Melodia sinistra

Cheguei em casa ao pôr do sol, depois de um longo dia de trabalho. Ao abrir a porta, recebi uma melodia de violino que me parecia estranhamente familiar. Era a mesma peça que a minha irmã estava praticando há dias. Seu som enchia a casa com uma beleza e tristeza que eriçava a pele. Mas havia algo perturbador nessa música; cada nota parecia flutuar no ar mais tempo do que o normal, como se o próprio tempo tivesse parado para ouvi-la.

Fiquei paralisado por alguns instantes, hesitando. Eu sabia que minha irmã não podia tocar. Tinha morrido há dois dias, e o funeral dele tinha sido ontem. Mas, impulsionado pela nostalgia e pela inexplicável atração daquela música, avançei para a sala, sentindo uma mistura de tristeza e terror.

Quando cheguei, vi minha irmã sentada em frente à grande janela. Sua figura era cortada na escuridão, o arco do violino deslizando suavemente sobre as cordas. Seus olhos estavam fixos em algum ponto distante, e seu rosto tinha uma expressão de profunda concentração, como sempre que tocava. Mas havia algo perturbador em sua postura; sua pele parecia pálida, quase translúcida e seus movimentos eram lentos, como se o violino a controlasse.

Com um nó na garganta, aproximei-me. "Emma? " murmurei, sem conseguir me conter.

Ela não respondeu. Seus dedos continuaram se movendo com precisão, e a melodia ficou mais intensa, cheia de uma dor que congelou meu coração. Aproximei-me um pouco mais e então, por um segundo, ela pareceu virar-se para mim. Seus olhos não eram os de sempre; estavam vazios, frios, como se toda vida tivesse sido arrancada deles.

De repente, o violino parou e o silêncio foi ensurdecedor. Emma ficou quieta, com o arco suspenso no ar. Então, lentamente, um sorriso se desenhou em seu rosto, mas não era um sorriso quente. Era uma careta perturbadora, uma expressão de despedida... ou ameaça.

A luz da sala piscou, e quando olhei de novo, ela tinha desaparecido. O violino caiu no chão com um estrondo que rolou pela casa toda. Senti um frio intenso percorrer-me, e percebi que o violino continuava a vibrar, emitindo um sussurro quase inaudível, como se o seu último suspiro se recusasse a morrer.

Vejo-a nos sonhos, tocando na minha frente com essa mesma expressão vazia. Sinto a presença dela na casa, como se ela nunca tivesse conseguido sair completamente, presa nessa melodia que ela mesma amava tanto.

Kathy Nyedja
Enviado por Kathy Nyedja em 22/11/2024
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