1

Era uma vez, nas profundezas de uma floresta esquecida pelo tempo, um formigueiro pulsava de vida com a agitação frenética de suas operárias. Incansáveis, as formigas trabalhavam arduamente, carregando sementes, folhas e fragmentos de alimentos para suportar o rigoroso inverno que se aproximava.

Nimra, uma operária zelosa e experiente, liderava o árduo trabalho com a autoridade silenciosa de quem entendia do ofício. Suas antenas, ágeis e atentas, inspecionavam cada movimento das longas filas que iam e vinham do exterior do ninho. Era uma formiga de poucas palavras, mas sua dedicação ao bem-estar da colônia era evidente para todas.

Numa certa manhã, a Líder das Filas foi convocada à presença da Rainha-mãe. Ao entrar na Câmara da Progenitora Real, sentiu o peso da imponência e a grandeza do lugar. As paredes eram cobertas por um brilho fosco de seiva endurecida. O teto, alto e irregular, sustentava-se por colunas formadas a partir do solo compactado, construídas para proteger a Mãe de Todas de qualquer ameaça externa.

No centro da câmara, repousava a colossal figura de Torva, a Rainha-mãe. Seu corpo era imenso, tão grande que ocupava quase a metade da sala. Nimra não pôde deixar de sentir respeito e medo diante da Rainha, cuja presença, por si só, impunha ordem sobre aquela colônia.

No entanto, algo na Mãe de Todas parecia diferente naquela manhã. Suas antenas, acostumadas a pairar sempre serenas e vigilantes, agora agitavam-se nervosas.

— Bem-vinda, Nimra — disse Torva em tom grave. - Tenho recebido relatos preocupantes que precisam da sua atenção.

A Líder das Filas se aproximou mais e inclinou a cabeça em sinal de respeito.

— O que deseja de mim, Vossa Majestade?

— Recebemos graves notícias de um ataque violento - começou a Rainha, a voz pesarosa ressoando pelas paredes da câmara. - Vinte de nossas operárias cortadeiras… foram encontradas mortas nos arredores da floresta.

A jovem manteve-se imóvel, assentindo de modo grave o peso das palavras da soberana.

— Essas mortes - continuou Torva, fazendo uma pausa perturbadora - não foram como as que costumamos ver. Os corpos estavam… dilacerados, mastigados. Algumas partes foram devoradas! Uma criatura voraz e desconhecida atacou essas operárias.

O silêncio pairou entre as duas.

— Por isso - concluiu a Rainha -, você deve ajudar a Conselheira Zareta na investigação desta tragédia. Ela é uma das mais experientes entre nós. Conhece todos os mistérios da floresta. Tem a minha confiança.

A Líder das Filas olhou para o lado, onde Zareta já a aguardava em silêncio. A formiga anciã exibia sinais de experiência em combate. Seu exoesqueleto tinha marcas de batalhas e um tom mais fosco, prova de muitos invernos passados. As antenas longas e finas moviam-se com precisão, apesar da idade. Os olhos pequenos, mas astutos, revelavam sabedoria.

Nimra não resistiu à inquietação. Levantou a cabeça a fim de encarar a face da Progenitora.

— Majestade… - iniciou, escolhendo as palavras com cuidado — a senhora desconfia de quem possa estar por trás deste ato bárbaro?

A Mãe de Todas suspirou profundamente.

— Não, Nimra… - disse baixinho. - É por isso que preciso de vocês duas em campo. Descubram o autor desta barbárie. Não quero pânico em nossa colônia.

A Líder das Filas não deixou de notar o leve tremor de hesitação nas antenas da soberana.

— Com sua licença, Majestade, partirei imediatamente.

Torva acenou, dispensando-a com um gesto breve, mas não sem antes lhe lançar um último olhar grave, como se tal gesto contivesse um aviso de advertência para tomar cuidado.

 

2

A floresta estava diferente. Silenciosa. Nimra estranhou a atmosfera ao redor. O balouçar sempre natural e vibrante das folhas movidas pelo vento, agora era quieto, sombrio. Havia pouca movimentação das outras espécies por ali. Os raios do sol mal penetravam pelas copas das árvores. A penumbra se espalhava em todos os cantos.

