HERANÇA MACABRA CLTS - 29

Capítulo 1: A AMBIÇÃO DE PEDRO

A ganância. Esse era o combustível que movia Pedro, o irmão mais velho da família Silva, desde o dia em que soube da fortuna que seus pais haviam deixado como herança. Enquanto seus irmãos, Marcelo e Joana, se contentavam em viver na tranquilidade da vida rural, Pedro cultivava um apetite insaciável por algo além das colheitas e das festas modestas da cidade. Ele via a simplicidade de Marcelo e Joana como fraqueza, uma falta de ambição que os condenava a uma vida sem propósito. Pedro, ao contrário, sonhava alto — e estava disposto a tudo para transformar esses sonhos em realidade, mesmo que tivesse de deixá-los para trás no caminho.

A cada noite, sob a pálida luz da lua, Pedro elaborava planos cada vez mais ousados. A herança — um tesouro quase ao alcance das mãos — parecia exigir apenas um sacrifício. Afinal, o que significavam duas vidas em comparação a uma fortuna? A semente da cobiça, plantada em seu coração, germinava rapidamente, suas raízes infiltrando-se fundo em sua mente, até obscurecerem qualquer rastro de razão.

A obsessão por riqueza consumia Pedro por inteiro. Cada vez que olhava para Marcelo e Joana, enxergava apenas obstáculos, pedras no caminho de seu destino. A serenidade de Marcelo e a ingenuidade de Joana lhe despertavam desprezo e impaciência. Por que deveriam dividir algo que, em sua visão, pertencia apenas a ele? A ganância, como uma serpente insidiosa, enroscava-se ao seu redor, apertando, sufocando qualquer resquício de humanidade que um dia tivera.

Capítulo 2: O PLANO SOMBRIO

Pedro esperou pacientemente pela oportunidade certa. Sabia que Marcelo e Joana sairiam cedo na manhã seguinte para uma pequena viagem à cidade vizinha. Uma rotina simples, inocente. E, no entanto, perfeita para seu plano. Na calada da noite, armado com um sorriso frio e uma determinação insensível, ele se esgueirou até o carro dos irmãos, estacionado sob a luz fraca do galpão. As mãos, hábeis e sem tremer, ajustaram os fios do motor com precisão, manipulando tudo de forma que a ignição causasse uma explosão assim que o carro estivesse em movimento.

Na manhã seguinte, observou pela janela enquanto Marcelo e Joana entravam despreocupados no veículo, rindo de algo que só eles sabiam. Por um instante, o olhar de Pedro encontrou o de Marcelo, que acenou com uma expressão leve, sem imaginar que aquele seria seu último gesto.

O carro se afastou lentamente pela estrada de terra, e Pedro mal piscou. Contou os segundos, o coração batendo num compasso calculado. Minutos depois, uma explosão ecoou à distância, estremecendo o silêncio da manhã. Uma coluna de fumaça negra erguia-se no horizonte, e Pedro observou o cenário com frieza. “Acidente trágico”, diriam. “Que infelicidade.”

Para ele, era o fim de uma etapa. Nada de corpos, nada de questionamentos. Apenas a certeza de que, naquele instante, estava livre para reivindicar tudo o que sempre acreditou ser seu. Ao retornar para a casa, um alívio glacial o envolveu, preenchendo-o de um vazio quase satisfatório. Era seu segredo — seu e das cinzas que foram deixadas para trás.

Capítulo 3: O PESO DA CULPA

Os dias pareciam se arrastar, e a euforia da herança foi lentamente se transformando em uma angústia corrosiva. A casa, antes tão silenciosa e acolhedora, agora se tornava um labirinto de memórias sufocantes, onde cada canto parecia guardar um eco do que ele havia destruído. Ao entrar no quarto dos irmãos, Pedro se deparava com objetos que pareciam observá-lo em silêncio, lembranças palpáveis de uma felicidade que ele próprio fizera desaparecer. Havia uma fotografia antiga da família, onde todos sorriam despreocupados; um urso de pelúcia desbotado, companheiro inseparável de Joana na infância; um diário com a caligrafia firme e leve de Marcelo, páginas repletas de sonhos e segredos.

Sobre a mesa da cozinha, um prato com biscoitos — os preferidos de Joana, ainda quentes, deixados pela empregada que, sem saber, ajudava a torturá-lo. A cada objeto, Pedro era esmagado por uma nova lembrança, e, com ela, o peso da culpa que antes se escondia nas sombras de sua mente agora o sufocava de forma implacável. A imagem da explosão voltava a atormentá-lo, a fumaça negra manchando suas memórias felizes, até que ele se sentia afogando em um mar de remorso que nem o silêncio da noite era capaz de conter.

