Alma Condenada, ou os últimos dias de um zumbi
Ó vós, mortais de coração ainda palpitante, erguei vossos olhos para este espectro que ora vos fala! Contemplai no que fui transmutado: outrora homem, agora verme, um mísero verme que profana a terra por onde rasteja. Sob minha passagem, as flores desfalecem como virgens defloradas pelo tempo; os cães fogem, ululantes; a terra, em agonia, rasga-se; e os homens, ah, os homens! Seus corações se apertam no gelo do pavor.
Vede este corpo, outrara vigoroso e belo como a juventude em flor! Agora, nada é senão pútrida prisão: a pele fendida em lascas; músculos, um mosaico de podridão; ossos, de relação visível; entranhas, pêndulos grotescos; olhos vazios de alma; e a boca — maldita boca! — curvada num riso diabólico, sem lábios que a brandem.
Este cárcere me arrasta por ondas de miséria. Ele, que um dia foi meu fiel servo, tornou-se agora meu carcereiro; eu, mero espectador impotente de sua hedionda jornada. Vejo suas mãos em garras dilacerarem inocentes, mas não posso deter o horror. Sinto o cheiro nauseabundo da decadência, o ardor da carne desfeita sob o raio implacável do sol e o incessante roer das larvas que festivamente me consomem. Sinto tudo, e no entanto, nada posso.
Ah, mas nada há que iguale a dor do espírito! Vejo mulheres em prantos, crianças soluçando, suas vidas destruídas por meus dentes esfaimados. Ouço o eco dos gritos, que perfuraram minha alma como punhais, mas estou mudo, preso numa vigília de impotência. Não posso gritar, não posso chorar, nem posso rezar. Apenas um desejo me resta: que o fim, cruel e inexorável, venha depressa para os que cruzam meu caminho. Pois resistir é condenar-se à mesma sorte que me conquistou.
Os dias avançaram como espectros silenciosos. Meu corpo, um estandarte efêmero da morte, conduz-me por terras cada vez mais sombrias. O ar raro, tingido de um odor de fumo e enxofre, enquanto a vida se esconde, murcha e vencida. Avanço, cativo de um destino inexorável, até que, ao longe, avisto a porta do meu desespero final.
É um portal negro como a noite sem estrelas, e sobre ele, letras flamejantes me queimam a consciência: “DEIXAI TODA A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS.”
Sem escolha, entrego-me ao derradeiro ato. Meu corpo disforme, enfim, desaba, deixando-me livre de sua prisão carnal. Mas a liberdade não é doce; não, é um véu amargo que cobre minha nova comunicação. Agora, minha alma, zumbi eterno, é arrastada ao Inferno, onde, sem carne para sentir dor, serei consumida pela agonia do espírito.
E assim, eternamente, sofrerei.