À frente, entre folhas caídas e galhos retorcidos, jaziam os corpos das operárias. A Jovem sentiu o arrepiar das antenas ao ver o estado dos corpos: fragmentos de exoesqueletos estavam espalhados em padrões grotescos. Algumas das formigas apresentavam ferimentos profundos, como se tivessem sido mastigadas e depois abandonadas às pressas.

Zareta, agachada sobre os restos de uma das vítimas, observava tudo atentamente. Sua expressão era sombria. As antenas vibravam tensas. Em movimentos cuidadosos, a Conselheira examinou cada marca, cada pedaço destroçado, e também verificou vestígios deixados no solo revolto.

— Hum... esse tipo de brutalidade... - murmurou, mais para si mesma do que para Nimra, - é muito estranho.

A Líder das Filas se aproximou um pouco mais, vencendo o asco de ver tantas formigas mortas.

— Nimra – disse Zareta em tom baixo, porém firme, enquanto se levantava. – Você deve ter sentido o burburinho recente entre as operárias mais velhas. Elas falam em entidades vingativas vagando na floresta em busca de nossas centelhas espirituais. Você acredita nesses rumores?

As histórias de espíritos eram apenas lendas. As jovens formigas as conheciam, mas dificilmente acreditavam. No entanto, o olhar sério de Zareta mexeu com o seu ceticismo. Ainda assim, tentou manter o tom pragmático.

— Essas histórias… bem... elas servem apenas para assustar. Isso não significa que há algo além da natureza predatória neste caso.

Zareta a fitou com o olhar irritado.

— Nimra, nesta vida já vi predadores de todos os tipos. E o que aconteceu aqui não é um ataque comum. - disse a Conselheira dando um passo para trás, quase reverente, como se reconhecesse que pisava num terreno perigoso. - Este massacre carrega a marca de algo antigo!

A jovem sentiu o leve tremor involuntário das antenas. A cada palavra da Conselheira, o ar da floresta parecia mais sufocante e, por um breve instante, acreditou ver uma sombra maligna movendo-se entre os troncos ao longe. Então, esforçou-se para afastar aquela má impressão. Concentrou-se novamente em observar a experiente guerreira voltar ao trabalho de investigar os vestígios do solo.

De repente, o vento soprou pela primeira vez e elas sentiram um ruído característico entre os galhos secos: o farfalhar leve, porém firme, de patas deslizando com destreza pelas folhas caídas.

Zareta ergueu-se de imediato, de hastes sensoriais alertas. A Líder das Filas virou-se em direção ao ruído, posicionando-se ao lado da conselheira.

— Quem está aí?

Dos limites sombrios da clareira, surgiu uma figura gigantesca e esguia, movendo-se com fluidez. Suas patas carregavam a impressão natural de predador absoluto. Os poucos raios de sol, a escapar pelas copas das árvores, refletiam em seu exoesqueleto esverdeado conferindo-lhe um brilho quase metálico. Os membros, longos e articulados, moviam-se com graça letal. Os olhos, compostos por inúmeras facetas, pareciam capturar cada detalhe ao redor, focados, ameaçadores.

— Que cena triste, não é mesmo? - a voz do louva-a-deus reverberou grave e melodiosa, carregada de um tom quase teatral.

Zareta instintivamente deu um passo para trás, mas Nimra permaneceu parada, disfarçando o medo, a observar cada movimento do recém-chegado.

— Quem é você?

O estranho inclinou a cabeça, curioso, como se estudasse a pequena criatura. Suas patas dianteiras, afiadas como lâminas, juntaram-se em um gesto que lembrava uma prece.

— Eu? - ele respondeu de forma presunçosa, afetada. – Ora, minha querida, eu sou Arcontis, é claro. Alguns me chamam de mensageiro, outros de juiz. Prefiro apenas... hum... a verdade.

Zareta estreitou os olhos, desconfiada.

— E o que o “mensageiro da verdade” faz numa cena como esta? — ela indagou, em leve tom de zombaria, apontando para os corpos destroçados ao redor.

Arcontis baixou os olhos para os restos mortais das cortadeiras. Fingiu um pesar pouco convincente. Ignorou, no entanto, o tom irônico da diminuta criatura insolente.

— Ah, que má sorte dessas pobres centelhas jogadas ao limbo, não é mesmo? Infelizmente, nem todas têm a força, ou a fé necessária, para sobreviver ao caos que ronda este mundo.

— Fé? — Nimra estreitou os olhos. - O que quer dizer com isso?

O louva-a-deus levantou uma das patas dianteiras, apontando vagamente para os corpos dilacerados.