Com o peso do remorso crescendo, flashes de lembranças antigas começaram a emergir. Ele se recordava de uma tarde distante, quando havia tomado algo dos irmãos, uma relíquia que eles estimavam. Na época, havia se sentido vitorioso, mas agora, ao pensar no olhar desapontado de Marcelo e Joana, sentiu o amargo sabor de uma culpa que nunca imaginara carregar.

As noites eram longas e repletas de pesadelos. Em cada sonho, os rostos de Marcelo e Joana surgiam à sua frente, com uma expressão de tristeza profunda, como se perguntassem: "Por quê?". A fortuna que ele tanto almejara agora pesava como uma maldição, arrastando-o cada vez mais para um abismo de solidão e desespero. E, a cada dia, a batalha em seu interior crescia, uma prisão que ele mesmo construíra, mas da qual agora não conseguia escapar.

Capítulo 4: O CAMINHO DA REDENÇÃO

Desesperado, Pedro finalmente procurou ajuda. A pressão em seu peito, as lembranças incessantes e os sussurros que começavam a ecoar pela casa – tudo o levava a crer que não suportaria mais um dia naquele tormento. Em uma última tentativa de encontrar paz, ele visitou uma antiga amiga da família, uma médium respeitada na região, que o ouviu em silêncio, os olhos profundos e fixos como se enxergassem mais do que ele podia ver.

“Abra mão daquilo que o consumiu,” aconselhou ela, a voz grave e lenta. “A única forma de silenciar essas vozes é renunciar ao que o levou a esse caminho sombrio.”

Aquelas palavras, simples mas implacáveis, abriram uma brecha em sua mente. Abrir mão da herança. Devolver tudo, livrar-se do peso que o fizera trair seus irmãos. Talvez, pensou Pedro, fosse possível se libertar do pesadelo.

Foi exatamente o que ele fez. No dia seguinte, assinou os papéis, renunciando a toda a fortuna, na esperança de finalmente pôr fim aos tormentos que o assombravam. Um suspiro aliviado escapou-lhe ao imaginar que, agora, poderia viver em paz.

Mas, naquela mesma noite, o verdadeiro horror começou.

Capítulo 5: O INÍCIO DO PESADELO

Após renunciar à herança, Pedro ouve a voz que jurava ser dos mortos: ‘ainda é cedo para se livrar de nós…’, mal conseguia respirar, atônito, Pedro se sentiu sufocado, como se as paredes estivessem se fechando ao seu redor. Tentando se acalmar, sentou-se na poltrona da sala, mas uma estranha sensação de vazio o cercava. Logo, um frio repentino percorreu sua espinha, e ele soube, de imediato, que algo não estava certo.

Foi quando ouviu o segundo som: um sussurro suave, quase indistinto, que parecia vir de algum lugar distante. Pedro permaneceu imóvel, a respiração presa, enquanto o som ganhava forma, como uma voz familiar chamando seu nome. Tentou se convencer de que era apenas sua mente pregando peças, mas a voz continuava, cada vez mais próxima e mais intensa. Era Joana. “Pedro… por que nos abandonou?” Ela parecia tão próxima que ele se virou rapidamente, os olhos aflitos e o coração martelando no peito.

Ao se virar, seus olhos encontraram algo que fez seu sangue gelar: a fotografia da família, que antes estava sobre a mesa, agora repousava no chão, em meio a cacos de vidro espalhados, como se alguém a tivesse jogado com raiva. Tremendo, Pedro se aproximou, observando a imagem. Os rostos de Marcelo e Joana, que sempre sorriam naquela foto, agora pareciam sombrios, distorcidos, os olhos vazios o encarando com uma intensidade aterradora.

Aterrorizado, Pedro recuou, tropeçando na própria respiração enquanto tentava fugir da sala. Mas, ao alcançar o corredor, sentiu o ar ficar denso, como se fosse difícil respirar. De repente, o lustre do teto começou a balançar, rangendo e lançando sombras dançantes nas paredes. Sua mente tentava encontrar uma explicação, qualquer desculpa que lhe devolvesse a sanidade, mas seus olhos, arregalados e tomados de pânico, não conseguiam escapar das imagens à sua frente.

