Boa Sorte na Descida

O que me mantém vivo é um mistério que nem mesmo as maiores mentes seriam capazes de decifrar. Para muitos, sou um milagre ambulante. Para outros, uma maldição que teima em não ser quebrada. Mas, para mim, é apenas o peso de uma existência que parece brincar com a própria lógica do universo.

Tudo começou com o acidente. Não um acidente qualquer, mas uma colisão tão brutal que os bombeiros, ao chegarem ao local, comentaram entre si que não haveria o que salvar. Meu carro, partido quase ao meio, parecia um quebra-cabeça que jamais seria montado novamente. E lá estava eu, no meio do caos, saindo com alguns cortes e uma dor incômoda na costela.

Depois veio o tiroteio. Um daqueles episódios onde você está no lugar errado e na hora errada. Vinte e sete tiros cruzaram o ar. Todos os outros ao meu redor caíram como marionetes cujos fios foram cortados. Mas eu? Apenas alguns arranhões de cacos de vidro.

A série de "quases" não parou por aí. Misturei whisky com gasolina, calcei uma bota com um escorpião dentro, fui alvo de ataques que fariam qualquer um virar história... E nada. Eu sempre saía intacto.

Naquela noite, sentado no balcão de um bar com cheiro de cigarro e cerveja velha, decidi encarar a verdade. “Por que você ainda está aqui?” – perguntou o barman, um homem com olhos fundos e voz arrastada. Respondi com um sorriso torto: “A morte parece ter me esquecido”. Ele apenas deu de ombros e serviu outra dose.

Quando saí, o vento frio da madrugada me recebeu com um abraço desconfortável. As ruas estavam vazias, e o som dos meus passos ecoava entre os prédios. Foi então que vi alguém parado sob um poste de luz trêmula. Um homem magro, com um chapéu gasto e um cigarro entre os dedos.

Ele me encarou por um longo tempo antes de falar: “Você devia estar morto.”

“Já ouvi isso antes”, respondi com desdém.

“Mas você não entende, entende? Isso não é sorte. É uma dívida.” Ele jogou o cigarro no chão e esmagou a brasa com o sapato. “Você não devia estar aqui, mas agora... alguém tem que pagar.”

Foi então que percebi. A rua estava silenciosa demais. O ar, pesado demais. O homem se aproximou, e seus olhos, negros como um céu sem estrelas, não eram humanos. “Você roubou tempo, meu caro. E o tempo é uma moeda que sempre cobra seu preço.”

Antes que eu pudesse responder, senti uma dor aguda no peito. Não era física. Era como se algo estivesse sendo arrancado de mim. Tentei gritar, mas minha voz não saía. O homem apenas sorriu, seus dentes brancos reluzindo na escuridão.

“Boa sorte na descida”, ele murmurou antes de desaparecer, deixando-me sozinho na rua.

Agora, cada dia é um jogo de cartas marcadas. Sei que a morte está ali, sempre ao meu lado, esperando o momento certo para cobrar o que lhe é devido. Mas, até lá, eu continuo vivendo, bebendo, fumando, encarando o destino com um sorriso desafiador.

Porque, no fim das contas, talvez eu seja o azar da morte.

Junior Lima (Messias)
Enviado por Junior Lima (Messias) em 25/11/2024
Código do texto: T8205099
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.