— A fé, minha querida. A fé separa o forte do fraco. O merecedor do indigno. Ora, talvez estas formigas tenham falhado nesse quesito. Não tiveram fé nas forças do bem ocultas na natureza e, veja você, talvez o destino tenha se encarregado de corrigir o equilíbrio.

Zareta bufou, indignada.

— Corrigir o equilíbrio? Você fala como se este massacre fosse algo natural. Quem é você pra julgar?

Arcontis voltou-se para ela, os olhos brilhando com uma intensidade ameaçadora. A conselheira deu mais um passo para trás.

— Eu não julgo, senhora anciã. Apenas observo. Mas quem sabe o verdadeiro culpado ainda esteja entre nós, não é mesmo? Escondido nas sombras. Esperando a hora certa para atacar novamente.

O silêncio que se seguiu era angustiante. Nimra sentiu as antenas tremularem. A cada palavra de Arcontis, a mesma sensação de antes sobrevinha-lhe à mente: a floresta se fechava ao redor dela. O ar ficava mais pesado.

— Então você sabe quem fez isso? - questionou, tentando manter a voz firme.

O louva-a-deus ergueu-se ainda mais. Sua figura imponente lançou uma sombra capaz de engolir as duas formigas.

— Talvez eu saiba, talvez não. Afinal, somos todos peças no grande tabuleiro da vida que se desenrola aqui. Cabe a vocês descobrirem a verdade... hum… isso se forem capazes.

Antes de Nimra responder, Arcontis deu um passo à frente. Abaixou-se para encarar diretamente os olhos da jovem operária.

— Cuidado, pequena líder. O conhecimento pode ser tanto uma bênção quanto uma maldição, sabia?

Sem esperar resposta, ele se afastou com a mesma fluidez da chegada, desaparecendo entre as sombras como se nunca tivesse estado ali.

Zareta permaneceu parada, fitando o vazio deixado pelo louva-a-deus. Após um longo momento de silêncio, ergueu os olhos para o pouco céu visível entre as copas das árvores. Procurou avaliar a hora do dia. Então, voltou a encarar o local onde Arcontis desaparecera. Pensativa, falou com firmeza:

— Temos de ir à Clareira do Túmulo Sombrio. Quero verificar algo antes do anoitecer.

 

3

A Clareira do Túmulo Sombrio não passava de um grande círculo de terra negra e estéril. Estava envolta por paredes de árvores decrépitas, mortas. Os galhos retorcidos formavam sombras inquietantes. Diziam que ali habitavam espíritos inquietos, e poucos ousavam aproximar-se.

Foi Nimra quem viu primeiro. A conselheira seguia à frente, absorta. A sua atenção voltada para os rastros deixados pelo caminho: marcas no solo, folhas amassadas, galhos quebrados. Então, a jovem operária parou, as hastes sensoriais alertas, captando o cheiro fresco de terra revirada.

— Uma cova.

O buraco era enorme, profundo, de bordas recém-escavadas. Algo havia sido exumado dali de dentro. Zareta abaixou-se para examinar os sinais. Suas patas tocaram o solo com cuidado. Davam a impressão de ler a história impregnada na terra. Nimra, hesitante, ficou observando em silêncio.

De repente, o frio.

A jovem operária estremeceu ao ver os primeiros flocos de neve pontilhando o chão.

— Está nevando... - murmurou, surpresa.

Zareta ignorou o comentário, olhos fixos em algo ao redor da cova: pequenos círculos formados por fragmentos de cascas e folhas, dispostos em padrões intricados. A Líder inclinou-se a fim de compreender os vestígios. Zareta parecia já conhecer a verdade.

— Isso não é obra do acaso, é? — sussurrou Nimra.

A conselheira eriçou as hastes sensoriais.

— Ela foi acordada! – disse em voz grave, apreensiva

A jovem operária ficou perturbada. Antes de questionar, a Conselheira continuou:

— Houve um ritual de feitiçaria aqui.                                                                                                        

— Magia negra? — arriscou Nimra.

— Sim, e temo ter sido obra de operárias heréticas. Há quem deseje derrubar Torva... mas... mas elas não têm a menor ideia do que estão fazendo. – Zareta ergueu o olhar com expressão rígida. - Precisamos voltar à colônia e relatar tudo à Rainha.