As luzes piscaram, mergulhando a casa em uma escuridão quebrada apenas por breves lampejos. Em um desses clarões, ele viu – ou pensou ver – a figura de Marcelo ao fundo do corredor, os braços caídos e o rosto marcado por um sorriso frio e perturbador. Pedro tentou se mover, mas as pernas vacilavam, trêmulas, incapazes de obedecer. Um arrepio subiu por sua espinha, e uma onda de náusea o invadiu, enquanto o sussurro de Joana soava outra vez, agora com mais intensidade. “Por que fez isso, Pedro?”

Ele abriu a boca para gritar, mas nenhum som saiu. O ar ao seu redor parecia pesar mais a cada segundo, esmagando-o em uma espiral de pavor. E então, um baque forte o tirou do transe: a porta do quarto de Joana, no final do corredor, se abriu sozinha, rangendo lentamente, como se a casa inteira estivesse viva e conspirando contra ele.

Aos poucos, Pedro sentia sua própria mente escorregar. Os olhos estavam secos, mas ele mal podia piscar, o olhar petrificado no vazio escuro que espreitava do quarto. Uma força irresistível o atraía até lá, como se alguém o empurrasse. Tremendo da cabeça aos pés, foi se aproximando, cada passo mais pesado, mais lento, o suor frio escorrendo pelas têmporas.

Ao cruzar a porta, o quarto estava mergulhado em sombras, e um cheiro familiar e doce – o perfume de Joana – invadiu suas narinas, nauseando-o. Foi então que a cama começou a ranger, como se alguém estivesse se movendo sobre ela. Pedro deu um passo para trás, e seus pés vacilaram, mas o medo o mantinha preso ao chão. De repente, a cadeira ao lado da cama foi empurrada com força, arrastando-se sozinha, rangendo contra o piso de madeira. Ele sentiu o coração acelerar, o pânico dominando cada parte de seu corpo.

Quando enfim conseguiu reunir forças para correr, a porta do quarto se fechou com um estrondo, prendendo-o ali. E, em meio à escuridão, ele ouviu um som que nunca poderia esquecer: a risada suave de Joana, acompanhada de passos leves que se aproximavam, cercando-o, até que sua mente cedeu ao pavor absoluto, e Pedro caiu de joelhos, trêmulo, sem saber se ainda estava consciente ou perdido em um pesadelo.

Pedro, ainda de joelhos, ouvia batidas insistentes na porta da frente. Sentiu uma fagulha de esperança acender em meio ao pavor – quem sabe era alguém que pudesse ajudá-lo. Cambaleando, levantou-se e correu para abrir a porta. No entanto, ao escancará-la, deparou-se com o vazio da noite. A rua estava deserta, e o vento parecia ter congelado o ambiente, o silêncio tão profundo quanto a sua angústia. Fechou a porta, o coração retumbando no peito, e quando se virou para voltar ao quarto, quase perdeu o fôlego: viu, por um instante, o rosto de Marcelo estampado na janela do quarto de Joana, os olhos fixos nele com um brilho sombrio e acusador.

Capítulo 6: A ILUSÃO REVELADA

Desesperado, Pedro correu para o escritório, onde as mãos trêmulas buscaram o telefone sobre a mesa. Discou rapidamente o número da médium amiga da família, sentindo o peito apertado, na esperança de que ela pudesse oferecer algum alívio, uma explicação para aquele pesadelo sem fim. A ligação completou, e do outro lado da linha, a voz calma da médium soou, porém, com uma entonação confusa e distante.

– Olá? Em que posso ajudar?

Pedro tentou conter a agonia na voz, mas cada palavra parecia carregada de um terror que não conseguia disfarçar.

– Dona Marta, sou eu, Pedro... Não aguento mais! Eles estão aqui, na casa… Marcelo e Joana… você disse que precisaria renunciar ao dinheiro para encontrar paz, mas nada mudou, eles continuam me assombrando! Preciso de ajuda, por favor! Eu não consigo mais...

Houve uma pausa inquietante do outro lado da linha antes que a voz de Dona Marta se tornasse séria, até fria.

– Pedro, não sei do que você está falando. Nós nunca conversamos sobre isso. A última vez que estive com você e sua família foi no enterro de seus pais, e desde então não nos falamos. Parece que está confuso… esse caso deveria ser tratado por alguém que lida com a mente, talvez um psicólogo ou psiquiatra.

As palavras da médium ecoaram como uma sentença. Pedro sentiu o chão sumir sob seus pés. Seria possível que tudo aquilo não passasse de uma ilusão, um castigo forjado por sua própria mente? A dúvida dilacerava suas entranhas, e, ao desligar o telefone, sentiu-se mais só do que nunca.

