Leviatã — Um Conto Gótico de Natal
A madrugada se arrastava impassível e silenciosa. Era véspera de Natal. Uma neblina descia sobre a cidade de Santos como um véu úmido e misterioso, ocultando o horizonte entre o céu e o mar. Ao contrário do que se esperava do verão litorâneo brasileiro, aquela noite era estranhamente fria.
Contrastando com o período jubiloso e festivo, marcado pela decoração natalina e luzes coloridas, um homem sombrio e trajando preto caminhava pela orla da praia. Seu nome era Zaine. Ele era neófito de um grupo ocultista e estudante de parapsicologia. Ao passar por determinado trecho, uma cena que não vivenciou invadiu sua mente:
Um casal com duas crianças caminhava por ali algumas horas antes, quando uma velha cigana abordou a família pedindo um donativo. Como não tinham cédulas ou moedas, apenas cartões de crédito e dinheiro em aplicativo bancário, lamentaram não poder ajudar. A cigana agradeceu com um sorriso e lhes disse: "Obrigada, tenham um lindo Natal, família abençoada! Mas cuidado, o demônio está solto...". A frase os incomodou, especialmente ao perceberem que as crianças ficaram assustadas.
Zaine olhou o relógio. O visor digital marcava exatamente 3:33. Mirando a paisagem ao seu redor, notou lampejos vermelho-alaranjados irrompendo no céu, alguns metros acima do mar. Aos poucos, uma sensação aterrorizante o envolveu. O fenômeno trazia um teor nefasto que parecia pungir sua alma, enquanto os lampejos continuavam incessantes.
Logo, não teve mais dúvidas: tratava-se de um portal prestes a ser aberto, uma fenda interdimensional ligando o mundo humano aos reinos infernais.
Sem hesitar, Zaine decidiu pedir ajuda. Retirou o celular do bolso e tentou contatar colegas mais experientes no ocultismo — mesmo sem ter grande intimidade com eles. Ninguém atendeu. Ele não sabia que Leandro estava de férias em Fortaleza, dormindo profundamente; que Valmir se encontrava bêbado numa festa, vomitando doses de whisky com energético; ou que Pâmela, a mais versada e poderosa, estava na maternidade, prestes a dar à luz.
A contragosto, sem alternativas, Zaine ligou para seu mestre, Nicolau. Apesar de sentir-se contrariado, não era pelo mestre recusar ajuda — Nicolau sempre foi generoso —, mas pelo fato de o homem ser idoso, estar acamado e, aparentemente, à beira da morte.
Durante o Natal, era tradição Nicolau se vestir de Papai Noel e visitar comunidades carentes, distribuindo presentes entre as crianças. Ele também fazia doações financeiras ao longo do ano, enquanto mantinha uma pequena fraternidade dedicada aos estudos ocultistas e à prática da magia. Zaine conhecia esses detalhes, assim como a orientação de que os membros deveriam cooperar entre si, sempre.
Mesmo assim, não obteve resposta. Talvez, a enfermeira que cuidava de Nicolau estivesse ocupada e não escutou o celular tocar. Sem outra opção, Zaine decidiu recorrer à sua habilidade extrassensorial: a telepatia. Fechou os olhos, concentrou-se ao máximo e logo emitiu as primeiras mensagens. O velho respondeu, frisando que não era incômodo algum ajudá-lo e percebendo rapidamente a frequência de medo em que o aprendiz se encontrava.
Zaine explicou tudo ao mestre, que ficou igualmente preocupado. Sabendo que seus discípulos mais experientes estavam indisponíveis, Nicolau instruiu que ele procurasse "K". A orientação deixou Zaine atônito, levando-o a questionar a sanidade do velho. Nicolau, porém, insistia que não havia outra solução, ninguém mais seria capaz de fechar o portal.
O problema era que "K" tinha impulsos incontroláveis e instintos perversos. Ele já havia até matado pessoas; era um monstro, um demônio chamado Krampus.
Zaine não sabia mentir, mas mentiu, garantindo que seguiria as orientações do mestre. Depois de encerrar a conversa telepática, viu que os lampejos no céu continuavam, agora ainda mais intensos, e decidiu tentar selar o portal sozinho. Ele trazia consigo adereços de proteção — um pingente de pentagrama, dois anéis de prata, ambos consagrados por uma antiga ordem hermética, e pulseiras de hematita, ônix e obsidiana — e começou a entoar mantras de proteção, gesticulando e repetindo palavras de banimento.
Ataques espectrais logo o atingiram, ferindo tanto seu corpo físico quanto seu espírito. Estava enfraquecido, sentindo sua alma drenada e a certeza de que morreria em breve. Seus amuletos se quebraram, e ele sangrava, enquanto o portal aumentava de tamanho. Do outro lado, inúmeros olhos diabólicos já podiam ser vistos.
Desde os tempos imemoriais, reinos celestiais e infernais travavam batalhas incessantes. Aproveitando um ensejo, Leviatã, um demônio marítimo ancestral e um dos sete príncipes infernais, planejava estabelecer seu domínio na Terra. Ele começaria corrompendo os oceanos e transformando todos que dependiam da água em demônios irascíveis.
Sem forças, Zaine desfaleceu. Felizmente, Nicolau o conhecia bem e suspeitou que, nesse caso, o discípulo desobedeceria. Assim, mesmo debilitado e numa cadeira de rodas, o velho procurou Krampus. Nicolau pediu à enfermeira que o levasse à Catedral de Santos — local em que a criatura costumava rondar —, justificando que precisava fazer suas preces. Depois de dispensá-la, encontrou Krampus e, juntos, seguiram até a praia — o demônio não era visível às pessoas comuns —, onde o rapaz estava.
Zaine nunca confiou em Krampus, não gostava dele — e tampouco Krampus estimava Zaine, considerando-o fraco e patético. Ambos já haviam cogitado destruir um ao outro, e o objetivo do neófito era se fortalecer, a ponto de se tornar uma ameaça ao demônio. — A natureza maligna da criatura, por vezes, falava mais alto: ele já perdera o controle em algumas circunstâncias, matando aqueles que julgava indignos.
O que os outros membros do grupo ocultista desconheciam, exceto Zaine, era que Nicolau e Krampus eram, respectivamente, pai e filho... Até os quinze anos, Krampus manteve a forma humana; depois disso, sua aparência animalesca e terrível veio à tona, destruindo sua representação — e ao mesmo tempo ficando invisível para muitos. — Ambos já vinham de muitas encarnações anteriores, mas esta foi a primeira em que compartilharam esse grau de parentesco.
Finalmente, ao chegar na praia, a dupla começou a canalizar energias para fechar o portal, o que enfureceu ainda mais as entidades malignas. Um lacaio demoníaco escapou e avançou contra Nicolau, derrubando-o da cadeira de rodas. Krampus o enfrentou para proteger o velho. Foi bastante ferido, todavia, conseguiu vencer o inimigo e, ao fim, arrancou a cabeça da criatura infernal. No chão, Nicolau rastejou alguns metros e mirou as mãos na direção do portal. Zaine despertou nesse momento. Surpreso ao ver o mestre e Krampus ali, imitou Nicolau, sem questionar.
Combinando forças, os três conseguiram fechar a fenda e impedir a invasão demoníaca. Após a vitória, Nicolau sorriu triunfante e, com a voz trêmula, minutos antes de falecer, disse:
— Feliz Natal, meus queridos.
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Thiago S. Sevla