Solipsismo

Álvaro olhava pela janela com a certeza úmida de quem as têm sem saber de onde vem a água que as molha. Álvaro fitava o horizonte como quem encara uma aparição sem saber se o que vê é fruto de suas vontades ou o reflexo de uma realidade separada de nossos sentidos ainda infantis na busca de uma verdade qualquer.

Álvaro, o acanhado miúdo de um passado logo ali, atravessava a janela com suas conjecturas quando, no horizonte mais afastado, divisou, no verde confuso daquele campo, um rebolar em sua direção. A deambulação parecia pertencer a um quadril balouçante. Daqueles que nos indicam haver em si uma coisa qualquer de ousada sugestões.

Álvaro franziu os olhos como quem os faz para dar as vistas mais competência.

Álvaro alcançou uma silhueta em sinuosa caminhada. Álvaro deitou toda habilidade ocular de suas esferas arregaladas agora num espanto espantado. Álvaro tentou sair dali. Tentou Álvaro. Sem uma única prosperidade no ensaio.

Quando sua mãe entrou, para entrevista-lo a respeito do que lhe auferia prazer em mandar ao bucho logo mais no jantar, encontrou um quarto vazio. Mas, um vazio que deixava vago até mesmo os espaços onde o vazio é condição existencial. Soltou um muchocho. Como as mães que não têm filhos costumam, fechou a porta, girou sobre os calcanhares e seguiu para sala onde as refeições eram devoradas.

Álvaro encarava sua mãe, do outro lado da mesa, suplicando pelo pedaço de morte mal passada que sobrava na tigela. Mamãe em ternura que só as mamães em tal estado sabem, arremessou o amparo onde o pedaço morto descansava em sua direção e a cara, uma cara de Álvaro, foi abalrroada pelo tecido que chamam de carne.

Álvaro encarava o lá fora através da sua janela em seu quarto e tudo o mais que daí pode informar nossa imaginação ferrada pela estupidez que nos faz o favor. Lá de baixo, um grito:

- Árvro, meu filho! Seu inútil! Meu morzim! Tá na mesa!

Álvaro, vendo aquela coisinha rebolando em sua direção, pensou que era pensando que alguma coisinha podia ser feita que lhe fizesse o favor de encher as esperanças.

Mas, fora da sua cabeça, uma cabeça enorme, só havia o vazio. Do seu quarto. E os gritos da mamãe.