Confinamento-

Quando foi jogado na solitária ficou desesperado, gritou até não emitir som algum, quase sufocou com o vômito, tateava a parede de cimento cru .
Cansado , cansado demais acabou desmaiando. Acordou assustado e não sabia se era dia ou noite. A lâmpada permanecia acesa todo o tempo e a única ventilação vinha das grades protegidas por telas imundas na divisa com o teto muito alto.

Seu crime? Tentou furtar a carteira de uma idosa, nem teve tempo de contar os míseros trocados. Sentiu o golpe de cassetete e caiu de joelhos na calçada. O sangue escorreu pela cara, apanhou muito, o tempo todo ouvia os gritos de ladrão...mata....quebra ele...safado...morre vagabundo...morre...

Primeiro dia : Passos . Dor. A cela era pequena, estreita, úmida e suja. Ratos entravam à cata de comida passando por baixo da porta. Havia luz no corredor, ouvia vozes abafadas, gritos, choro...tentou levantar mas não conseguiu. Sua perna parecia quebrada, seu corpo cheio de hematomas, estava de cuecas e descalço. Mais uma vez desmaiou.

Segundo dia: Foi se arrastando até a portinhola onde haviam passado duas latas. Uma com agua outra com comida e pão. Os ratos haviam sido mais rápidos. Bebeu a agua. Sentiu que estava todo urinado.
Com muito esforço apoiou as costas e deu impulso bem devagar, foi deslizando até suspender todo o tronco. Pontadas nas costelas cada vez mais fortes... perdeu os sentidos.

Terceiro dia: Ainda estava mal sentado,   ouviu uma voz do outro lado da porta gritando que ele ainda estava vivo. Haviam aberto a janelinha e estavam espiando sua desgraça. O guarda ria e dizia que ele era forte...os outros já haviam ido para a enfermaria. Ele tentou pedir ajuda , sua voz saiu baixinho...ficou vigiando a portinhola esperando a comida.

Quarto dia: Nu e faminto. A agua na lata de Nescau ainda conservava o rótulo que ele lia e relia...era sua única distração.
 Quando era menino, ia para a escola com o ‘’achocolatado’’ na garrafinha de plástico e um pacotinho de biscoito Mirabel. Acariciava a lata como se pudesse tocar o passado.

Fome. A comida ruim com gosto de azedo foi passada pela portinhola. Mesmo assim ele come, seu estômago rejeita o alimento... excrementos nos cantos da cela provocam um odor insuportável. Sente-se o pior dos homens, esquecido no mundo. Só, completamente só.

Quinto dia: Abriram a porta do cubículo e ele foi puxado feito bicho. Não conseguia enxergar, falar ou ficar de pé. Arrastado até a enfermaria, ficou longo tempo no chão gelado. 
Fraco e febril...quando finalmente foi atendido, o médico viu as mordidas de ratos e mandou que o levassem imediatamente. Suspeitou de leptospirose e não queria arriscar.

Não tinha família nem amigos, era um ninguém sem documentos. Tinha 19 anos, primeiro furto. Havia perdido o emprego no Mercado Municipal onde carregava sacos de legumes e caixas de frutas desde os 13 anos de idade. Deitado naquele leito imaculado ruminava sua vida, no isolamento do hospital esperando a morte,  sentiu-se digno pela primeira.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 17/01/2008
Reeditado em 28/10/2008
Código do texto: T821133
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