daimyo era um obstáculo intransponível para Yukiko. Em um acesso de fúria, ela o levou até o penhasco ao norte da aldeia, onde o empurrou para as profundezas, selando o destino de ambos.

 

Na noite da procissão, Yukiko vestia um quimono branco decorado com flores de cerejeira, simbolizando pureza e luto. Com a cabeça baixa, ela conduzia o grupo de monges e aldeões, cada um carregando lanternas de papel que balançavam suavemente com o vento. As ruas estavam desertas, as janelas das casas fechadas. Apenas o som dos cânticos xintoístas rompia o silêncio opressor.

 

A trilha sinuosa levava até o bosque sagrado onde o ritual terminaria. No entanto, conforme a procissão avançava, algo mudou. O ar parecia mais denso, pesado, como se uma força invisível observasse cada passo. As sombras projetadas pelas lanternas se alongavam de forma antinatural, retorcendo-se como seres vivos.

 

Yukiko começou a sentir uma presença. No início, era apenas um arrepio na espinha, mas logo se tornou impossível ignorar. Entre os monges, uma figura se destacava: um homem alto, vestindo uma armadura de samurai manchada de sangue. Ele caminhava em silêncio, os olhos fixos em Yukiko. Seu rosto era inconfundível. Era Ichiro.

 

Ela tentou desviar o olhar, mas seus pés pareciam presos ao chão. A cada passo da procissão, Ichiro se aproximava, até que finalmente estava ao lado dela.

 

— Você me esqueceu tão rápido, Yukiko? — sua voz era um sussurro carregado de dor e raiva. — Ou achou que poderia escapar?

 

Yukiko sentiu o sangue fugir de seu rosto. Não havia como responder. Antes que pudesse dizer algo, os cânticos cessaram abruptamente. As lanternas apagaram-se todas de uma vez, mergulhando a procissão na escuridão.

 

Os monges murmuravam orações desesperadas, mas elas eram abafadas por um som crescente: o lamento de dezenas de vozes, chorando e gemendo. As árvores ao redor começaram a se curvar, como se fossem dobradas por uma força invisível.

 

Foi então que eles surgiram. Yūrei, espíritos vingativos de rostos pálidos e olhos negros como a noite, flutuavam ao redor da procissão. Suas mãos esqueléticas estendiam-se em direção aos participantes, mas eles ignoraram todos, exceto Yukiko.

 

Os espíritos começaram a sussurrar.

 

— Traidora.

— Assassina.

— Sua alma está manchada.

 

Yukiko tentou correr, mas Ichiro a segurou pelo braço. Seu toque era gelado, como a própria morte. Ele a puxou para mais perto, seus olhos cheios de mágoa.

 

— Você causou minha ruína, Yukiko. Agora, carregará o mesmo destino.

 

O chão sob seus pés parecia desmoronar. Ela foi arrastada para o centro de um círculo de espíritos, cada um deles sussurrando suas culpas, expondo seus segredos mais profundos. A floresta ao redor desapareceu, substituída por uma vastidão sombria e vazia.

 

No meio da escuridão, ela viu o penhasco. O mesmo penhasco onde havia traído Ichiro. Sem escolha, ela começou a caminhar em sua direção, enquanto os espíritos formavam uma procissão silenciosa atrás dela.

 

Quando chegou à borda, ela olhou para baixo e viu as profundezas que a aguardavam. Ichiro estava ao seu lado, mas agora ele sorria, um sorriso triste e vingativo.

 

— Não há redenção para nós, Yukiko. Apenas o vazio.

 

Com um último grito, ela caiu.

 

Na manhã seguinte, os aldeões encontraram seu corpo na base do penhasco, cercado por flores de cerejeira que não deveriam florescer naquela época do ano.

 

Desde aquele dia, a Yūrei no Junrei tornou-se ainda mais temida. Dizem que, durante a procissão, se alguém olhar nos olhos da figura de quimono branco que lidera o grupo, será tomado pela loucura ou desaparece para sempre. Alguns afirmam que é Yukiko, condenada a guiar a procissão eternamente, enquanto busca expiar seus pecados em vão.

 

 

Cavaleiro Menestrel
Enviado por Cavaleiro Menestrel em 04/01/2025
Reeditado em 09/01/2025
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