 

4

A neve caía tímida, entretanto já cobria o solo da clareira em um manto pálido e irregular. Mesmo assim, contradizendo a natureza de modo incomum, milhares de vaga-lumes se moviam em padrões aleatórios, desafiando o frio dentro da noite. Pareciam acender e apagar ao ritmo do caos ao redor, como se os deuses obscuros da floresta quisessem iluminar cruelmente a grotesca cena diante de Nimra e Zareta.

As duas formigas estavam imóveis, antenas rígidas, enquanto observavam o formigueiro à pouca distância. O que antes era um refúgio de ordem e segurança, agora era um campo de destruição. A entrada principal estava desmoronada. Centenas de corpos esmagados de operárias jaziam disformes em volta. No centro da colônia, uma criatura colossal, à semelhança de uma cigarra, reinava em fúria.

— Vorana! — sussurrou Zareta, estarrecida.

A cigarra, deformada em sua essência por forças sombrias, tinha a carapaça partida em fragmentos pontiagudos. As asas esgarçadas tremulavam com um som irritante. Sob as luzes intermitentes dos vaga-lumes, sua casca quase translúcida revelava o corpo repleto do pulsar de veias escuras e apodrecidas. Na face medonha destacava-se as órbitas negras, vazias. A boca se abria em ângulos impossíveis, carregada de presas afiadas.

Da criatura, então, emanou uma voz grave e cortante a ecoar pela clareira como um trovão:

— Torva, estou com fome, estou com frio. Deixe-me entrar, maldita!

Nimra deu um passo para trás, quase caindo.

— O que... o que é isso?

Zareta a puxou por um dos membros superiores.

— Por aqui. Eu explico enquanto corremos. Precisamos chegar à Câmara Real antes dela. Vamos!

A conselheira arrastou a Líder por uma passagem oculta entre as raízes próximas. Dentro do túnel, os sons do monstro continuavam ecoando lá fora.

Enquanto corriam, Zareta falou entre arfadas:

— Há muito tempo, antes de você nascer, Vorana era apenas uma cigarra comum. Ela seduziu algumas operárias com a sua filosofia herética. Dizia que o trabalho era inútil e o prazer deveria ser o único propósito da vida. Passou um verão todo apenas cantando e perturbando as operárias das filas da coleta.

— Isso é muito grave! — Nimra concordou, desviando-se de uma saliência de barro endurecido.

— Sim. Tal atitude contraria nossa natureza. A colônia é a sobrevivência, Nimra. O trabalho é o coração da colônia. Sem ele, não somo nada!

O frio aumentava à medida que avançavam. A conselheira continuou falando e correndo ao mesmo tempo.

— Quando o inverno chegou, Torva negou abrigo a Vorana. Precisava dar um exemplo severo às simpatizantes da cigarra. Ela morreu lá fora, amaldiçoando a rainha. Prometeu voltar do limbo e destruir toda a sua linhagem.

A jovem operária arregalou os olhos. Enquanto diminuía a correria a fim de acompanhar o ritmo mais lento de Zareta, imaginou a cigarra solitária no gelo. O ódio crescendo dentro de si tal qual uma chama que não se apagava durante as últimas horas de vida. Agora, de alguma forma obscura, a sua centelha se transformara naquela coisa vingativa.

O tempo se acelerou quando a Conselheira, de repente, a puxou por uma curva à direita e as duas emergiram na Câmara Real, ofegantes. Era um espaço amplo, cheio de ninhos, cujo objetivo era abrigar as larvas-princesas, o futuro da colônia. Mas a cena que as aguardava as deixou atônitas.

Torva, envolta em suas vestes de seda, erguida lá em cima através da abertura do teto destruído, lutava para se desvencilhar das garras da gigantesca cigarra. No entanto, ela não era mais a rainha imponente de antes. Diminuíra-se a uma simples criatura amedrontada diante da aberração que a segurava firme.

— Maldita... maldita rainha! - esbravejou Vorana, tremendo de excitação.

Num movimento rápido e brutal, a cigarra arrancou a cabeça de Torva com as suas mandíbulas.

Nimra gritou em pânico, quase desfalecendo, mas a Conselheira a empurrou para um dos ninhos.

— Pegue uma larva! Rápido. Vá embora. Salve a linhagem!

