Dias de gato
As pessoas me chamam de Nino. Moro em um lugar onde habitam todos os tipos de personalidade: das mais animadas às mais reclusas, dos mais altos aos mais baixos. Alguns moradores se parecem comigo; outros, nem tanto. Minha rotina é tranquila: na maior parte do tempo, estou dormindo. Quando não, estou me espreguiçando ou apreciando minha refeição. Preciso admitir que há uma certa mordomia, apesar de o espaço aqui ser apertado. Uma pessoa me traz comida e limpa todo o meu quarto. Já faz tanto tempo que moro aqui que acabei entendendo um pouco do idioma dos locais. No entanto, toda vez que tento continuar o diálogo que começam comigo, me ignoram e olham para mim com aquelas caras bobas. Faço o esforço de entender o que dizem, mas eles, por outro lado, nunca tentam me compreender. Nos últimos dias, uma jovem apareceu por aqui. Ela teve uma conversa com minha cuidadora e recebeu uma sacola (eu bem queria uma sacola). Ao ir embora, parou na minha frente e falou comigo. Não sei o motivo, mas senti que algo a perturbava. Essa jovem começou a vir todos os dias. Passava na frente, parava, acenava e sorria. Depois, seguia seu caminho, enquanto eu a observava pela janela. Isso durou várias semanas, até que, um dia, algo quebrou a monotonia da rotina. A jovem passou, olhou para dentro e acenou, mas dessa vez, não sorriu. Em outra ocasião, passou com um rosto estranho, os olhos inchados e úmidos; sorriu um sorriso caído e torto, mas não acenou. Com o passar do tempo, ela já não sorria nem acenava. Seu rosto estava sem expressão, os olhos vazios. E foi assim que ela continuou a me visitar, repetidas e repetidas vezes. Vi muitos sóis e luas, e nesse período, acho que ela se cansou de mim, pois nem olhava mais para dentro; apenas passava. Até que um dia algo me chamou a atenção: ela estava acompanhada. Algo disforme e negro a seguia, drenando sua energia. Essa coisa crescia e cada vez mais envolvia o corpo da jovem. Não fui o único a notar; meus companheiros também a perceberam. Toda vez que a jovem passava, era um alvoroço, até que minha cuidadora aparecesse para nos acalmar, dizendo que não havia motivo para tanto barulho. Quanto mais o tempo passava, mais abatida a jovem ficava, andando agora com o olhar fixo no chão, como se aquela coisa – que a envolvia completamente – pesasse em seu pescoço. A coisa, então, tomou uma forma horrenda: metade humanoide, metade pesadelo de criança. Grotesca, pavorosa, a criatura flutuava atrás da jovem, apertando-lhe o pescoço. Parecia exercer uma influência sobre ela, manipulando-a como uma marionete. A coisa começou a brincar com ela. Passava em frente, obrigando-a a fazer caretas e gestos estranhos, sorrindo para mim enquanto dançava e se contorcia de alegria. Várias manchas roxas começaram a aparecer por todo o corpo da jovem, junto com marcas nos pulsos. Parecia que a coisa tinha controle total. No dia seguinte, lá vinha ela de novo, mas desta vez, não havia coisa alguma atrás dela, nem segurando seu pescoço. Ela parou em frente, se virou, sorriu e acenou. E, com uma voz rouca e demoníaca, disse: “Tchau, tchau, Gatinho!”