Desesperado, Pedro procurou a empregada, Dona Maria. A mulher, sempre tão calada e observadora, ouviu atentamente seus relatos sobre as noites de terror. 'Dona Maria, eu juro que não estou louco! Ouço vozes, vejo coisas... a casa está diferente, algo de muito ruim está acontecendo.' Dona Maria o olhou com pena, afagando seus cabelos grisalhos. 'Que Deus o ilumine, meu filho', murmurou, mas seus olhos transmitiam uma incerteza que o deixou ainda mais angustiado.

Capítulo 7: O FIM DO CAMINHO

Voltando à sala, os ruídos retornaram com uma intensidade que lhe tirava o ar. Passos ecoavam pelo corredor, e o ranger da cadeira no quarto de Joana o paralisou. Pedro queria correr, fugir de si mesmo e daquela casa que antes significava segurança e agora parecia seu túmulo. A realidade se confundia com o pesadelo, as vozes de seus irmãos sussurrando seu nome, seus risos mesclados com os sussurros de vingança.

Afligido e tomado por um terror insuportável, Pedro não viu outra saída. Subiu as escadas até o sótão, onde a casa escondia o que de mais sombrio existia em sua alma. Tremendo, em meio às sombras que pareciam vivas, ele entregou-se ao desespero final. Em seu último ato, pensou que, enfim, encontraria paz... mas o destino lhe reservava algo ainda mais cruel.

A morte não trouxe a paz que Pedro desesperadamente buscava. Pelo contrário, ele logo descobriu que seu tormento estava apenas começando. Ao invés de ser levado a um outro plano, percebeu que sua alma permanecia ali, presa na casa. Havia algo sombrio e maligno em sua essência que, mesmo na morte, o impedia de partir – uma ambição, uma ganância inextinguível que ainda o mantinha enraizado no mundo dos vivos.

Pedro tentou gritar, implorar por redenção, mas tudo que conseguia era observar o mundo à sua volta, sem poder interferir. Movia-se como um fantasma silencioso pelos cômodos que outrora conhecia tão bem, mas agora eram desconhecidos e frios. E, foi nesse estado, sem corpo e sem voz, que a verdade se revelou diante de seus olhos assombrados.

Capítulo 8: O ÚLTIMO VÉU

Ao atravessar a sala como uma sombra impotente, viu Marcelo e Joana retornarem à casa, acompanhados por Dona Marta, a médium, e pela empregada fiel que há tanto tempo servia à família. Os sorrisos nos rostos de seus irmãos contrastavam amargamente com a expressão de Pedro, congelada em um misto de choque e horror. Ao se aproximar, sem que eles pudessem vê-lo, ouviu suas vozes – não eram os murmúrios trêmulos que esperava, mas risos, comemorações discretas e tons de alívio.

Marcelo lançou um olhar satisfeito ao redor, seus dedos deslizando pela madeira da mesa como quem aprecia uma obra-prima.

– Funcionou melhor do que esperávamos. Ele acreditou em tudo – disse, com um sorriso de triunfo.

Joana riu, balançando a cabeça em aprovação.

– A tecnologia dos hologramas realmente ajudou a compor o cenário perfeito – disse, lembrando-se dos momentos em que Pedro, aterrorizado, vira seu próprio reflexo manipulado para exibir os rostos sombrios dos irmãos. – E as “vozes”... não consigo imaginar o quanto deve ter sido assustador para ele ouvir a nossa “volta” pela casa.

A empregada e a médium riram também, como cúmplices que compartilham o gosto da vitória. Pedro percebeu, então, o quão fundo seus irmãos tinham ido para se protegerem de sua ganância. Havia sido ele, Pedro, o único verdadeiro inimigo da família – e agora, ironicamente, era ele quem pagava por sua própria frieza, vítima de um terror que ele mesmo provocara.

– Ele achava que éramos fracos, cegos à sua ganância – completou Marcelo, tomando um gole de vinho. – Agora somos livres para aproveitar o que realmente nos pertence, e a herança deixada por ele só tornou tudo ainda melhor.

O coração de Pedro, embora imaterial, sentiu um peso que parecia rasgar seu espírito. Estava aprisionado, condenado a assistir à felicidade daqueles a quem tentara destruir. Marcelo e Joana, os “fracos”, haviam provado serem muito mais fortes e inteligentes, levando-o ao seu próprio fim e garantindo a eles o futuro que ele acreditara pertencer apenas a si.

Sem redenção, sem destino, Pedro vagaria pela casa que agora pertencia aos irmãos, um prisioneiro da própria ambição, forçado a assistir ao desfecho que ele, com tamanha arrogância, jamais acreditara possível.

Fim.

Tema: Poltergeist