Sem pensar, a jovem operária agarrou uma das pequenas larvas princesas e, antes de desaparecer no túnel de onde viera, virou-se a tempo de ver Vorana agarrar Zareta em posição de ataque. Uma das enormes garras da cigarra perfurou a carapaça da velha guerreira como se não fosse nada.

No túnel, em correria alucinada, Nimra sentiu as vibrações trovejantes de Vorana, ecoando em fúria lá de cima. A Líder das Filas sabia que a criatura a estava seguindo de perto. O monstro, com certeza, destruíra todas as larvas do ninho e agora queria eliminar a última.

Quando emergiu na clareira, ofegante e desesperada, sem a menor ideia para onde ir, eis que outra gigantesca figura familiar se apresentou à sua frente emergindo das sombras em postura altiva e pronto para o combate.

— Corra, pequena líder. Vá embora – disse o louva-a-deus Arcontis

Vorana, à semelhança de um furacão, avançava e destruía tudo por onde passava.

— Dê-me aqui, desgraçada! Eu quero devorar a última cria da maldita Torva, formiguinha insignificante – trovejava a aberração sinistra.

Nimra, sem parar de correr, mergulhou na mata fechada próxima. Arcontis posicionou-se diante do monstro. Ele era veloz. Suas lâminas cortavam o ar com precisão letal e atingiam a cigarra que, a princípio, parecia não sentir os golpes.

Entretanto, Vorana era imensa. A criatura medonha agarrou Arcontis e o lançou contra uma árvore. Nimra captou o estralo da carapaça do louva-a-deus rachar por todo o corpo.

A cigarra maligna, com o caminho livre, virou-se para o grupo de arbustos onde ela estava. As órbitas escuras brilharam vermelhas em brasas. O corpo de Nimra tremeu todo de medo, pois sabia que aquelas órbitas a alcançavam mesmo ali escondida. A larva princesa em seus braços, de repente, pesou demais. Os membros inferiores não a mantiveram em pé e a levaram de joelhos ao chão. Ela ofegava cada vez mais rápido, cansada, petrificada de horror, enquanto Vorana se aproximava.

Neste momento, o desespero da Líder foi ao limite. Não soube precisar o porquê, mas lembrou das palavras de Arcontis. Então, aconchegou a pequena larva próxima do seu corpo, ergueu as suas antenas para o céu em súplica, e murmurou uma prece:

“Nerya, deusa da floresta, salve-me das garras desta fera!"

De fato, aquela não era uma noite comum. De súbito, a clareira foi iluminada por um brilho dourado. Os vaga-lumes, antes dispersos, começaram a formar um círculo radiante no ar. No centro deste círculo, surgiu uma luz espiralada intensa e pulsante.

O corpo de Arcontis começou a se erguer envolto em áurea de luz etérea. As rachaduras em sua carapaça selaram-se, enquanto suas lâminas brilhavam em poder renovado. A Líder das Filas, apesar do desespero, sentiu a voz suave, em tom materno, ecoar profunda e serena por sobre todo aquele caos:

"Tenha fé Arcontis. Proteja o equilíbrio. Expulse a escuridão."

O louva-a-deus avançou com força avassaladora. Antes de Vorana reagir, ele a agarrou empurrando-a para dentro do círculo fulgurante. Os dois foram sugados lentamente pela força do vórtice luminoso.

— Você não vai se livrar de mim assim tão fácil, formiguinha maldita! – esbravejou a cigarra, lançando novamente as suas ameaças antes do portal se fechar em um clarão.

 

Epílogo

Na quietude que se seguiu, a escuridão retomou a clareira. Os vaga-lumes desapareceram com o portal. Nimra olhou para a pequena larva em seus braços, tão frágil e cheia de promessas quanto um fio de seda prestes a romper.

A princesa era o futuro da colônia, mas que tipo de futuro seria esse? Um destino de prosperidade ou a repetição de uma maldição que consumiria todas elas?

Deveria confiar no equilíbrio da floresta, mesmo sabendo que o mal poderia retornar? Ou deveria extinguir aquela centelha de vida para salvar o que restava de si e evitar um destino sombrio?

Enquanto ruminava tudo isso, a neve caía na clareira sem pressa.

 

 

 


NOTA DO AUTOR: Negar auxílio a quem clama por ele pode trazer mais sofrimento do que você imagina. Às vezes, a necessidade de alguém é um sinal de algo maior, algo que pode voltar contra você com uma força inesperada.


 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 20/11/2024
Código do texto: T8201508
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